sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O que foi que fiz? Gostaria de saber...


O texto que havia aqui antes partia de uma linda definição de José Paulo Paes sobre o fazer poético. Eu a citei verbatim e depois fiz uma breve análise de um de seus poemas. Deixei dois links na postagem: um para o Jornal de Poesia (que só muito tempo depois vi não ser o link certo) e outro, para o YouTube, contendo a interpretação de Mônica Salmaso para a canção Vingança

Hoje (06/01/2023), fui avisado que a postagem original descumpria as diretrizes da comunidade. Não sei em que sentido; não me foi explicado. É a primeira vez que isso acontece comigo em cerca de 15 anos escrevendo em blogs nesta plataforma, falando principalmente de Literatura. 

Por isso excluí o texto original em sua totalidade (é pena, porque gostava dele).

Enfim, mais um dos muitos dissabores desta tão (errônea e temerosamente) incensada era digital.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Poesia: questão de tudo ou nada? (12)

Quando pensei nesta extensa série de postagens sobre poesia (ver Poesia: questão de tudo ou nada? (1)), um de meus objetivos era "esclarecer qual a concepção de poesia e de fazer poético que mais me interessa e da qual me valho no momento de avaliar escritos e escritores". Pois bem, o modo como José Paulo Paes enxerga seu ofício aproxima-se - e muito - da concepção que valorizo. Por esse motivo, achei melhor hoje - e na próxima atualização - apresentar alguns dos pontos de vista e opiniões desse poeta antes de ir diretamente a seus versos.

Numa autobiografia destinada ao público juvenil (Quem, eu?: um poeta como outro qualquer*), Paes comenta um sonho que teve e no qual se desenha o ambiente familiar de sua infância em Taquaritinga (SP). O sonho serviu de base para um poema ulteriormente publicado (A casa). No entanto, ele faz questão de ressaltar:

"[Os sonhos] às vezes trazem-nos sugestões que são como que embriões de futuros poemas. Mas é a lucidez da técnica e da experiência do poeta - técnica e experiência cuja aquisição exige anos de leitura e de aplicação quase diária ao ofício de escrever - que irá desenvolver as sugestões oníricas em poemas acabados e compreensíveis. Enquanto o sonho é pessoal e só comove ou impressiona quem o sonhou, o poema tem de comover e impressionar, se não todas as pessoas que o leem, pelo menos aquelas cuja sensibilidade foi aprimorada pela leitura regular de poesia".

Há muita coisa importante no excerto acima destacado.

Primeiramente, Paes minimiza a ideia do fazer poético como uma espécie de "arrebatamento", quando o poeta é invadido pela inspiração pura e, praticamente em transe, escreve seu texto. Não nego que isso seja possível e até acontece amiúde; só não acho que os resultados, nessas circunstâncias, sejam interessantes como Literatura. José Paulo Paes defende o exercício da poesia como uma atividade regular e contínua, tanto por parte de quem escreve quanto por parte de quem lê.

Em seguida, ele nunca deixa de considerar a figura do leitor. Não tem a arrogância, nem a falsa autossuficiência daqueles que dizem "escrever apenas para si mesmos".

A esse respeito, gostaria de destacar o trecho de uma entrevista dada por Paes ao também poeta Carlos Felipe Moisés**, na década de 1980 (disponível na íntegra aqui). Falando sobre a tendência contemporânea de uma poesia mais fechada em si mesma, da qual procura se afastar, José Paulo Paes declara: "[...] De modo que eu sempre tive em mente o leitor e procurei, na medida do possível, chegar a um grau, não digo de clareza, mas de acessibilidade que pudesse atrair para a poesia o leitor não-poeta".

Anteriormente, ele já havia dito,  quando indagado: "para quem escrever?", que:

"[...] Qualquer poeta que se preze sempre aspirará a ter como leitor o não-poeta, alguém que ele possa trazer para o mundo da poesia, integrando esse mundo no espaço da vida cotidiana".

Numa época em que todo mundo minimamente interessado em Literatura se acha poeta, mas, estranhamente, pouquíssimos são leitores habituais de poesia, essas declarações são um exemplo de lucidez e integridade artísticas.

