domingo, 29 de abril de 2012

Falou e disse...

"Uma percepção do que faz as coisas serem o que são pode nos dispor a jogar a toalha ou nos instigar à ação. Saber como funcionam os complexos mecanismos sociais não imediatamente visíveis que moldam a nossa condição corta claramente nas duas direções. Vez e outra, isso nos permite dois usos distintos, que Pierre Bourdieu chamou apropriadamente de 'cínico' e 'clínico'. O saber pode ser usado de forma 'cínica': sendo o mundo o que é, pensemos numa estratégia que me permitirá utilizar as suas regras para tirar o máximo de vantagem: quer o mundo seja justo ou injusto, agradável ou não, isso não vem ao caso. Quando é usado 'clinicamente', esse mesmo conhecimento do funcionamento da sociedade pode nos ajudar a combater o que vemos de impróprio, perigoso ou ofensivo à nossa moralidade. Por isso, o saber não determina a qual dos dois usos recorremos. Isso é, em última análise, uma questão de escolha".*

* BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000 [tradução de Marcus Penchel]

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dor


Dias atrás, mau humorado (meu "estado de espírito" habitual) e bêbado, desagradei as pessoas com quem conversava num bar que frequento bastante. Não me lembro direito do assunto: só sei que a conversa enveredou para aquele ponto chato no qual as pessoas começam a exaltar suas "virtudes" pessoais, mentindo e autoelogiando-se. Foi quando eu disse, não sei por que: as únicas coisas com que devemos nos preocupar são o dinheiro e a dor física, o resto é conversa fiada. O clima ficou pesado. Não estava nem aí.

No outro dia, sóbrio, tentei encontrar a razão de ter dito aquilo. Suponho ter achado. Antes, porém, falemos de dois romances distintos, mas nos quais a violência tem papel destacado.

Em À espera dos bárbaros *, "fábula" escrita por J. M. Coetzee, o magistrado, personagem protagonista da narrativa, após conversa com o coronel Joll, experimentado torturador, conclui: " a dor é a verdade; tudo o mais está sujeito a dúvida".

Por sua vez, em 1984 **, distopia célebre elaborada por George Orwell, lê-se o pensamento desesperado de Winston Smith, submetido à intensa tortura a partir do final da narrativa:

"Nunca, por nenhuma razão, se poderia desejar que a dor aumentasse. Da dor, só se podia desejar uma coisa, que parasse. Nada no mundo era tão horrível como a dor física. Em face da dor não há heróis, não há heróis, ele pensou e tornou a pensar, torcendo-se no chão, segurando à toa o braço esquerdo invalidado".

No livro de Coetzee, a vida tranquila do magistrado que narra o romance é inteiramente transformada pela chegada de militares brutais, para os quais a tortura e os castigos físicos eram expedientes legítimos. Na obra de Orwell, Winston Smith experimenta todos os tipos de sofrimento físico perpetrados pelo poder oficial. Nos dois casos, qualquer oposição ou resistência é baldada: não se pode vencer a dor física.

São textos impactantes, cada um a seu modo; duas belas construções literárias, não obstante a tristeza e a desesperança que emanam delas.

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Pode-se encher a existência de sentimentalidades, convivências, convicções e valores. São ilusões que todos cultivamos, em maior ou menor grau. No fundo, a maioria dos seres humanos (inclusive este blogueiro, é óbvio) só se preocupa , egoisticamente, em arrumar dinheiro e evitar a dor física. Eis a condição humana resumida, penso eu. É cru e grosseiro, reconheço. Nem por isso, fácil de se conseguir. Muito pelo contrário.
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* COETZEE, J. M.. À espera dos bárbaros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006 [tradução de José Rubens Siqueira ]
* * ORWELL, George. 1984. 16 ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1983 [tradução de Wilson Velloso]

sexta-feira, 13 de abril de 2012

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Falou e disse...

"Mas pelo fato de a poesia, em comparação com o pensamento, estar de modo bem diverso e privilegiado a serviço da linguagem, nosso encontro que medita sobre a filosofia é necessariamente levado a discutir a relação entre pensar e poetar. Entre ambos, pensar e poetar, impera um oculto parentesco porque ambos, a serviço da linguagem, intervêm por ela e por ela se sacrificam. Entre ambos,entretanto, se  abre  ao  mesmo  tempo um abismo, pois 'moram nas montanhas mais separadas' ".

Martin Heidegger, Que é isto - a Filosofia? *

* HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1979 [tradução de Ernildo Stein]