segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Alice In Chains no MoPop


Como sou uma besta quadrada, apenas em agosto deste ano é que soube da existência do Museum Of Pop Culture (MoPop), localizado em Seattle (EUA), cidade natal de seu fundador, o falecido bilionário Paul Allen (um dos criadores da Microsoft, junto, é claro, de seu amigo e conterrâneo Bill Gates).

A organização surgiu no ano 2000 como Experience Music Project and Science Fiction Museum and Hall of Fame (o nome atual só começou a ser usado em 2016). Suas exibições e atividades, além de ocasionais mostras de artes plásticas, são voltadas principalmente para cinema, literatura, quadrinhos, videogames e entretenimento nos gêneros de ficção científica, fantasia e horror, bem como a manutenção de acervos e a realização de eventos relacionados à música pop, com destaque para artistas nascidos em Seattle ou vinculados à cidade

Desde 2007, ocorre uma celebração (cujo objetivo é também angariar fundos) homenageando cantores(as), instrumentistas, bandas e afins, intitulada Founders Award. Devido às restrições impostas pela pandemia de COVID-19, a festividade teve de ser cancelada em 2020, mas as apresentações musicais previstas aconteceram e foram abertas para o público em geral, por meio de transmissão online. 

Tratou-se de um tributo ao Alice In Chains, meu grupo de rock preferido.

Nesta postagem, destaco as performances de que mais gostei.

Man In The Box


Canção mais famosa do Alice In Chains, provavelmente, Man In The Box marcou a minha vida (já escrevi sobre isso aqui). Na execução acima, três músicos que se conhecem bem: Dave Navarro e Chris Chaney tocam juntos no Jane's Addiction há um longo tempo; o baterista Taylor Hawkins (Foo Fighters) é parceiro de Chaney num projeto paralelo (além disso, os dois colaboraram com Alanis Morissette no passado). Mantendo o estilo próprio, Navarro conduziu sua guitarra de maneira bem próxima da versão original, inclusive no solo. Não tão positiva foi a atuação de Corey Taylor (Slipknot). Cantor respeitado dentro e fora do ambiente do heavy metal, Taylor não conseguiu atingir a pujança vocal do falecido Layne Staley, principalmente no refrão. Ainda assim, aprovei.


It Ain't Like That


Algumas performances aconteceram fora das dependências do museu. É o caso dessa. It Ain't Like That é minha canção preferida do Alice In Chains. Não esperava que fosse tocada nesse tributo porque não é das mais conhecidas. Fiquei contente. Nunca tinha ouvido falar na cantora Shaina Shepherd. Pouco importa: ela é ótima. Não se pode deixar de mencionar a participação do mestre zen da guitarra de Seattle, Kim Thayil (Soundgarden). It Ain't Like That tem alguns dos melhores versos escritos por Layne Staley, como por exemplo:

"Here I sit, writing on the paper
Tryin' to think of words you can't ignore
In my eyes, what I'm lackin'
Score at face, a ten for slackin'
Sign the deal, set in motion
Smaller fish, so huge the ocean"



Would?


(Versão do Metallica)
Outra apresentação que não ocorreu no MoPop. É significativo que uma banda tão venerada e rica quanto o grupo californiano desça de seu pedestal para honrar outros artistas, mesmo que seja sem sair de casa. Aplausos para o vocal de James Hetfield: a medida que o tempo passa, ele vai cantando cada vez melhor, anos-luz de distância da - como gosto de dizer - fase "canina" dos três primeiros álbuns do Metallica.


(Versão do Korn)
Se você for ler os comentários do vídeo acima no Youtube, verá que alguns deles começam mais ou menos assim: "I'm not a Korn's fan, but...". Pois bem, não sou fã do Korn, mas eles acertaram em cheio nessa.


Put You Down


Adorei essa performance! Liv Warfield é uma cantora ligada ao rythm'n'blues e ao soul, mas Put You Down encaixou-se perfeitamente com ela (e para valorizar sua voz, penso eu, a canção foi tocada numa levada um pouquinho mais lenta do que a versão original). Achei bacana a transmissão do vídeo ter explorado bem o cenário do museu. Quando ouvi Put You Down pela primeira vez, senti uma vibração parecida com o Van Halen, banda que eu ouvia pra caramba, 30 anos atrás. Muito tempo depois, soube que Jerry Cantrell, de fato, admirava o guitarrista neerlandês-americano (este, inclusive, presenteou o então iniciante Alice In Chains com instrumentos e equipamentos, no comecinho da década de 1990).