* PAES, José Paulo. Quem eu?: um poeta como outro qualquer. São Paulo: Atual, 1996

** Meia palavra inteira. Disponível em <http://www.revista.agulha.nom.br/cfmo01.html> Acesso em 20/01/2012

BG de Hoje

Segundo James Murphy, o faz-tudo do LCD SOUNDSYSTEM, o grupo encerrou as atividades. Uma pena. Exceção ao Prodigy e a alguns trabalhos do Moby, nunca antes tinha ouvido música eletrônica com tanto prazer. Um exemplo:  All I want, uma das minhas preferidas. (link para vídeo)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Poesia: questão de tudo ou nada? (11)



"Não sei palavras dúbias. Meu sermão
Chama ao lobo verdugo e ao cordeiro irmão.


Com duas mãos fraternas, cumplicio
A ilha prometida à proa do navio.


A posse é-me aventura sem sentido.
Só compreendo o pão se dividido.


Não brinco de juiz, não me disfarço em réu.
Aceito meu inferno, mas falo do meu céu".


José Paulo Paes, em Poética (1958)

 
 
Antes de iniciar uma conversa em torno da poesia de José Paulo Paes, gostaria de lamentar aquilo que considero um grave defeito na edição de sua Poesia completa*.

Quando comprei o livro fiquei muito decepcionado por não encontrar nenhum de seus trabalhos voltados para o público infantil. Nem Olha o bicho, nem Poemas para brincar, nem Vejam como eu sei escrever (este último, o meu preferido). Essas e outras obras para crianças não integram a Poesia completa de José Paulo Paes. Então, que "poesia completa" é esta?

Suponho que o motivo para excluir os trabalhos citados deve estar relacionado a um provável preconceito em relação à Literatura Infantil, considerada "coisa menor" ou de valor estético/artístico questionável. Se esse é o caso, é pena. Paes, em minha opinião, escreveu alguns de seus melhores textos pensando justamente num leitor-criança.

. . . . . .

No livro Epigramas, publicado em 1958, podem ser observadas algumas características do fazer poético de José Paulo Paes. O título da publicação, aliás, reforça isso, já que a escrita epigramática - breve, direta, com mordacidade - acompanhará o trabalho desse poeta até o fim de sua vida. Atentemos, por exemplo, no poema que está no início desta postagem e neste outro abaixo, A uns políticos:

"Depois de nós, o dilúvio.
Entrementes, de Javé
Poupada, fulge Sodoma,
Capital de nossa fé.

Mas se a chuva acontecer
(Há tempo de sobra até),
Adeus, que somos marujos
Da equipagem de Noé.

O poeta concatena, no texto anterior, dois quartetos de versos heptassílabos, de ritmo bem simples, valendo-se de episódios bíblicos bastante populares, para criticar as atitudes nada cidadãs de certa "classe profissional" deveras malquista neste país.

A poesia de José Paulo Paes é econômica e sem hermetismos, mesmo nos textos mais surrealistas do primeiro de seus livros (O aluno, publicado em 1947). Essa economia e essa clareza, entretanto, não significam superficialidade. Falo disso na próxima atualização.
___________
* PAES, José Paulo. Poesia completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008

BG de Hoje

Taí uma canção contagiante: The ballad of John and Yoko (THE BEATLES). Ritmo e arranjo instrumental sensacionais. Um refrão que brinca com o lado negativo do fato de ser um popstar (e ainda remete àquela polêmica frase "somos mais famosos - ou populares - do que Jesus Cristo"): "Christ, you know it ain't easy/ you know how hard it can be/The way things are going, they're going to crucify me" (link para o vídeo)

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A fantasia etnográfica das "Viagens de Gulliver" (3)


Um dos livros de que mais gosto em minha modestíssima biblioteca particular é o Dicionário de lugares imaginários*, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi. Não preciso dizer que todos os lugares visitados por Lemuel Gulliver  nas suas famosas Viagens** são verbetes da publicação, com acompanhamento de mapas e ilustrações inclusive (o esquema descritivo da ilha voadora de Laputa é ótimo). Sobre a ilha de Balnibarbi, por exemplo, o Dicionário nos informa que sua pobreza "é responsável, em larga medida, pelos assim chamados projetistas".

