quarta-feira, 31 de julho de 2013

10 álbuns de rock - Audioslave


Seria difícil imaginar que a associação entre Chris Cornell, Tom Morello, Brad Wilk e Tim Commerford pudesse resultar num trabalho ruim. E felizmente, acho eu, as melhores expectativas se confirmaram. O primeiro disco - que leva o nome da banda - foi lançado em 2002 e é, na minha opinião, um dos melhores álbuns de rock dos últimos 15 anos.

Audioslave é uma obra longa, se comparada ao que estamos acostumados no universo da música pop. São 14 faixas, totalizando mais de uma hora de duração.

O grupo só lançaria mais dois CD's após este e encerrou as atividades conjuntas em 2007. Chris Cornell reuniu-se mais uma vez aos companheiros do Soundgarden. Os outros integrantes juntaram-se de novo a Zack de La Rocha e reviveram o Rage Against the Machine.

Faixa a faixa



Cochise - Faixa de abertura irrepreensível, com os caras mostrando ao que vieram.

Show me how to live - Uma das que mais gosto. Letra forte. A bateria de Brad Wilk é o destaque.

Gasoline - Esse disco coloca, na sequência inicial, três faixas acachapantes, com Gasoline fechando o circuito.

What you are - Taí uma faixa perfeitamente dispensável.

Like a stone - Provavelmente a música mais conhecida do Audioslave. É interessante ouvir os músicos que pertenceram ao Rage Against the Machine numa canção menos agressiva e mais melódica.

Set it off - Volta a porrada. Outra das minhas preferidas. Talvez a canção que mais se aproxima do heavy metal em estado puro.

Shadow on the sun - Mais uma de que gosto bastante (até porque está na trilha sonora do ótimo filme Colateral, dirigido por Michael Mann). A letra é meio enigmática, mas muito bonita ("I can tell you why/people die alone/I can tell you I'm/a shadow on the sun"). E Chris Cornell comprova ser um dos maiores cantores de rock de sua geração. O modo como a música ganha peso no final é espetacular.

I am the highway - Outra canção bem melódica e nada agressiva. E todos se saem bem.

Exploder - Acho essa um pouco fraquinha...

Hypnotize - A faixa mais destoante de todas no disco. Tem uma levada mais dançante, pode-se dizer, e menos rock. Mas é muito boa.

Bring'em back alive - Heavy metal de novo se fazendo presente.

Light my way - Adoro essa também. Pesada, na medida certa.

Getaway car - É bastante curioso, repito, ouvir esses músicos, com seu histórico, tocando uma balada! Tem até um solo mais tradicional do guitarrista Tom Morello...

The last remaining light - Canção boa pra se ouvir tomando uma dose generosa de bebida forte.

Elephant, dos White Stripes, será o assunto na quinta-feira.

terça-feira, 30 de julho de 2013

10 álbuns de rock - Time's up


Ganhei de presente, em 1991, um exemplar deste disco (em vinil). Demorei um certo tempo a me "acostumar" com ele, mas, de lá pra cá, nunca mais deixei de ouvi-lo (hoje em dia, apenas em CD).

As canções são bem distintas umas das outras: em comum apenas a performance "virtuosística" do guitarrista (e principal compositor) Vernon Reid. Apesar de seu destaque, todos os integrantes são muito bons, principalmente o baixista Muzz Skillings.

O Living Colour não atingiu o sucesso radiofônico (pelo menos não no Brasil). Injustiça com uma banda tão criativa, mesmo seguindo a geralmente repetitiva linha do heavy metal.

Faixa a faixa


Time's up - A faixa de abertura é a mais pesada em todo o disco, mas não é muito boa. A letra, também fraquinha, apresenta mensagem ecológica.

History lesson - Primeira das vinhetas espalhadas ao longo do álbum

Pride - Aqui é que o disco começa a ficar interessante. Composta pelo baterista William Calhoun, tem letra forte, abordando a questão racial. O som é vigoroso, denso. Ótima.

Love rears its ugly head - Talvez a canção mais conhecida do Living Colour. Tem uns toques jazzísticos bastante agradáveis. Rolava bastante na extinta rádio Geraes, aqui de BH. OBS: Por que as boas rádios acabam? Letra bem humorada, tratando do casamento.

New Jack theme - A faixa que menos gosto no disco.

Someone like you - Composta pelo baixista Muzz Skillings. Trata da ação discriminatória da polícia nos Estados Unidos, sobretudo em áreas pobres das grandes cidades, onde vive a maioria da população negra. Outra boa faixa.

Elvis is dead - Canção engraçada, com participação de Little Richard. Imaginem "a zombie Elvis/in a tracky white jumpsuit/just imagine a rotting Elvis/shopping for fresh fruit".

Type - Faixa "certinha" demais. Levada bem pop, feita sob medida pra tocar no rádio.

Information overload - Canção bem heavy metal e, como diz o título, trata da sobrecarga de informação, num mundo em que "only ten percent control the rest/only ten percent decide the rest".

Under cover of the darkness - Outra canção com toques jazzísticos (aqui mais acentuados). Participação de Queen Latifah, que, nessa época, era apenas uma rapper.

