segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Por que assistir Mr. Robot?


Na opinião de muita gente, junto com o novo milênio, inaugurou-se a Era de Ouro das séries de TV. 


Cabe uma digressão.

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No mês passado, disse aqui que as revistas e os jornais impressos foram engolidos pela internet. Pode-se mesmo considerá-los um tipo de mídia ultrapassada, diferentemente, porém, do rádio e dos livros de papel, os quais, se dependesse de alguns apressadinhos (pós)modernosos,  também já estariam condenados à lata de lixo da obsolescência. Mas e quanto à televisão?

Os constantes engarrafamentos do tráfego nas cidades talvez sejam suficientes para demonstrar que o rádio ainda tem seu lugar no mundo da comunicação: grande parte de seus ouvintes está preso no trânsito, indo ou voltando do trabalho. O rádio também é bastante apreciado pelos milhões de indivíduos que moram sozinhos (como este blogueiro); às vezes, sintonizamos em determinada estação apenas para ouvir outra voz humana enquanto preparamos uma refeição, lavamos roupa, etc. Além disso, mesmo nos últimos tempos, quando a programação musical deixou de ser o carro-chefe das emissoras, o rádio sempre funcionou como um repositório de boas dicas e sugestões, um lugar de aprendizado inclusive. As grandes empresas do setor, claro, só reproduzem a hit parade internacional, os artistas jabazeiros e o rebotalho da massificação sonora. Mas persistem redutos interessados na qualidade e, dessa maneira, não estupidificam a audiência (nesses casos, a web é uma benção, pois possibilita iniciativas esplêndidas, como a Rádio Vozes, comandada pela incansável jornalista Patrícia Palumbo).

Os livros de papel, por sua vez, mantêm-se (pelo menos por enquanto) distantes da ameaça de extinção - chegou-se a cogitar que eles seriam rapidamente desbancados por suas versões eletrônicas. Após rápido crescimento, superando inclusive, no valor total das vendas, seus similares tradicionais em 2011, o segmento de e-books, contudo, começou a estagnar a partir de 2015. Livros de papel continuam respondendo pela maior fatia do mercado editorial (por quanto tempo, porém, não se sabe). Isso acontece porque muitos leitores (este blogueiro, inclusive) continuam a preferi-los - por variados motivos, desde o amigável formato e familiar manuseio até um certo apego fetichista e nostálgico. No caso dos livros, entretanto, é forçoso reconhecer que eles não são um produto tão desejado. Mas isso tem muito menos a ver com sua materialidade e mais com o tipo de sociedade imbecilizada na qual vivemos.

A televisão também parecia uma mídia irremediavelmente condenada, uma vez que a web - acessada através de dispositivos móveis, sempre à mão - pode fornecer uma variedade de conteúdos imensamente mais ampla que o cardápio insalubre oferecido em boa parte dos canais (tanto abertos quanto por assinatura) ¹. Talvez como estratégia para responder às baixas audiências, os executivos e produtores deixaram um pouco de lado o investimento no quanto-pior-ou-mais-degradante-melhor - ainda dominante, infelizmente, no modelo broadcast - e procuraram sofisticar os produtos exibidos, seduzindo parcelas de espectadores mais exigentes que evitavam esse veículo. Talvez também seja essa uma das explicações possíveis para o atual boom dos (bons) seriados televisivos. NOTA ²: Embora a Netflix - empresa-chave do entretenimento na atualidade - opere online, por meio de streaming, sem depender de um quadro de horários fixos (como na TV convencional), a indução ao consumo proposta por ela é do tipo televisivo tal como estamos acostumados (até porque muitos de seus clientes assistem os programas de seu catálogo em telas grandes - e não num laptop ou tablet -, pachorrentamente aboletados no sofá, horas e horas a fio, graças aos muitos aparelhos  de TV disponíveis hoje com acesso à internet).

Voltemos agora ao assunto principal da postagem.

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Entre tantas excelentes séries, o(a) eventual leitor(a) provavelmente tem alguma preferida. No caso deste blogueiro, das mais recentes, a minha favorita é, de longe, Mr. Robot.