Esses projetistas (e seus trabalhos) merecem comentário. Chegaram a Balnibarbi após viverem cinco meses em Laputa (a ilha voadora), área nobre do reino, onde só são valorizadas a astronomia, a matemática teórica e a música. Como relata Gulliver, as pessoas


"[...]voltaram com tinturas superficialíssimas de matemática, mas cheias de espíritos voláteis, adquiridos naquela região aérea: essas pessoas, ao regressarem, principiaram a desagradar-se do governo de todas as coisas do continente, e entraram a projetar a remodelação de todas as artes, ciências, línguas e ofícios".

Os projetistas fundaram academias em todas as cidades importantes do reino, entre elas a capital, Lagado. Só que havia um inconveniente: "nenhum desses projetos atingiu ainda a perfeição; e, neste entretempo, andam os campos todos miseravelmente arruinados, as casas caindo aos pedaços e o povo sem comida e sem roupa".

É clara aqui a crítica de Jonathan Swift ao academicismo deslumbrado, divorciado dos problemas reais.

Em minha opinião, as duas passagens mais engraçadas das Viagens de Gulliver estão nos capítulos V e VI da Parte III, quando se visita a academia de Lagado.

Nessa instituição havia um arquiteto que começava a construir casas pelo teto, justificando "com o exemplo de dois prudentes insetos, a abelha e a aranha"; outro projetista intentava "extrair raios de sol dos pepinos"; um terceiro projeto consistia "em abreviar o discurso, transformando os polissílabos em monossílabos e pondo de parte verbos e particípios; porque, na verdade, todas as coisas imagináveis são apenas substantivos".

A "obsessão escatológica" de Swift, comentada na última postagem, faz-se presente mais uma vez. O "sábio mais antigo da academia", imundo e mau cheiroso, tinha como objetivo

"reconverter o excremento humano nos alimentos originais, separando-lhe as diversas partes, renovando a coloração que recebe da vesícula biliar, extinguindo-lhe o cheiro e retirando-lhe os restos de saliva. Recebia da sociedade uma ração semanal, a saber, um vaso cheio de imundície humana, do tamanho de um barril de Bristol".


No campo da ciência política, a coisa não era muito diferente. Um professor de Lagado desenvolveu um estudo para descobrir conspirações contra o governo:

"Aconselhava aos grandes estadistas que examinassem a dieta de todas as pessoas suspeitas: as suas horas de comer; o lado sobre o qual se deitavam na cama; a mão com que limpavam a bunda; que lhes estudassem acuradamente os excrementos, de cuja cor, cheiro, gosto, consistência, fase digestiva, poderiam deduzir-lhes os pensamentos e desígnios. Porque os homens nunca se mostram mais sérios, reflexivos e compenetrados do que sentados na privada, o que ele próprio verificara depois de reiterados experimentos; pois nessas circunstâncias, quando costumava, apenas por experiência, meditar na melhor maneira de assassinar o rei, as fezes lhe saíam esverdeadas, mas muito diferentes quando só pensava em organizar uma sedição ou pôr fogo na metrópole".

Tinha intenção de discutir o interessantíssimo método de criação e educação de crianças desenvolvido em Lilipute, a visita dos mortos ilustres em Glubbdubdrib, além da severa avaliação dos seres humanos por meio dos "yahoos", feita por  Swift, quando descreve a estadia de Gulliver no País do Houyhnhnms. Mas como o texto muito se alongou, deixo para outra ocasião.

Na próxima postagem, começo a falar dos poemas de José Paulo Paes.

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* MANGUEL, Alberto; GUADALUPI, Gianni. Dicionário de lugares imaginários. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 [tradução de Pedro Maia Soares]


**  SWIFT, Jonathan. Viagens de Gulliver. São Paulo: Abril Cultural, 1979 [tradução de Octavio Mendes Cajado] 

BG de Hoje

RITA LEEZÉLIA DUNCAN foram muito hábeis ao compor a canção Pagu, questionando as imagens - simplistas ou preconceituosas - coladas às mulheres. Ironicamente, entretanto, Adriane Galisteu utilizava essa música na abertura de um de seus malsucedidos e desimportantes programas televisivos. Não entendeu que Pagu não foi feita para mulheres como ela.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A fantasia etnográfica das "Viagens de Gulliver" (2)







"Espero que o leitor benévolo me perdoe o discorrer sobre estes e semelhantes pormenores, os quais, por insignificantes que possam parecer a espíritos rasteiros e vulgares, hão de por certo ajudar um filósofo a dilatar as ideias e a imaginação, e aplicá-las em benefício não só da vida pública senão também da vida privada, o que, aliás, constitui o meu único intento ao apresentar este e outros relatos das minhas viagens pelo mundo; nos quais me preocupei em especial com a verdade, pondo de parte arrebiques de erudição ou de estilo".