Ology - Outra vinheta.

Fight the fight - Minha preferida. Mantém o tom político de muitas outras canções do grupo. É pesada e ao mesmo tempo bem swingada. Musicaço!

Tag team partners - Mais uma vinheta.

Solace of you - Essa é ideal pra ouvir na beirada da praia. Suave e com um lindo arranjo para os vocais.

This is the life - Se a faixa de abertura não é tão boa, a de encerramento é sensacional. Destaque para o vocalista Corey Glover.

Amanhã, o assunto é o disco Audioslave, do... Audioslave.



segunda-feira, 29 de julho de 2013

10 álbuns de rock - Nevermind


Poucos apreciadores de rock discordam quanto à importância e ao valor desse álbum. Considerado por muitos como o disco que levou o chamado rock "alternativo" ao mainstream, essa obra influenciou e continua influenciando dezenas de bandas por todo o planeta.

Faixa a faixa




Smells like a teen spirit - Uma das canções mais emblemáticas dos anos 1990. E que exibe a principal característica de muitas das canções do Nirvana: a concentração explosiva do refrão - a música é tocada até com certa "suavidade", mas quando chega ao refrão, todo o peso e agressividade se mostram por inteiro. Foi interpretada por muita gente, mas a regravação que mais gosto é a da Patti Smith.

In bloom - Outra com a "concentração explosiva do refrão".

Come as you are - Uma das linhas de baixo mais conhecidas do rock. Musicaço! OBS: Caetano Veloso é um artista que admiro, mas, infelizmente, fez uma versão abominável de Come as you are.

Breed - Minha preferida. Canção que comprova o lado punk do Nirvana.

Lithium - Mais uma com a "concentração explosiva do refrão". Virou hit, mas não gosto muito dessa.

Polly - Canção bastante triste, não obstante, ótima. E o Nirvana mostra que também pode ser musicalmente delicado.

Territorial pissings - Essa também é ultrapunk. Rápida e agressiva. Kurt Cobain se esgoela cantando.

Drain you - Depois da porrada anterior, uma faixa para o ouvinte se recuperar.

Lounge act - Ótima canção, uma das que eu mais gosto no álbum. E adoro o jeito de cantar berrado no final dela.

Stay away - Única faixa que considero dispensável em todo o disco.

On a plain - Ficou boa aqui, mas muito melhor na versão unplugged.

Something in the way - Outra canção muito triste. Diz a lenda que ela se refere ao tempo em que Kurt Cobain dormia na rua. Ficou ótima também no Acústico da MTV.

Amanhã, falo de Time's up, do Living Colour



quinta-feira, 25 de julho de 2013

10 álbuns de rock - Master of Puppets


Fiquei sem acesso à web por esses dias e só hoje posso retomar a série sobre os 10 álbuns de rock que mais tocam no meu CD player. Vamos ao número 5.

Master of Puppets foi lançado em 1986. Curiosamente, o mesmo ano em que surgiu Reign in Blood, álbum  sensacional da banda Slayer, outro clássico do trash metal. Foi o último disco com a participação do baixista Cliff Burton (o músico morreu meses depois durante a turnê de divulgação do disco, num acidente rodoviário).

Transição é uma das palavras adequadas para referir-se a esse álbum. Tem elementos dos dois primeiros discos do Metallica - a agressividade e a rapidez - mas preparava, penso, o caminho para aquele que considero o melhor disco da banda, ...And Justice For All (1988), com arranjos mais elaborados e guitarras mais encaixadas. Ah, e James Hetfield melhorou muito como cantor.

Faixa a faixa



Battery - As cordas dedilhadas nos segundos iniciais dessa canção são só para iludir os incautos: logo depois, o couro começa a comer.

Master of Puppets -  A faixa-título não deixa o fogo baixar. Uma das melhores canções de toda a carreira do Metallica. E Kirk Hammett mostra ser mesmo um guitarrista fora de série. Nessa faixa, ao contrário da anterior, o lado "ameno" fica no meio da canção, mas depois o bicho volta a pegar: "Master!/Master!/Just call my name, 'cause I'll hear you scream"

The Thing That Should Not Be - O peso continua, mas essa é uma faixa menos veloz do que as anteriores. Nenhum mal nisso.

Welcome Home (Sanitarium) - A abertura dessa faixa é belíssima. E a maneira como ela vai ganhando peso até o refrão... Outro show à parte de Kirk Hammett.

Disposable Heroes - Mais uma faixa bem veloz. Nessa quem se destaca é o baterista Lars Ulrich.

Leper Messiah - Minha predileta. Tem uma linha de baixo bem carregada. Além do mais, mete o pau nos televangelistas e religiosos canalhas.

Orion - Faixa instrumental bastante agradável (embora, na minha opinião, pudesse ser mais curta).

Damage, Inc. - Sem dúvida a faixa mais rápida e raivosa de todo o álbum. Paulada na moleira!

Retorno na segunda-feira, falando de Nevermind, do Nirvana.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

10 álbuns de rock - The real thing


A primeira cópia que tive desse disco foi um vinil, comprado em 1990 (embora The Real Thing houvesse sido lançado no ano anterior). Por causa do megahit Epic (tocava muito no rádio!) e do festival Rock in Rio II (do qual a banda participaria, em 1991), falou-se bastante do grupo naquele período.