Exibida nos EUA pela USA Network e no Brasil pelo canal pago Space, Mr. Robot, segundo matéria publicada na revista Rolling Stone em julho deste ano, "came out of nowhere to dazzle the world last summer" ("Mr. Robot apareceu do nada para fascinar o mundo no verão passado")

Sam Esmail, criador da série e diretor de todos os episódios na segunda temporada,  disse, numa entrevista para a mesma publicação, ter tentado vender seu trabalho para as grandes emissoras de TV a cabo, mas ele suspeita que "executives were put off by the show's darkness and interiority (the main character is a mentally unstable, morphine-addicted loner who often cries himself to sleep), along the fact that  - as he heard more than once - 'people on keyboards aren't interesting' " ².

É curioso que os executivos tenham dito que "pessoas num teclado não são interessantes" - afinal, muitos indivíduos nesses tempos digitais não fazem outra coisa a não ser ficar longos períodos teclando e teclando... Mas é realmente surpreendente que alguém tão perturbado como Elliot Alderson, o personagem principal, possa ser tão eletrizante. Falemos sobre isso.

Interpretado brilhantemente pelo ator Rami Malek (que, merecidamente, venceu o Emmy como melhor ator de drama em 2016, além de ser indicado ao Golden Globe de melhor ator em série dramática nos dois últimos anos), Elliot Alderson sofre de depressão, transtorno de ansiedade social (conhecida como fobia social) e transtorno dissociativo de identidade (antigamente chamada de "dupla personalidade"). Na primeira temporada, vemo-lo trabalhando numa empresa de segurança cibernética, mas para nós o que importa é sua extraordinária atuação como hacker. Nos vários episódios de Mr. Robot, sempre ouvimos a voz de Elliot em off, às vezes falando consigo mesmo, noutras com seu alter-ego ou até dirigindo-se diretamente a nós, espectadores. Entre os pontos altos da série estão os monólogos do personagem central. Dois deles já entraram para os melhores momentos da narrativa televisiva em todos os tempos, na minha opinião.

Num destes, logo no primeiro episódio da primeira temporada, Elliot é perguntado (por sua psiquiatra, Krista): "What is it about society that disappoints you so much?" ("O que há com a sociedade que te desaponta tanto?"). A resposta é sublime (embora só os espectadores, e não a terapeuta, ouçam-na):

"Oh I don't know. Is it that we collectively thought Steve Jobs was a great man even when we knew he made billions off the backs of children? Or maybe it's that it feels like all our heroes are counterfeit; the world itself's just one big hoax? Spamming each other with our burning commentary of bullshit masquerading as insight, our social media faking as intimacy. Or is it that we voted for this? Not with our rigged elections, but with our things, our property, our money. I'm not saying anything new. We all know why we do this, not because Hunger Games books make us happy but because we wanna be sedated. Because it's painful not to pretend, because we're cowards. 
Fuck Society." ³
(pode-se encontrar essa cena no Youtube: https://youtu.be/rNfzbPAD8FE)

Noutro, agora no segundo episódio da segunda temporada, Elliot detona com a religião, num desses grupos de ajuda (que não ajudam em nada):

"Is that what God does? He helps? Tell me, why didn’t God help my innocent friend who died for no reason while the guilty ran free? Okay. Fine. Forget the one-offs. How about the countless wars declared in His name? Okay. Fine. Let’s skip the random, meaningless murder for a second, shall we? How about the racist, sexist, phobia soup we’ve all been drowning in because of Him? And I’m not just talking about Jesus. I’m talking about all organized religion. Exclusive groups created to manage control. A dealer getting people hooked on the drug of hope. His followers, nothing but addicts who want their hit of bullshit to keep their dopamine of ignorance. Addicts. Afraid to believe the truth. That there’s no order. There’s no power. That all religions are just metastasizing mind worms, meant to divide us so it’s easier to rule us by the charlatans that wanna run us. All we are to them are paying fanboys of their poorly-written sci-fi franchise. If I don’t listen to my imaginary friend, why the fuck should I listen to yours? People think their worship is some key to happiness. That’s just how He owns you. Even I’m not crazy enough to believe that distortion of reality.