Rooster


É o que se pode chamar de encontro de gerações: Ann Wilson, que desde os anos 1970 e sobretudo nos 1980, ajudou a reforçar a imagem de Seattle como uma cidade roqueira (graças ao sucesso do Heart, banda formada junto com sua irmã, Nancy), interpretando Rooster, hit de um dos expoentes do grunge, cena musical que teve Seattle como epicentro nos anos 1990 (muito embora o Alice In Chains não assumisse o rótulo).


Them Bones


A versão mais "estranha" (no bom sentido) de todo o evento. O Fishbone é daqueles grupos difíceis de classificar (ska? funk? rock?). Não sei descrever o que esses caras fizeram nesse cover, mas ficou bom.


No Excuses (com o próprio Alice In Chains)


Faz muito sentido tocar No Excuses num dia de homenagem, uma vez que a canção tematiza a amizade. Nessa versão acústica, já experimentada no MTV Unplugged de 1996, o trabalho do baterista Sean Kinney transparece. No Excuses também realça uma das melhores características do Alice In Chains: a harmonização vocal em dupla (às vezes recorrendo ao double-tracking nas gravações de estúdio), algo raro em bandas de rock pesado. Por falar nisso, confesso que custei muito a "aquiescer" com a incorporação de William DuVall ao grupo. Sua adição, porém, revelou-se bastante acertada: é um bom cantor, além de instrumentista competente (algo que Layne Staley, mesmo sendo dono de uma voz extraordinária, não era). Após a chegada de DuVall, mais três discos foram lançados, sendo um destes - Black Gives Way To Blue - um álbum bem bacana, na minha opinião. 


Rain When I Die


Deixei por último a apresentação que considerei a mais bonita de todas. Nunca imaginei que Rain When I Die pudesse ser tocada sem o forte riff de guitarra elétrica que é a sua principal marca na versão original. Não foi preciso mais do que o violão e a voz límpida do cantor e compositor canadense Dallas Green (que usualmente se apresenta com o nome artístico City and Colour) para dar ainda mais dramaticidade a uma canção já de si tão triste. Belíssimo.

Se o(a) eventual leitor(a) desejar, o evento completo pode ser conferido aqui.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Sobre a ABL (Academia Brasileira de Letras) e sobre anacronismos


[Postagem atualizada em 14/12/2021]


A chamada Casa de Machado de Assis, nos últimos dois meses, conseguiu um espaçozinho nos noticiários em virtude da eleição de quatro novos membros, sendo dois destes - Fernanda Montenegro e Gilberto Gil - artistas bastante populares e estimados. 

Terá sido uma estratégia para gerar imagem mais simpática e menos vetusta, já que, na visão de alguns, a agremiação não passa de um clube privativo de velhinhos emproados que se reúnem de vez em quando para tomar chá e fazer comentários pomposos sobre a cultura do país?

É provável que sim (movimento similar parece ter sido a entrada de Paulo Coelho em 2002). Em minha opinião, contudo, está longe de ser suficiente para que a instituição aparente ser mais receptiva e avançada, sobretudo ao pensarmos no processo de candidatura e escolha de seus membros.

Quando uma cadeira é declarada vaga após o cerimonial previsto, os postulantes precisam, em até 30 dias, enviar uma carta, e-mail ou telegrama (sim, o telegrama ainda é usado no Brasil) para a presidência da ABL, manifestando o interesse. Os únicos pré-requisitos são: 1)ter nacionalidade brasileira e 2)contar com ao menos um livro publicado no currículo (o estatuto da entidade fala que o volume deve apresentar "valor literário", mas outras "obras de reconhecido mérito" são também aceitas). Indicados os concorrentes, a definição do(a) vencedor(a) acontece por meio de escrutínio secreto. Vence aquele(a) que obtiver maioria simples. O colégio eleitoral resume-se aos(às) integrantes já estabelecidos(as) e empossados(as).

Tranquilo, não?