Não é o álbum de estreia da banda, mas é o primeiro com Mike Patton, o que faz toda a diferença. Patton, na minha opinião, é um dos melhores cantores da história do rock: vai do grave mais carregado ao agudo mais esganiçado, como comprovou nos shows mundo afora e nos outros trabalhos do Faith no More. Aliás, nenhum disco deles, lançado ulteriormente, conseguiu alcançar o sucesso comercial do The Real Thing (talvez porque a banda, do ponto de vista artístico, abandonou acertadamente a "fórmula" usada em 1989 nas gravações posteriores).

Faixa a faixa



From Out of Nowhere - Teclados no rock costumam ser um problema... Não no caso do Faith no More. E menos ainda no caso dessa música. Roddy Bottum manda bem demais nessa canção "frenética".

Epic - Quem nunca ouviu essa faixa? Hoje - reconheço - já não tenho mais a mesma boa vontade para escutá-la... Não obstante marcou época e influenciou muita gente. Foi involuntário, claro, mas pode-se debitar na conta do Faith no More o surgimento das famigeradas bandas de nu metal, como Limp Bizkit, Korn e (argh!!!) Linkin Park.

Falling to Pieces - Tornou-se também um grande hit, mas essa eu não canso de ouvir. Show da "cozinha": Billy Gould (baixo) e Mike Bordin (bateria). A letra é desesperada, mas a levada da canção faz o ouvinte quase não atentar pra isso. Combinava demais comigo na época em que comprei o disco pela primeira vez.

Surprise! You're Dead! - Trash metal que fez a banda interessar aos headbangers. Acredito que seja uma concessão dos outros integrantes ao guitarrista Jim Martin, a parte mais "metaleira" do grupo na época.

Zombie Eaters - Minha preferida em todo o álbum. Começa lenta e melosa, pra depois ganhar peso, acelerando no final.

The Real Thing - Musicaço! Com diversos "climas", justifica a sua extensão de mais de 8 minutos.

Underwater Love - Cançãozinha romântica bastante estranha...

The Morning After - Mais um show da "cozinha". Funk metal é isso aí!

Woodpecker From Mars - Faixa instrumental muito boa. Aliás, o Faith no More gravaria muitas canções do tipo ao longo da carreira. Se não me engano, o título foi tirado de um episódio do desenho do Pica-Pau.

War Pigs - Cover fidelíssima ao clássico do Black Sabbath. Acho que foi outra concessão a Jim Martin.

Edge of The World - Balada sacana, muito bem humorada. Não podia ter um fechamento de disco melhor.

Amanhã, Master of Puppets, do Metallica

quarta-feira, 17 de julho de 2013

10 álbuns de rock - Facelift


Este foi o primeiro compact disc (também conhecido como CD) que comprei. Até então, só tinha discos de vinil. E demorei um tempo enorme pra adquirir um equipamento no qual pudesse reproduzi-lo... Facelift, lançado em 1990, fazia parte da cena (ou "movimento") grunge que marcou aquela década (embora o Alice in Chains não apreciasse o rótulo). Das bandas que se destacaram no período, sempre gostei mais daquelas que mantinham um pé no heavy metal - no caso, Soundgarden e, claro, os autores do disco do qual estou falando. 

Posso dizer que é o meu disco preferido da minha banda preferida. Dirt (1992) recebeu bons comentários na imprensa e vendeu muito mundo afora. É mais burilado do que Facelift, é verdade, mas ainda assim ouço mais o álbum de estreia da banda de Seattle.

Faixa a faixa



We Die Young - Aqui está a "carta de intenções" da banda: canção curta e pesada, sem firulas, cujo título chega a ser premonitório, se pensarmos na morte do vocalista Layne Staley em 2002.

Man In The Box - Costumo dizer, de modo exagerado, que essa música salvou a minha vida naquela horrível primeira metade dos anos 1990. Quando ouvi Man in the box pela primeira vez, na extinta e saudosa rádio Terra, aqui de BH, fiquei alucinado. Que mais posso dizer? Uma das melhores canções de rock de todos os tempos.

Sea Of Sorrow - Aqui uma pegada mais hard rock (e menos metal). Refrão grudento.

Bleed The Freak - Guitarra trabalhando sem preguiça nessa música. O que é ótimo em se tratando de uma banda de rock pesado.

I Can't Remember - A que eu menos gosto no disco, embora não seja uma canção ruim.

Love, Hate, Love - Se eu tivesse talento pra compor uma música de rock sobre o fim de um relacionamento amoroso seria essa faixa. Ela ficou também sensacional no registro ao vivo do disco Live (2000). Layne Staley canta a música (e quase todas as que interpreta) como se estivesse pra morrer ao fim dela.

It Ain't Like That - A música que mais aprecio em toda a discografia do Alice in Chains. É uma paulada!  As imagens espalhadas pela letra justificam a fama que a banda tem de produzir canções perfeitas para a trilha sonora de pesadelos.

Sunshine - Com uma levada mais hard rock, é outra das minhas preferidas. Tem ainda um belo (e curto) solo de guitarra de Jerry Cantrell, principal compositor do grupo.