O narrador de Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift



Este trecho epigrafado está no último parágrafo do capítulo I, da segunda parte das Viagens de Gulliver* , quando o protagonista (e narrador) está em Brobdingnag. Neste país, todos os habitantes eram gigantescos e Gulliver, pouco maior do que um rato em relação a eles.

O narrador julgou importante apresentar a justificativa acima porque acabara de relatar como convencera sua ama a deixá-lo "fazer mais de uma coisa que ninguém poderia fazer" por ele, ou seja, defecar e urinar. Ao longo do livro, encontrar-se-ão diversos episódios nos quais Gulliver nos conta os meios que obtivera para se "aliviar" (quando estava em Lilipute, por exemplo, dois criados, tão diminutos quanto os outros viventes desse reino, eram especialmente designados para levar em carrinhos de mão a "repulsiva matéria"). Qual a necessidade, do ponto de vista narrativo, de incluir esses detalhes que, em outros trabalhos ficcionais, são quase sempre dispensáveis?

Acredito que há duas funções para essa "obsessão escatológica" de Jonathan Swift. A primeira - menos importante - é criar um efeito cômico, como acontece ao descrever as experiências acadêmicas observadas em Lagado (Parte III). A segunda é dar verossimilhança ao que se narra.

Ora, Gulliver conhece um país cuja população tem estatura reduzidíssima; a seguir, visita outro com pessoas descomunais. Conhece uma ilha que flutua no céu. Vai a uma terra onde os cavalos são racionais e os seres humanos, as bestas. Tanta fantasia junta necessitava de um "lastro" de realidade. E poucas coisas são tão reais e concretas quanto nossas necessidades fisiológicas.

E por falar em fantasia, por que no título desta série de postagens usei a expressão fantasia etnográfica?

A "literatura de viagem" sempre foi um gênero muito popular. Uma de suas características - principalmente após as Grandes Navegações dos séculos XV e XVI - é falar no "exotismo" (do ponto de vista europeu) dos povos encontrados no Novo Mundo. Na segunda metade do século XIX, um outro boom da "literatura de viagem" acontece (e de novo apresentando o lado exótico dos grupos humanos), agora como "efeito colateral" da ação imperialista e neocolonizadora empreendida pela França, Inglaterra, Bélgica, etc. na África e na Ásia.

A etnografia, como técnica, método e elaboração científica, só se consolidaria no século XX, muito em virtude de Argonautas do Pacífico Ocidental, de Bronislaw Malinowski, obra que, na minha opinião, é uma das mais importantes na história das ciências sociais. Contudo, a inspiração é a mesma da "literatura de viagem": aproximar-se de um outro que é culturalmente diferente de um nós. Swift radicaliza essa ideia nas Viagens de Gulliver simplesmente inventando esse outro, da forma mais fantástica possível.

Exemplos dessa invenção e a crítica contida nela serão o assunto da próxima e última postagem da série.
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* SWIFT, Jonathan. Viagens de Gulliver. São Paulo: Abril Cultural, 1979 [tradução de Octavio Mendes Cajado]

BG de Hoje

Morrisey é um letrista fora-de-série. Reparem no belíssimo jogo de aliterações e assonâncias que ele faz em Cemetry gates (canção da época dos SMITHS), utilizando o nome dos escritores John Keats, W. B. Yeats e Oscar Wilde  : "A dreaded sunny day/So I meet you at the cemetry gates/Keats and Yeats are on your side/While Wilde is on mine" (link para o vídeo)
 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A fantasia etnográfica das "Viagens de Gulliver" (1)


Como quase toda sátira literária, o alvo das Viagens de Gulliver, do escritor irlandês Jonathan Swift, era a sociedade de seu tempo, sobretudo no que se refere às práticas políticas dos britânicos no século XVIII. Lançado em 1726, o livro, estranhamente, foi adaptado, em períodos posteriores, para o público infanto-juvenil, talvez em virtude do apelo a este tipo de leitor representado pelos lugares fantasiosos visitados pelo protagonista-narrador.