So fuck God. He’s not a good enough scapegoat for me".

(pode-se encontrar também essa cena no Youtube: https://youtu.be/UwDrc2YIRQo)

Há um pouco de inconformismo adolescente na série (meio ingênuo e bobo às vezes, tenho que admitir), mas não é fácil transformar em atração de TV uma história com forte mensagem anarquista e - sob certo ângulo - anticapitalista sem fazer algumas concessões ao público médio. Mr. Robot nos lembra o tempo todo que os grandes inimigos da humanidade não são aliens assustadores, zumbis asquerosos ou supervilões mutantes: neste momento, nosso planeta é ameaçado pelas megacorporações e sua voracidade interminável por lucro e poder. Além disso, a série nos dá uma representação bem realista da ação dos hackers e como somos vulneráveis em nosso uso rotineiro da web. Talvez por isso, o ex-analista da CIA/NSA, Edward Snowden, tenha elogiado a atração.

Todavia, por mais elementos sensacionais contidos na série - da trilha sonora cheia de canções legais aos roteiros inteligentes, dos enquadramentos de câmera incomuns para um programa de televisão às muitas citações cinematográficas empregadas na composição (Clube da Luta, Matrix, V de Vingança, Taxi Driver, entre outros filmes) -, Mr. Robot, mais do que as questões e problemas relacionados com a tecnologia, é brilhante por tematizar um dos grandes males contemporâneos: a solidão. Na matéria da revista Rolling Stone mencionada acima (Mr. Robot: How TV's hit hack drama keeps getting better), o jornalista Rob Sheffield escreve:

"Ultimately, Mr. Robot isn't really a fable about technology — it's about solitude, a drug that can play hideous tricks on the brain. Elliott knows there's a gap between what he thinks and what really exists out there in the world — it is the drama that happens in the no man's land between the two zones. For Elliott, computer code is a language he's mastered to insulate himself from other people, and it served him well up to a point; the question for him is whether he can get beyond that point or whether he's doomed to remain a wounded adolescent, trapped inside his own head forever. All the high-tech splendors of the modern world are just another seductive reason for him to stay home and zone out alone — which is where he gets into trouble. And the reason Mr. Robot hits home is that it's hardly just one guy's problem. There's a little Mr. Robot in everyone".

A misantropia de Elliot Anderson (a ponto de dominar os códigos da linguagem computacional para não ter que interagir com pessoas de carne e osso), sua permanente sensação de não pertencer a lugar nenhum, sua fragilidade emocional, tudo isso faz dele um sujeito facilmente encontrável nos dias atuais. Ele é o (anti) herói que mais combina com nossos tempos.


O blog entra em recesso a partir de hoje e retornará, espero, no dia 02/02/2017. Apesar de não receber retorno algum - neste ano apenas duas pessoas contataram-me por e-mail dispostas a discutir algumas das postagens e nem mesmo meus conhecidos ou familiares acompanham essa joça - o Besta Quadrada é uma das poucas coisas que ainda me dão prazer. Por isso insistirei com ele enquanto for possível. Ao(à) eventual leitor(a), desejo boas festas e um 2017 que seja pelo menos suportável. Ah, antes que me esqueça: FORA TEMER!

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¹ Se as pessoas, em geral, estão fazendo ou não um uso proveitoso do seu acesso à internet já é uma outra discussão...

² [tradução aproximada: "executivos relutaram por causa da escuridão e interioridade do programa (o personagem principal é um solitário viciado em morfina, mentalmente instável, que frequentemente chora até pegar no sono), junto com o fato de que - como ele ouviu mais de uma vez - 'pessoas num teclado não são interessantes' "]

³ [tradução aproximada: "Oh, eu não sei. [Será por que] nós, coletivamente, pensamos que Steve Jobs foi um grande homem quando nós sabemos que ele ganhou bilhões explorando [o trabalho de] crianças? Ou talvez [por que] sente-se como se todos os nossos heróis fossem falsificados; o próprio mundo é apenas uma grande farsa? Entupindo-nos uns aos outros com nossos comentários incendiários de bobagem, mascarando[-os] como introspecção, nossa mídia social passando[-se] por intimidade. Ou [será porque] nós votamos nisso? Não com nossas eleições arranjadas, mas com nossas coisas, nossa propriedade, nosso dinheiro. Não estou dizendo nada novo. Nós todos sabemos porque fazemos isso. Não porque livros como Jogos Vorazes nos fazem felizes, mas porque queremos estar sedados, porque é doloroso não fingir, porque nós somos covardes. Foda-se a sociedade".]