Put You Down - Canção com um jeitão meio Van Halen, menos "deprê" do que as faixas anteriores.

Confusion - Volta o clima sinistro. Definitivamente, o Alice in Chains não acredita no amor, hehehe... Saca o refrão dessa música: "Love, sex, pain, confusion, suffering/You're there crying, I feel not a thing/Drilling my way deeper in your head/Sinking, draining, drowning, bleeding, dead"

I Know Something (Bout You) - Isso talvez seja o mais próximo que esses caras conseguiram chegar de uma canção bem humorada...

Real Thing - Uma música pesada, apropriada ao tema da letra: consumo de drogas. Tema, aliás, que estaria em várias canções do segundo disco da banda.

Escrevo amanhã sobre The Real Thing, do Faith no More.

terça-feira, 16 de julho de 2013

10 álbuns de rock - Houses Of The Holy


 
Este não é dos mais badalados discos do Led Zeppelin. Nem entre os fãs, nem entre a crítica. Mas é meu álbum predileto do grupo e registra, acho, um período de insegurança e de indefinição quanto ao rumo que a banda tomaria depois do imenso sucesso comercial do trabalho anterior, Led Zeppelin IV (Four symbols).

Lançado em 1973, Houses Of The Holy é muito lembrado pelo design gráfico da sua capa, feito pelo Hipgnosis.

Faixa a faixa


The Song Remains The Same - Uma típica canção "ledzeppeliniana". Por isso, provavelmente, seu título deve ser uma brincadeira deles com eles mesmos.

The Rain Song - A música que menos gosto no disco. Uma balada romântica que poderia ser mais curta.

Over The Hills And Far Away - Uma cacetada! Perfeita: contenção, técnica e selvageria na mesma canção. Um show de Jimmy Page, desde o violão do início passando pela continuação "plugada".

The Crunge - Uma canção bem esquisita essa. Uma espécie de "rock funkeado" (uma composição preparatória, talvez, para Trampled Under Foot, do disco seguinte). Para mim é a tentativa do Led Zeppelin se aproximar do som dançante que começava a invadir as paradas musicais e que dominaria o final dos anos 1970, com a disco music.

Dancing Days - Faz par com a canção anterior e constata logo no início: "dancing days are here again". Foi regravada - e muito bem, por sinal - pelo Stone Temple Pilots

D'yer Mak'er - Outra tentativa de "dialogar" com o som que despontava na época; nesse caso com o reggae. Talvez a canção mais conhecida desse disco. Ótima para festas. Foi interpretada, de modo bem legal, pela Sheryl Crow - tocando acordeon - num dos acústicos da MTV.

No Quarter - Minha predileta em toda a discografia do Led Zeppelin. Considero uma das melhores canções pop já feitas. E, nessa faixa, é John Paul Jones quem se sobressai, com os teclados (piano e sintetizador). Ah, e tem também a precisão e a força de John Bonham na bateria. A letra, estranha, remetendo à mitologia nórdica, é coisa de somenos.

The Ocean - O Planet Hemp sampleou o riff dessa canção numa música gravada por eles. Se o disco é aberto com uma faixa que não foge das expectativas do fã tradicional do Led Zeppelin, o fechamento também não vai decepcioná-lo. Faixa forte, pesada, pra ouvir no último volume.

Amanhã, Facelift, do Alice in Chains.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

10 álbuns de rock - Paranoid


No último sábado estava no Bar do Dinei por ocasião do Dia Mundial do Rock. Ouvimos alguns discos do gênero, vários pertencentes à minha pequena coleção. Em certo momento, alguns fregueses e eu começamos a jogar conversa fora, falando sobre "os melhores de todos os tempos", etc., etc.... Não sei exatamente os detalhes do papo - naquela noite bebi muita cachaça - mas acordei pela manhã disposto a escrever sobre 10 discos de rock.

Não são aqueles que considero os melhores, embora haja pelo menos dois na minha listinha cujo valor musical e histórico, acho, seria suficiente para figurar num ranking desse tipo. São apenas aqueles que mais ouço, habitualmente. Para se ter uma ideia, incluí um disco do Led Zeppelin, mas não é nem o Led Zeppelin II nem o Physical Graffiti - os preferidos da crítica; e listei um trabalho dos Rolling Stones, mas não é Exile on main street - considerado um marco na carreira da banda.

São apenas os álbuns que mais ouço. E, principalmente, escuto daquele modo mencionado pelo Chico César e já comentado aqui. Relembrando: o compositor e cantor paraibano dissera numa entrevista que, enquanto se está varrendo a casa, é natural ficar ouvindo um bom disco, distraidamente. Por essa razão, não coloquei na lista Highway to hell, do AC/DC, por exemplo, pois costumo ouvi-lo andando de um lado pra outro (me ajuda a pensar em problemas a resolver). Nem aparecerão aqui OK Computer, do Radiohead; The wall, do Pink Floyd; ou Undertow, do Tool. Gosto de ouvir esses e outros álbuns deitado na cama, chapado, atentando para os detalhes de cada faixa.

