terça-feira, 20 de setembro de 2011

Thomas Hobbes e a autoajuda (3)




"O que é coisa difícil [ler o gênero humano através da leitura de si mesmo], mais ainda do que aprender qualquer língua ou qualquer ciência, mas ainda assim, depois de eu ter exposto claramente e de maneira ordenada minha própria leitura, o trabalho que a outros caberá será apenas verificar se não encontram o mesmo em si próprios. Pois esta espécie de doutrina não admite  outra demonstração".

Thomas Hobbes - Leviatã 

Para o filósofo Renato Janine Ribeiro*,

"O homem hobbesiano não é então um homo oeconomicus, porque seu maior interesse não está em produzir riquezas, nem mesmo em pilhá-las. O mais importante para ele é ter os sinais de honra, entre os quais se inclui a própria riqueza (mais como meio, do que como fim em si). Quer dizer que o homem vive basicamente de imaginação. Ele imagina ter um poder, imagina ser respeitado - ou ofendido - pelos semelhantes, imagina o que o outro vai fazer. Da imaginação - e neste ponto Hobbes concorda com muitos pensadores dos séculos XVII e XVIII - decorrem perigos, porque o homem se põe a fantasiar o que é irreal. O estado de natureza é uma condição de guerra, porque cada um se imagina (com razão ou sem) poderoso, perseguido, traído".

O que é o estado de natureza? É o modo de existência fora do controle do Estado; este último, para Thomas Hobbes, deveria ser representado por um único indivíduo (ou grupo de indivíduos), dotado de poderes absolutos sobre os demais, já que os súditos submetem suas vontades e desejos ao arbítrio desse "Leviatã", criado pelo pacto feito entre eles, objetivando fugir da insegurança que caracteriza o estado de natureza.

Renato Janine Ribeiro observa que Hobbes considerava a imaginação perigosa. Por quê? "Todo homem é opaco aos olhos de seu semelhante - eu não sei o que o outro deseja, e por isso tenho que fazer uma suposição de qual será a atitude mais prudente, mais razoável", lembra-nos Ribeiro. Conjeturamos, tentamos fazer previsões (erradas, muitas vezes), imaginamos como serão as reações do outro.

E qual o papel do "individualismo metodológico" empregado por Hobbes para formular suas conclusões, levando em conta o modo como atua a imaginação?

Como se sabe, Leviatã** é dividido em quatro partes. Na primeira delas, ("Do homem"), o pensador inglês "gasta" 16 capítulos para apresentar sua concepção da natureza humana***. É a partir dela que o filósofo defenderá a necessidade de concentrar todo o poder nas mãos de uma pessoa (ou grupo de pessoas), sem recorrer ao argumento da designação divina, presente nos arrazoados de outros defensores do Absolutismo no mesmo período.

Sendo todos os seres humanos iguais (possuidores de "um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder que cessa apenas com a morte"), somente a força e o temor impostos por um poder absoluto podem impedir a mútua aniquilação.

O pensador inglês não coleta dados junto a amostras populacionais (esse modus faciendi, hoje trivial no meio científico, estava longe das  práticas de trabalho dos eruditos do século XVII), nem dispõe, obviamente, dos recursos da Psicologia, que só se estabeleceria como ciência centenas de anos depois. Thomas Hobbes fundou seu método observando apenas suas próprias reações, sensações, sentimentos, vontades e desejos e o que tudo isso pode provocar na imaginação. Depois, deduziu que o mesmo acontece com cada um dos outros seres humanos, uma vez que todos são iguais.

É pouco para escrever um tratado sobre o surgimento do Estado? Sim. Não obstante, tornou-se um clássico.

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Como já registrei anteriormente nesta série, o veredicto da História foi implacável com as ideias políticas de Thomas Hobbes. Portanto, uma interpretação perfeitamente adequada do Leviatã é a que enxerga no livro uma expressão da antipolítica, porque baseado no princípio do medo - um dos sentimentos típicos do império  da incivilidade - e na incapacidade de coexistência dos diversos interesses individuais/grupais dentro da mesma sociedade. Nesse sentido, Hobbes constrói seu pensamento sobre uma aposta na torpeza humana e (também) por isso sua obra é considerada maldita.

Para meu "uso", entretanto, prefiro observar que o Leviatã ensinou-me a procurar ser sempre autocrítico; a não me iludir com os "sucessos", "acertos" ou "conquistas" que por ventura venham a fazer parte de minha vida; preparou-me para desconfiar dos argumentos "bem-intencionados" dos outros (e dos meus próprios). E numa época em que muitos fazem questão de se exibir probos, responsáveis e sensíveis, principalmente por meio do que tentam projetar através de seus perfis na web - nas mídias sociais, todos são engajados, apoiam causas virtuosas (ainda mais quando adequadas às suas ideologias), têm consciência ecológica, são anjos de tolerância, artistas da palavra e do grafismo, ajudam velhinhas a atravessar as ruas, etc. - um livro como o de Hobbes alerta-me para que não acredite muito nessas máscaras "que se estão pegando à cara", se me permite essa adaptação do conhecido verso de Álvaro de Campos/ Fernando Pessoa.
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* RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco C. Clássicos da política, 1. 13 ed. São Paulo: Ática: 2001, p. 51-77

** HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979 [tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva]

*** Na Segunda parte do Leviatã ("Do Estado") é que se encontra o detalhamento da visão política de Thomas Hobbes. A Terceira ("Do Estado Cristão") e a Quarta ("Do Reino das Trevas") podem interessar ao(à) leitor(a) pois demonstram a posição crítica (e negativa) que o filósofo manifestava em relação à Igreja.


BG de Hoje

Canção revigorante, (eu acho, pelo menos): PATTI SMITHDancing Barefoot