[tradução aproximada: "É isso que Deus faz? Ele ajuda? Diga-me, por que Deus não ajudou meu amigo inocente que morreu sem motivo enquanto o culpado escapou livre? OK. Tudo bem. Esqueça os casos isolados. E quanto as inúmeras guerras declaradas em nome Dele? OK. Tudo bem. Vamos pular o assassinato sem sentido e aleatório por um instante, podemos? Que tal toda a sopa de fobia, racismo e machismo na qual estamos nos afogando por causa Dele? E não estou falando apenas de Jesus. Estou falando sobre toda a religião organizada. Grupos exclusivos criados para manter o controle. Um traficante mantendo as pessoas fisgadas numa droga de esperança. Seus seguidores, nada mais do que viciados que querem sua dose de dopamina da ignorância. Viciados. Com medo de acreditar na verdade. Que não há ordem. Não há poder. Que todas as religiões são apenas vermes espalhando um câncer na mente, destinadas a nos dividir, pois é mais fácil para nos controlar através de charlatães que querem mandar em nós. Tudo o que somos para eles é apenas tietes pagantes da sua franquia de ficção científica mal escrita. Se eu não escuto o meu amigo imaginário, por que deveria escutar a porra do seu? As pessoas pensam que a adoração é alguma chave para a felicidade. Isso é apenas o modo como Ele torna-se seu dono. Mesmo eu não estou tão louco assim para acreditar nessa distorção da realidade. Então, Deus que se foda. Ele não é um bode expiatório bom o suficiente pra mim"]

[tradução aproximada: "Por fim, Mr. Robot não é realmente uma fábula sobre tecnologia - é sobre solidão, uma droga que pode fazer horríveis truques no cérebro. Elliot sabe que há uma distância entre o que ele pensa e o que existe lá fora no mundo - é o drama que acontece na terra de ninguém entre duas zonas. Para Elliot, o código de computador é uma linguagem que ele dominou para isolar-se das outras pessoas, e ela serviu bem a ele até certo ponto: a questão é se ele consegue ir além desse ponto ou se ele está condenado a ser um adolescente ferido, preso dentro da sua própria cabeça para sempre. Todo o esplendor high-tech do mundo moderno é apenas outro motivo para ele ficar em casa, esquecido e só - que é onde ele se encrenca. E o motivo de Mr. Robot causar tanto efeito é que isso dificilmente é problema de apenas um cara. Há um pequeno Mr. Robot em cada um".]

BG de Hoje

Aqui no blog não costumo seguir critérios para escolher os BGs. Boa parte das vezes a canção incluída não tem nada a ver com o que foi escrito na postagem: é só uma música de que gosto muito ou, por acaso, ouvi pela manhã antes de sair pro trabalho, lembrei dela por um motivo qualquer, etc. No caso de hoje, porém, Are you lost in the world like me?, do MOBY, acompanhada dessa animação sensacional do STEVE CUTTS (o blog do desenhista e artista gráfico está entre os recomendados aqui da casa) é perfeita para estar junto a um texto sobre Mr. Robot.
 