Pois bem, falarei dos 10 discos de rock  mais tocados no meu CD-player enquanto faço faxina, lavo roupa ou preparo o almoço. E o primeiro deles é Paranoid, do Black Sabbath, lançado em 1970 (e que também já possuí uma cópia em vinil).

Faixa a faixa:


War pigs - Não poderia ter uma faixa de abertura melhor. Canção - como várias do período - cujo tema é a Guerra do Vietnã. Essa música tem as principais características da banda inglesa: crueza nos arranjos e o modo bruto como seus integrantes tocam (embora o guitarrista Tony Iommi tenha "se permitido" algumas sofisticações e firulagens em trabalhos ulteriores do grupo). Já foi regravada pelo Faith no More.

Paranoid -  Como muitos já disseram, a faixa-título é "protopunk". Rápida, curta, na medida. Já foi regravada pelo Megadeth.

Planet caravan - A típica canção "viajandona" dos anos 1960/70. Adoro essa faixa. Foi regravada - surpreendentemente, aliás - pelo Pantera.

Iron man - Para mim, até hoje, o principal hino do heavy metal.

Eletric funeral - A letra dessa canção, apesar de pueril, é uma visão futurista - e pessimista - da humanidade, num mundo de "robot minds of robot slaves".

Hand of doom - Minha faixa preferida. Também tematiza a Guerra do Vietnã. É uma porrada, pra ouvir até sair fumaça pelas orelhas.

Rat salad - Faixa instrumental que soa fora de lugar no disco de uma banda que não primava exatamente pela qualidade técnica de seus membros...

Fairies wear boots - Das músicas mais esquisitas do Black Sabbath. Mas isso não é um defeito.

Na próxima postagem, Houses of the holly, do Led Zeppelin.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

"Um pássaro, batendo as asas e amarrado pelos pés"

No conto A segunda vida *, dois personagens conversam: Monsenhor Romualdo de Sousa Caldas e José Maria. O primeiro não tem dúvida de que o segundo é louco. Em dado momento da narrativa, José Maria diz que sua "segunda vida é assim uma mocidade expansiva e impetuosa, enfreada por uma experiência virtual e tradicional". Pede ao religioso, seu interlocutor, uma comparação que ilustre o modo como vivia. Monsenhor Caldas arrisca: "- Suponho que vive assim como um pássaro, batendo as asas e amarrado pelos pés". O outro concorda e, demonstrando mesmo não estar bem da cachola, levanta-se da cadeira "agitando os braços, à maneira de asas [...] De cada vez que batia os braços nas coxas, levantava os calcanhares, dando ao corpo uma cadência de movimentos, e conservava os pés unidos, para mostrar que os tinha amarrados".

Pode parecer, por essa passagem, que o conto tem a intenção de ser cômico. Pelo contrário, é uma narrativa bem trágica de Machado de Assis.

José Maria diz ao padre que morrera com 68 anos de idade em 1860. Chegando no "outro mundo", teve que cumprir "uma lei eterna" e retornou numa nova vida, renascendo em 1861. Ainda segundo nos conta o personagem, poderia escolher voltar como "príncipe ou condutor de ônibus". José Maria considerava "indiferente nascer mendigo ou potentado [mas] com a condição de nascer experiente".

Monsenhor Caldas está apreensivo em relação ao visitante e "enquanto esperava o auxílio policial [...] desfazia-se em sorrisos e assentimentos de cabeça, espantava-se com ele, alegrava-se com ele, política útil com os loucos, as mulheres e os potentados". Ao mesmo tempo, o religioso fica intrigado com aquela figura que, "no meio do desalinho próprio do estado", fala "em termos polidos" e "apesar dos rompantes mórbidos, tinha maneiras". Só que o outro, além de carregar uma bengala (que pode ter a serventia de uma arma), mostrara um revólver ao padre, indicando ser potencialmente perigoso.

Ao retornar à vida cheio de experiência, José Maria "vivia fugindo de tudo":

"Não podia comer um figo às dentadas, como outrora; o receio do bicho diminuía-lhe o sabor. Não cria nas caras alegres da gente que ia pela rua: preocupações, desejos, ódios, tristezas, outras coisas, iam dissimuladas por umas três quartas partes delas. Vivia a temer um filho cego ou surdo-mudo, ou tuberculoso, ou assassino, etc. Não conseguia dar um jantar que não ficasse triste logo depois da sopa, pela ideia de que uma palavra sua, um gesto da mulher, qualquer falta de serviço podia sugerir o epigrama digestivo, na rua, debaixo de um lampião. A experiência dera-lhe o terror de ser empulhado. Confessava ao padre que, realmente, não tinha até agora lucrado nada; ao contrário, perdera até, porque fora levado ao sangue..."

Deixo o conto de lado nesse ponto - para não revelar o final deste ao(à) eventual leitor(a) que ainda não conheça essa narrativa - e tento explicar por que estou falando disso.

Independentemente de ser ou não um doido varrido, José Maria manifesta, penso eu, um sentimento perante a vida muito similar ao meu: o sofrimento por antecipação diante do caráter vicissitudinário da existência.