Contudo, entre a inscrição e o resultado, há uma longa campanha. Ou seja, é preciso pedir votos.

Em 1940, Oswald de Andrade se candidatara. Enviou correspondência feroz a cada um dos membros. Começava assim ¹:

"Será Vossa Senhoria uma das raras inteligências desse Grêmio que compreendem a atual situação do mundo, e, portanto, a da própria Academia? […] Ou será Vossa Senhoria daquelas teimosas velhas de Botafogo que ainda acreditam no pavoneio dos títulos literários, roubados aos verdadeiros trabalhadores da cultura?”

E terminava: "O futuro julgará essa eleição mais do que essa eleição me julgará".

O autor do Manifesto Antropófago errou na previsão. A instituição, nos anos seguintes, não deu mostras de desmoronamento por não escolhê-lo (penso até que se reforçou ao optar por Manuel Bandeira, um poeta incomparavelmente melhor). Isso não quer dizer que a Academia Brasileira de Letras não está perdendo o bonde da História, como disse Conceição Evaristo no programa Roda Viva. Voltarei à escritora mais adiante.

Fundada em 1897, a ABL demorou 80 anos para eleger uma mulher (Rachel de Queiroz). Um artigo de seu regimento interno inclusive restringia a eleição a "brasileiros do sexo masculino" e só foi alterado em 1976 (atualmente, os homens ocupam mais de 80% das cadeiras). Além desse passivo androcêntrico, digamos assim, foi ínfimo, ao longo dos anos, o número de afrodescendentes entre seus quadros. 

O crítico literário, poeta e ensaísta Antônio Carlos Secchin, atual ocupante da cadeira 19, afirma que "a representatividade é bem-vinda, mas não pode ser pré-requisito, pois não há cotas [...] Na história da ABL, registram-se acadêmicos negros, gays, registra-se, muito tardiamente embora, a presença de mulheres. Convivem representantes de todos os gêneros literários. Esperamos que essa representatividade ainda se amplie, não por gesto paternalista de benevolência, mas pela qualidade intrínseca dos candidatos.". Segundo ele, também se considera para a escolha que o(a) novo(a) membro eleito(a) "desejavelmente enseje um convívio harmônico, pois será vitalício".

No seu valor de face, a frase "não há cotas" (na ABL) é verdadeira, mas - e posso estar completamente errado na avaliação - vejo nela uma necessidade de bravatear independência. Parece uma tática diversionista. Os problemas da ABL, segundo penso, não se restringem à baixíssima diversidade de representação, um fato inegável. Eles tem a ver com dois outros pontos das declarações de Secchin: a suposta "qualidade intrínseca dos candidatos" e o preceito (não sei se regimental) do "convívio harmônico".

Convenhamos, quantos não se tornaram "imortais" apenas por serem endinheirados, influentes ou bem relacionados com o poder? Ao longo dos anos, poetastros inexpressivos, romancistas fracos, médicos, advogados e jornalistas não mais que medianos (mas cheios de si), políticos buscando lustre (incluindo associados à ditadura militar), não tiveram qualquer dificuldade para serem escolhidos. "Qualidade intrínseca dos candidatos"? Difícil de engolir... Quanto ao tal "convívio harmônico", os acadêmicos não ficam confinados ao estilo BBB e creio que não moram no Petit Trianon. Encontram-se, eventualmente, duas vezes por semana e noutras ocasiões extraordinárias. Qual o problema se houver algum desentendimento? A instituição não sabe lidar com a divergência?

Quando Conceição Evaristo aceitou se candidatar em 2018 (após petições na web), seu gesto foi carregado de significação política (no amplo sentido da palavra), assim como foram as recusas em concorrer de Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade, décadas antes. Ela não procurou adular os(as) integrantes da ABL, nem sequer enviou comunicados pessoais a eles(as), expediente usual na pequena confraria. Nélida Piñon e Ignácio de Loyola Brandão ficaram amuados (quase todos os outros também, já que Evaristo só obteve um voto favorável). A candidata deveria ter "contatado, visitado os acadêmicos", reclama Piñon. "Ela forçou sua candidatura, não cumpriu nenhum ritual, nada de nada, como se fosse necessário dar-lhe um lugar", queixa-se o autor de Não verás país nenhum (um livro, aliás, de que gosto muito).