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O desaparecimento da esfera pública: lendo A condição humana, de Hannah Arendt (III)


"É da natureza do início que se comece algo novo, algo que não se poderia esperar de coisa alguma que tenha ocorrido antes. Esse caráter de surpreendente impresciência é inerente a todo início e a toda origem. Assim, a origem da vida a partir da matéria inorgânica é uma infinita improbabilidade dos processos inorgânicos, como o é o surgimento da Terra, do ponto de vista dos processos do universo, ou a evolução da vida humana a partir da vida animal. O novo sempre acontece em oposição à esmagadora possibilidade das leis estatísticas e à probabilidade que, para todos os fins práticos e cotidianos, equivale à certeza: assim, o novo sempre aparece na forma de um milagre. O fato de o homem ser capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável"

Hannah Arendt - A condição humana

 
Até agora, nas duas postagens referentes ao livro de Hannah Arendt (disponíveis aqui e aqui), vimos que, a partir da distinção entre trabalho, obra e ação, a autora situa a condição de possibilidade da liberdade na última (os membros das sociedades modernas, todavia, encontram-se quase que inteiramente absorvidos pelo primeiro e conformam-se, na maioria dos casos, apenas com o desfrute dos objetos fabricados graças à segunda). Vimos também que a hipertrofia do trabalho fez com que a vida privada dos indivíduos sobrepujasse o domínio público, tornando-nos menos responsáveis e comprometidos com o mundo comum do qual todos somos parte. Uma vez que os ideais de conforto e saciedade (apenas para mim e para aqueles pertencentes a meu círculo privado, bem entendido) passaram a ser a única meta buscada pelos indivíduos em sociedade, terminei o último texto perguntado-me de onde poderiam vir outros ideais, orientadores de gestos e atitudes não-privativas, relacionados com o bem público e com a política para além de seu sentido ordinário (concebida em sentido mais amplo, a política não se reduz às tecnicalidades da administração estatal ou ao preenchimento de cargos na burocracia governamental através de eleições periódicas, como estamos bovinamente acostumados; a política deveria "inspirar os homens a ousarem o extraordinário", diria a pensadora alemã)

A condição humana não fornece uma resposta direta a esse questionamento, mas indica de quem se poderia esperar a modelagem desses outros ideais: os novos seres humanos a nascer.

Segundo Hannah Arendt ¹, "cada homem é único, de sorte que a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo". Cada indivíduo, ao ingressar na humanidade, procurará, em sua trajetória de vida, responder a pergunta fundamental: quem é você?. Para Arendt,  "essa revelação de quem alguém é está implícita tanto em suas palavras quanto em seus feitos", Nessa procura, os seres humanos agem: colocam-se (inclusive fisicamente, posicionando seus corpos) no espaço público, dão-se a ver, buscam ser reconhecidos como pertencentes e merecedores de ocupar o mesmo domínio comum a todos e, desse modo, possibilitar a formação do espaço-entre - intangível, mas não irreal - da teia das relações humanas. Tais ações, porém (e isso é importantíssimo), pouco significariam se ocorressem na ausência discursiva. Como afirma a filósofa,

"desacompanhada do discurso, a ação perderia não só o seu caráter revelador, como, e pelo mesmo motivo, o seu sujeito, por assim dizer: em lugar de homens que agem teríamos robôs executores a realizar coisas que permaneceriam humanamente incompreensíveis. A ação muda deixaria de ser ação, pois não haveria mais um ator; e o ator, realizador de feitos, só é possível se for, ao mesmo tempo, o pronunciador de palavras. A ação que ele inicia é humanamente revelada pela palavra, e embora seu ato possa ser percebido em seu aparecimento físico bruto, sem acompanhamento verbal, só se torna relevante por meio da palavra na qual ele se identifica como o ator, anuncia o que faz, fez e pretende fazer".

É na esfera pública, no espaço-entre, que os seres humanos vivenciam suas estórias (a autora usa em seu texto o termo inglês story, diferente de history). Para o ator - ou seja, o indivíduo empenhado em determinada ação - a significação completa de seus atos (e, portanto, das estórias em que figura) lhe escapa. O resultado das grandes ações políticas, já dissemos, são imprevisíveis. "A ação só se revela plenamente para o contador da estória [storyteller], ou seja, para o olhar retrospectivo do historiador, que realmente sempre soube melhor o que aconteceu do que os próprios participantes", escreve ela.