Um pássaro em pleno voo pode bem servir como metáfora para a vida de muita gente, sobretudo jovens. No meu caso, entretanto, a sensação que expus no parágrafo anterior provoca desagradáveis efeitos colaterais: pessimismo, inapetência, desconfiança e covardia. Talvez também leve à loucura, como acontece ao personagem de A segunda vida. De qualquer modo, nos dois casos, não se cogita voar pois, por antecipação medrosa e avessa ao risco intrínseco do viver, já assumimos, derrotados, que o bater de asas resultará, inevitavelmente, no malogro.
__________
* ASSIS, Machado de. A segunda vida. In: ____________. 50 contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 271-278 [seleção, introdução e notas de John Gledson]

BG de Hoje

Num disco muito bem produzido (Guitar Heaven: The Greatest Guitar Classics Of All Time) Carlos SANTANA regravou algumas canções ideais para que o guitarrista pudesse "viajar" à vontade. Sua versão de While My Guitar Gently Weeps (cantada por India.Arie e, no CD, com mais a participação do violoncelista Yo-Yo Ma) foi provavelmente a faixa mais tocada desse álbum nas rádios mundo afora.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O sublime e o corriqueiro



Graças a um dos melhores professores de quem já tive a felicidade de ser aluno, Murilo Marcondes de Moura, aproximei-me da poesia de outro Murilo - no caso, o Mendes - sem ficar com o pé atrás. Como se sabe, após a morte do pintor Ismael Nery, seu amigo, o poeta mineiro converte-se de vez ao catolicismo. Seu texto poderia se tornar tão chato quanto o de Jorge de Lima, mas felizmente não foi o que aconteceu. Foi o professor Murilo quem me auxiliou a olhar para a obra do escritor deixando o preconceito religioso de lado.

Falemos agora de um de seus melhores poemas: Jandira* (que pode ser encontrado na íntegra aqui).

O leitor é fisgado desde o verso inicial - "O mundo começava nos seios de Jandira". É um poema fortemente imagético, algo a se esperar de um artista tão tocado pelo surrealismo:

"[...]
 E surgiram sereias da garganta de Jandira:
 O ar inteirinho ficou rodeado de sons
 Mais palpáveis do que pássaros.
 E as antenas das mãos de Jandira
 Captavam objetos animados, inanimados,
 Dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
 E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
 Quando Jandira penteava a cabeleira..."

Ou, de maneira mais sintética:

"[...]
 E sua boca era um disco vermelho
 Tal qual um sol mirim
 [...]"

E por meio da sua "ginofilia extrema" (a expressão é de José Guilherme Merquior), o poeta imprime um erotismo nada velado a seus versos, algo que me surpreendia por imaginá-lo, antes de conhecer mais profundamente sua poesia, um tremendo carola:

"[...]
 Os namorados passavam, cheiravam os seios de Jandira
 E eram precipitados nas delícias do inferno
 [...]"

Ou

"[...]
 E Jandira se casou
 E seu corpo inaugurou uma vida nova,
 Apareceram ritmos que estavam de reserva,
 Combinações de movimento entre as ancas e os seios".

Foi através de uma das aulas dadas pelo professor Murilo Marcondes de Moura que atentei para a pretensão mítica deste poema, revelando uma das características mais singulares desse poeta tão intenso: a "constante incorporação do eterno ao contingente", nas palavras de Manuel Bandeira**.

E repare: Jandira, surgida do caos e engendrando o mundo, quase divina, é a mesma a fazer as famílias tropeçarem nas conversas e um padre esquecer o sinal da cruz durante a missa. Para aumentar o prosaísmo, seu marido morre na epidemia da gripe espanhola... O sublime e o corriqueiro casam-se perfeitamente no texto do poeta: seu surrealismo se manteve "à margem dessa ' maldição ' semiótica, a obscuridade visceral da criação moderna", como notou Merquior.

É pena Murilo Mendes ser lembrado, principalmente nos círculos escolares, apenas por sua História do Brasil (a propósito, um ótimo livro), mas O visionário e A poesia em pânico, por exemplo, são também excelentes.
___________
* MENDES, Murilo. Jandira. In: ________________. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 202-204 [Este poema integra o livro O visionário, publicado pela primeira vez em 1941] OBS: As citações de José Guilherme Merquior incluídas nesta postagem foram extraídas dos texto Notas para uma Muriloscopia, integrante dessa edição das obras completas.

** BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira. In: _____________. Seleta de prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997

BG de Hoje

TIM MAIA, a despeito de seu trabalho como compositor, foi também um grande intérprete. Escolhi Lábios de mel para o BG, mas poderia ter optado por outras do disco Reencontro, de 1979. Esse álbum, comprado por uma de minhas irmãs mais velhas, não saia do toca-discos da nossa antiga casa.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Espaços de guarda. E só.

Peço, por gentileza, a atenção do(a) eventual leitor(a) deste blog ao seguinte excerto:

"Os riscos de uma revolta contra a escola são imprevisíveis, mas não menos horríveis que os riscos de uma revolução que principiasse em qualquer outra grande instituição. A escola ainda não está organizada para a autoproteção tão eficazmente quanto um Estado-nação ou uma grande corporação. A libertação das amarras da escola poderia acontecer sem derramamento de sangue. As represálias dos inspetores escolares e dos seus aliados nas cortes e agências de empregos poderão assumir formas cruéis contra o transgressor individual, especialmente se for pobre, mas serão impotentes contra o surgimento de um movimento de massa".