Não sei você, eventual leitor(a), mas grande parte das escolhas da instituição, para mim, tem menos a ver com possíveis valores literários, artísticos e culturais e mais com louvaminhas e compadrio. 

Apesar da notoriedade que ainda a circunda, a Academia Brasileira de Letras dificilmente conseguirá desembaraçar-se de seus anacronismos. E o fardão cafona nem é o pior deles.

Há em seu estatuto, por exemplo, a exigência de que 25 dos 40 ocupantes de cadeira possíveis sejam residentes no Rio de Janeiro, algo que até fazia sentido no final do século XIX, quando a cidade era o centro político e econômico do país, não existia transporte aéreo e a comunicação via internet não era sequer sonhada, mas essa obrigação é perfeitamente dispensável hoje. Entende-se que a ABL tenha muito apego a tradições, mas por que não ampliar o número de eleitores, tendo em conta as muitas mudanças demográficas, educacionais, socioeconômicas e culturais ocorridas desde a sua fundação? (Se não for o caso de aumentar o número de cadeiras, por que não formar um conselho, composto, sei lá, de professores universitários ou outros estudiosos, cujo posicionamento teria algum peso nas votações ou nas indicações de candidaturas?). Sendo sua missão "a cultura da língua e da literatura nacional", não é muito claro qual o papel da entidade em relação à produção de escritores(as) jovens e ao fomento da leitura.

Buscando poupá-la de críticas, alguns de seus membros fazem questão de lembrar que a ABL não é pública (e, portanto, seria livre para formular suas próprias normas). De fato, trata-se de entidade privada sem fins lucrativos, cujos recursos advêm principalmente dos rendimentos oriundos de aluguéis de imóveis, com destaque para o edifício localizado ao lado do Petit Trianon. Também há o apoio da Light e da Vale e, esporadicamente, de outras empresas. O que não muda o desejo (oculto ou escancarado) de muitos de seus membros - vivos ou falecidos - de serem vistos e lembrados como glórias nacionais reverenciadas pelo povo ("Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem/Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?", para lembrar os famosos versos de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos).

Apesar de reprovar a Academia Brasileira de Letras em muitos aspectos, acho que ela tem uma tarefa a cumprir, principalmente num país tão clivado como o nosso, com tantos problemas educacionais (o que se reflete nos hábitos e disposições de leitura da população). A existência de instituições de consagração, bem como a de prêmios literários, malgrado suas falhas, têm a importante função de balizar determinado campo da cultura e da arte e atrair a atenção de pessoas que usualmente não se reconhecem nele (daí a relevância da candidatura de Conceição Evaristo em 2018 e a de Daniel Munduruku neste ano). 

Para finalizar: se é acabrunhante saber que José Sarney e Merval Pereira (cáspita!) integram a ABL, por outro lado é gratificante que também estejam lá intelectuais pelos quais tenho profundo respeito (Evanildo Bechara, Alberto da Costa e Silva, Sérgio Paulo Rouanet, o acima mencionado Antonio Carlos Secchin) e outros que, além de respeitar, também admiro (Lygia Fagundes Telles, Antonio Cicero, Ana Maria Machado e o recém-chegado Gilberto Gil).
     
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¹ O beija-mão na Academia Brasileira de Letras. Revista Época. 29 mar. 2018 [Matéria assinada por Marcelo Bortoloti]. Disponível em: https://epoca.oglobo.globo.com/cultura/noticia/2018/03/o-beijamao-na-academia-brasileira-de-letras.html. Acesso em: 03/12/2021. 

² O que é imortal: com silêncio e mistério, começa campanha para vagas na ABL. TAB Uol. 12 set. 2021 [Matéria assinada por Mateus Araújo]. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2021/09/12/rito-de-imortal-com-silencio-e-misterio-comeca-campanha-para-vagas-na-abl.htm . Acesso em 03/12/2021. Todas as declarações de membros da ABL citadas aqui  foram extraídas dessa reportagem.

BG de Hoje

Catavento e girassol, parceria do violonista GUINGA com ALDIR BLANC, é uma canção que consegue, como poucas, reunir sofisticação e despojamento. Linda demais. E que tem na interpretação da LEILA PINHEIRO sua versão definitiva.