E é uma obra que se lê com bom ritmo. Em entrevista para a revista Língua Portuguesa* (disponível aqui), o autor da tradução nacional mais recente das Viagens..., Paulo Henriques Britto, afirma que "o estilo de Swift é limpo, direto, clássico no melhor sentido do termo". Ainda não disponho dessa tradução (o trabalho que sempre conheci é o de Octavio Mendes Cajado**), mas, de todo modo, há pontos na entrevista citada acima que gostaria de destacar, pois valem uma breve discussão, para além da especificidade do texto de Jonathan Swift.

Quando perguntado se "o tradutor pode 'adaptar' o original", para não chocar ou ofender as convicções ou suscetibilidades do leitor, já que nas Viagens de Gulliver, por exemplo, há muita escatologia, Paulo Henriques Britto responde: "é absurdo querer expurgar obras antigas porque violam nossa sensibilidade de agora"

E acrescenta:

"O mais terrível nessa atitude, além da ignorância e da total falta de senso histórico que ela revela - como se pode exigir que pessoas de cem, duzentos, mil anos tivessem a nossa sensibilidade? - é o pressuposto que está por trás dela: as pessoas só devem ler o que inspire bons exemplos, expresse ideias consideradas sãs e elevadas pela sensibilidade liberal do século 21. É neovitorianismo. Uma boa formação intelectual e moral exige conhecimento de toda a experiência humana, mesmo em seus aspectos menos nobres [...] Quem se escandaliza com tais coisas pode e deve fugir da literatura: ninguém deve ser obrigado a gostar de nada".

Britto critica a atitude comum hoje em dia - não obstante, problemática - de tentar suavizar traços polêmicos ou desagradáveis de determinados escritores ou, quando isso não é possível, a adoção de formas um tanto puritanas de reprovação sobre estes. Mas, além disso, enaltece uma característica fascinante da Literatura: muito mais do que um passatempo intelectual, a arte literária é também uma forma de conhecimento sobre a existência dos seres humanos. NOTA: recomendo ao(à) leitor(a) a leitura de toda a entrevista publicada. Há opiniões interessantes sobre o ofício de traduzir.

Voltemos, entretanto, à obra de Swift. Em Viagens de Gulliver, como acima foi dito, narram-se situações que não costumam estar associadas à ideia beletrista do escrever. Isso acontece, penso eu, porque mesmo falando de nações e povos imaginários, havia a intenção do autor de incluir "flashes" de realidade em sua narrativa, mantendo um pacto de verossimilhança com o leitor. Essa seria a função da escatologia na obra (sem duplo sentido). Discutirei isso melhor na próxima semana e apresentarei uma justificativa para o título desta nova série de postagens. Até lá!
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* Tradução de gente grande. Língua Portuguesa, São Paulo, Ano 5, n. 65, mar. 2011, p. 10-13 (Editora Segmento) [entrevista concedida a Gabriel Jareta]

**  SWIFT, Jonathan. Viagens de Gulliver. São Paulo: Abril Cultural, 1979 [tradução de Octavio Mendes Cajado]

BG de Hoje

Um dos grandes intelectuais brasileiros, na minha opinião, é NEI LOPES. Escritor e pesquisador, ajuda a compreender melhor elementos da cultura nacional, seja o samba, seja o nosso idioma. Mas ele é mais conhecido por seu trabalho como compositor. Uma das canções dele de que mais gosto é Tempo de Don Don. Letra sensacional, falando do efeito da passagem do tempo sobre a linguagem cotidiana. Infelizmente, não achei no Youtube um vídeo com o Zeca Pagodinho cantando essa música (é muito bom). Abaixo, deixo dois outros, então: com Dudu Nobre interpretando a canção na letra original; e um outro, no qual o mesmo artista, agora acompanhado do próprio Nei Lopes, canta uma versão "upgrade" de Tempo de Don Don. (link para vídeo 1) (link para vídeo 2)