Essa passagem foi retirada do livro "maldito" Sociedade sem escolas*, de Ivan Illich. Reflexo dos agitados e pretensamente contestadores anos 1960**, Sociedade sem escolas "fez a cabeça" de muita gente nas décadas subsequentes (li-o pela primeira vez por volta de 1996). Era um livro "contra o Sistema", as pessoas diriam na época de seu lançamento. Não suscitou, contudo, grandes modificações nas visões dos pedagogos (por isso coloquei o adjetivo "maldito" entre aspas). Desqualificaram-no por ser frágil, sociologicamente falando, na apresentação de dados que corroborassem seus argumentos***.

Ainda assim, nunca vi alertas que me incomodassem tanto, a respeito da problemátca escolar, a não ser na obra de Pierre Bourdieu (curiosamente, um pensador bastante diferente do autor de Sociedade sem escolas).

O trecho citado acima foi incluído para aproveitar a atmosfera "manifestativa" dos últimos dias, além de servir como demonstração do estilo rascante adotado pelo autor em seus escritos (há uma frase de efeito cunhada por ele da qual nunca me esqueci: "A escalada das escolas é tão destrutiva quanto a escalada armamentista, apenas que menos visível"). Vejamos outro exemplo desse modo verdadeiramente polêmico de se expressar:

"A escola não é, de forma alguma, a única instituição moderna que tem por finalidade primordial bitolar a visão humana da realidade. O secreto currículo da vida familiar, do recrutamento militar, da assistência médica, do assim chamado profissionalismo, ou dos meios de comunicação de massa têm importante papel na manipulação institucional da cosmovisão humana, linguagem e demandas. Mas a escola escraviza mais profunda e sistematicamente, pois unicamente ela está creditada com a função primordial de formar a capacidade crítica e, paradoxalmente, tenta fazê-lo tornando a aprendizagem dos alunos - sobre si mesmos, sobre os outros e sobre a natureza - dependente de um processo pré-empacotado. A escola nos toca tão de perto que ninguém pode esperar ser dela libertado por meio de outra coisa qualquer".

Considero exagerado (e até falso) dizer que "a escola escraviza", mas, por outro lado, quem, sinceramente, acredita que essa instituição consegue "formar a capacidade crítica"? E é assustador como aceitamos, há décadas - naturalmente e sem colocar em dúvida - que a escolarização obrigatória, por si só, é benéfica para a sociedade. E nunca imaginamos alternativas a isso (a esse propósito, gostaria de falar sobre a proposta de Illich denominada "Serviço de consultas a educadores em geral", mas fica para outra oportunidade).

Mais outra passagem, pois diz respeito ao que tento fazer (em vão, aliás) no meu atual emprego:

"O sistema escolar repousa ainda sobre uma segunda grande ilusão, de que a maioria do que se aprende é resultado do ensino [...] Mas a maioria das pessoas adquire a maior parte de seus conhecimentos fora da escola [...] A maior parte da aprendizagem ocorre casualmente e, mesmo, a maior parte da aprendizagem intencional não é resultado de uma instrução programada [...] A fluência na leitura é também, quase sempre, resultado dessas atividades extracurriculares. A maioria das pessoas que lê muito e com prazer crê que aprendeu isso na escola; quando conscientizadas, facilmente abandonam esta ilusão".

Vendo como a escola lida com a leitura, diariamente, não consigo deixar de concordar mais uma vez com Ivan Illich.

. . . . . . .

Venho formando, ao longo dos anos, a convicção de que as escolas são apenas espaços de guarda (Illich diria, no seu estilo, espaços de confinamento) nos quais crianças e jovens são lá colocados para que os adultos - os pais e mães deles -  possam trabalhar (ou fazer outra coisa qualquer). E só.

* ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1973 [tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth]

** Embora o livro só tenha vindo a público no ano de 1970

*** Marcela Cajardo observa que "Illich trabalhou de maneira essencialmente intuitiva, sem referências maiores à experiência acumulada no domínio das teorias socioeducacionais ou de aprendizagem. Sua crítica surgiu e se desenvolveu em um vácuo teórico, o que explica, talvez, o pequeno crédito dado a suas teorias educacionais" [grifo meu] (CAJARDO, Marcela. Ivan Illich. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010. p. 26)

BG de Hoje

Para mim, uma das melhores músicas dos RAMONES: Strength to endure. E, incrivelmente, não é cantada por Joey Ramone e sim por C. J., o baixista que acabava de substituir Dee Dee, membro original da banda.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

O desconforto da razão


"Por outras palavras, é no sentido da complicação filosófica que se desenvolvem verdadeiramente os valores racionalistas [...] A razão não é de forma alguma uma faculdade de simplificação. É uma faculdade que se esclarece enriquecendo-se".
Gaston Bachelard



Dia desses estava lendo o pequeno tratado A filosofia do não*, publicado por Gaston Bachelard em 1940, no qual o autor expõe sua concepção de "filosofia do conhecimento científico como uma filosofia aberta, como a consciência de um espírito que se funda trabalhando sobre o desconhecido, procurando no real aquilo que contradiz conhecimentos anteriores".

Essa forma de filosofar "dispersa" (é Bachelard quem assim a caracteriza, em oposição a uma forma sistemática), apesar de se dizer do não, não é "uma atitude de recusa" e sim "de conciliação". Basicamente, o filósofo francês propõe um modo de analisar "a prodigiosa complexidade do pensamento científico moderno" - sobretudo na Física - sem se amarrar a só um dos polos tradicionais da epistemologia da ciência; como ele próprio escreve, 

"o empirismo precisa ser compreendido; o racionalismo precisa ser aplicado. Um empirismo sem leis claras, sem leis coordenadas, sem leis dedutivas não pode ser pensado nem ensinado; um racionalismo sem provas palpáveis, sem aplicação à realidade imediata não pode convencer plenamente".

Foi, entretanto, uma passagem de importância secundária do tratado que me interessa neste momento.

Começa com a exemplificação dada por Gaston Bachelard daquilo que ele chama "conduta realista". Nós "encontramos naturalmente inúmeros exemplos cada vez mais surpreendentes no nosso tempo em que a máquina mais complicada é governada simplesmente, com um conjunto de conceitos empíricos racionalmente mal concebidos e mal articulados, mas reunidos de uma forma pragmaticamente segura"

Difícil não pensar nos usos que fazemos de diversos aparelhos disponíveis hoje em dia (celular, microcomputadores, etc.) cujo funcionamento interno - e nem me atrevo a falar dos princípios científicos que possibilitaram a existência deles - desconhecemos por completo, não obstante os utilizemos sem maiores problemas. Só que essas "condutas realistas" não se resumem à manipulação de equipamentos. E mesmo os cientistas (e os epistemólogos) não as abandonam. Voltemos ao filósofo francês:

"Estas condutas realistas reinstalam-se porque o teórico racionalista tem necessidade de ser compreendido por simples experimentadores, porque ele quer falar mais depressa regressando consequentemente às origens animistas da linguagem, porque ele não teme o perigo de pensar simplificando, porque na sua vida comum ele é efetivamente realista. De forma que os valores racionais são tardios, efêmeros, raros - precários como todos os valores elevados [...] Também no reino do espírito o joio estraga o trigo, o realismo leva a melhor sobre o racionalismo"


Extraio alguns pontos de tudo o que foi exposto:

a) Vivemos a maior parte do tempo imersos no senso comum (componente do que Bachelard chamaria de realismo ingênuo**). E, acredito, isso até que não é ruim. Se nos detivéssemos para submeter cada gesto, cada ação ao escrutínio racionalista é provável que deixássemos mesmo de agir, ou demoraríamos tanto tempo para tomar a decisão que ela não faria mais sentido na prática.

b) Viver submergido no realismo ingênuo/senso comum é apreender a realidade pelo que esta apresenta de imediato a nossas percepções e julgamentos. Aceitamos os fenômenos e os fatos do mundo sem problematizá-los; afinal, por que seriam problema? Não me refiro aqui aos inconvenientes ou infortúnios que acometem os indivíduos em particular; refiro-me, por exemplo, à aceitação sem questionamentos da organização socioeconômica geral da sociedade***.

c) Por isso o exercício da razão****  - e não apenas ser racionalista - é quase sempre desconfortável. Ele nos faz duvidar ou suspeitar da certeza consoladora proporcionada pela "conduta realista". Lembro a belíssima frase de Deleuze: "A filosofia, a ciência e a arte querem que rasguemos o firmamento e mergulhemos no caos". Mesmo se considerarmos a arte como o empreendimento que menos se apóia na razão, entre os três empreendimentos humanos mencionados, podemos dizer que eles nos desconfortam por fugir das "condutas realistas". E acredito que isso também não é ruim, apesar de só acontecer em pouquíssimos momentos de nossas vidas.

__________
* BACHELARD, Gaston. A filosofia do não. In: ___________. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 1-87 - Coleção Os pensadores [tradução de Joaquim José Moura Ramos]
** Essa extrapolação é minha, pois, no trabalho citado, o filósofo não menciona o termo e nem trata do senso comum.
*** Esse exemplo é apenas para sair dos fenômenos tipicamente investigados pelas ciências naturais, nos quais Bachelard se concentra.
**** Mas Bachelard procura precisar o que está chamando de razão; ao final de A filosofia do não, ele é categórico: "[...] a razão deve obedecer à ciência. A geometria, a física, a aritmética são ciências; a doutrina de uma razão absoluta e imutável é apenas uma filosofia. É uma filosofia caduca".

BG de Hoje

É difícil não relacionar GILBERTO GIL entre os maiores compositores da música brasileira. E o que chama a atenção é sua capacidade de se dar bem em ritmos variados: afoxé, samba, baião, indo até o funk e o rock. E, claro, o reggae. Como é o caso dessa maravilhosa canção - Extra - que ouço, sempre, prazerosamente. Ah, e o vídeo abaixo ainda é iniciado com o solo do ótimo baixista Arthur Maia.