Porém, como o significado da ação e do discurso - "as mais altas atividades do domínio público", nas palavras de Arendt - reside em seu "próprio cometimento, e não em sua motivação ou em seu resultado", as sociedades modernas foram progressivamente desistindo da política em favor dos benefícios (materializados, pode-se dizer) provenientes do trabalho e da obra,

"Preocupada desde cedo com produtos tangíveis e lucros demonstráveis, e mais tarde obcecada com o funcionamento suave e com a sociabilidade, a idade moderna não foi a primeira a denunciar a ociosidade da ação e do discurso, em particular, e da política em geral. O exaspero ante a tripla frustração da ação - a imprevisibilidade dos resultados, a irreversibilidade do processo e o anonimato dos autores - é quase tão antigo quanto a história escrita [...] Essa tentativa de substituir a ação pela fabricação é visível em todos os argumentos contra a 'democracia', os quais, por mais consistentes e razoáveis que sejam, sempre se transformam em argumentos contra os elementos essenciais da política".
Se houver alguma maneira de resgatar o valor da politica, é nos seres humanos vindouros que se deve apostar.

Num artigo publicado na revista Filosofia Ciência e Vida ², Vitor Bartoletti Sartori  nos lembra que Hannah Arendt, ao longo de seu livro,

"destaca que vivemos em um mundo em que a todo momento são acrescidas novas possibilidades em virtude do simples fato de novos indivíduos, sem vínculos com o mundo presente, serem trazidos ao convívio social. Nesse sentido, em diálogo com Agostinho de Hipona (354- 430), a autora de A condição humana aponta que, pelo simples fato de diariamente haver nascimentos de indivíduos únicos, existe a possibilidade do advento de algo extraordinário. 
Nesse sentido, eles não devem, assim, se voltar às suas potencialidades mais autênticas no ser-para-a-morte de Martin Heidegger (1889-1976) - devem mirar cada nascimento com admiração única. Se o autor de Ser e tempo enfatiza a finitude da vida e dos indivíduos configurados enquanto uma existência concreta, um ser-aí, que se conforma enquanto ser-no-mundo, a autora alemã [...] liga a vida humana finita ao dom da vida, ao dom de poder trazer à realidade efetiva do mundo um novo ente de características únicas, que poderiam, no limite, dar ensejo à mudança, a algo como um novo começo para a humanidade".

E Sartori acrescenta mais adiante:

"Arendt liga o nascimento ao extraordinário, defendendo que cada nascimento é, em verdade, um grande 'acontecimento' (termo que apropria de Heidegger, diga-se de passagem), ao contrário do que se daria em seu mestre, que liga a autenticidade, com as devidas mediações, à morte, e não ao nascimento".

O(a) eventual leitor(a) talvez se lembre de que, na primeira postagem desta série sobre A condição humana, registrei que há constantes referências a Jesus Cristo no livro da pensadora alemã. Apesar da perspectiva secular assumida pela autora neste trabalho, entende-se, dada a influência do cristianismo na formação das sociedades ocidentais, o porquê das menções à figura basilar dessa religião. E que mito seria mais adequado do que o nascimento de Jesus para ilustrar o quanto a natalidade pode ser extraordinária?

Não se tem garantia alguma de que novos indivíduos serão capazes de estabelecer um domínio público do mundo, significativo e aberto a todos os seres humanos. Para ser sincero, não ponho confiança alguma nisso. A humanidade, entretanto, sempre pode surpreender - para o pior, mas também para o melhor.

Em Entre o passado e o futuro ³, livro publicado antes de A condição humana, Arendt  já escrevera:

"A história, em contraposição com a natureza, é repleta de eventos; aqui, o milagre do acidente e da infinita improbabilidade ocorre com tanta frequência que parece estranho até mesmo falar de milagres. Mas o motivo dessa frequência está simplesmente no fato de que os processos históricos são criados e constantemente interrompidos pela iniciativa humana, pelo initium que é o homem enquanto ser que age. Não é, pois, nem um pouco supersticioso, e até mesmo um aviso de realismo, procurar pelo imprevisível e pelo impredizível, estar preparado para quando vierem e esperar 'milagres' na dimensão da política. E, com quanto mais força penderem os pratos da balança em favor do desastre, mais miraculoso parecerá o ato que resulta na liberdade, pois é o desastre e não a salvação que acontece sempre automaticamente e que parece sempre portanto irresistível. 
Objetivamente, isto é, vendo do lado de fora e sem levar em conta que o homem é um início e um inciador, as possibilidades de que o amanhã seja como o hoje são sempre esmagadoras. Não tão esmagadoras, é verdade, mas quase tanto como as possibilidades de que não surgisse nunca uma Terra dentre as ocorrências cósmicas, de que nenhuma vida se desenvolvesse a partir de processos inorgânicos, e de que não emergisse homem algum da evolução da vida animal. A diferença decisiva entre as 'infinitas improbabilidades' sobre as quais se baseia a realidade de nossa vida terrena e o caráter miraculoso inerente aos eventos que estabelecem a realidade histórica está em que, na dimensão humana, conhecemos o autor dos 'milagres'. São homens que os realizam - homens que, por terem recebido o dúplice dom da liberdade e da ação, podem estabelecer uma realidade que lhes pertence de direito".

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Penso que não seria adequado encerrar esta série sem pelos menos apresentar uma crítica à Hannah Arendt.

Como já havia dito na primeira postagem, a autora alemã ataca vários pontos do pensamento marxista, entre estes a paradoxal ausência de uma reflexão mais aprofundada, na obra de Marx, sobre como se formariam comunidades políticas dentro do comunismo. O ensaísta e crítico literário Marshall Berman, no excepcional livro Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade , faz o seguinte comentário a esse respeito:

"Essa crítica a Marx levanta um autêntico e urgente problema humano. Entretanto, Arendt não obtém resultados melhores que os de Marx na sua tentativa de resolvê-lo. Aqui [n'A condição humana], como em muitos de seus livros, tece uma esplêndida retórica em torno da vida e ação públicas, mas não deixa claro em que consistem essa vida e essa ação - salvo a ideia de que a vida política não inclui as atividades cotidianas das pessoas, seu trabalho e suas relações de produção. (Essas são atribuídas aos 'cuidados domésticos', um âmbito subpolítico, que Arendt considera como desprovido da capacidade de criar valores humanos). Ela nunca esclarece o que homens e mulheres modernos podem partilhar, além de retórica sublime. Arendt tem razão em afirmar que Marx jamais desenvolveu uma teoria da comunidade política e que isso é um problema sério. Porém, a questão é que, dado o impulso niilista do moderno desenvolvimento pessoal e social, não está claro que fronteiras políticas o homem moderno pode criar".

Berman também afirma que o século XX produziu um "desolador achatamento do pensamento social". A análise teórica da vida moderna, segundo ele, dividiu-se em "duas antíteses estéreis": de um lado a " 'modernolatria' " e, do outro, o " 'desespero cultural' " - no qual, junto com Ezra Pound, José Ortega & Gasset, Michel Foucault e Herbert Marcuse (entre outros) estaria Hannah Arendt. Para esses pensadores, "toda a vida moderna parece oca, estéril, rasa, 'unidimensional', vazia de possibilidades humanas: tudo o que se assemelha a liberdade ou beleza é na verdade um engodo, destinado a produzir escravização e horror ainda mais profundos". Não sei se concordo inteiramente com o ensaísta nessa passagem; afinal, consigo perceber traços de esperança em A condição humana - ainda que seja uma esperança lançada para as gerações futuras.

Na próxima semana - última postagem do ano - escreverei sobre a série televisiva Mr. Robot

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¹ ARENDT, Hannah. A condição humana. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013 [Tradução de Roberto Raposo]

² SARTORI, Vitor Bartoletti. Questão de gênero. Filosofia Ciência e Vida, São Paulo, ano VII, n. 94, mai. 2014. p. 15-23

³ ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2011 [Tradução de Mauro W. Barbosa]

BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986 [Tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioruitti]


BG de Hoje

Cruzada - linda, lindíssima canção resultante da parceria entre TAVINHO MOURA e Márcio Borges - foi gravada originalmente, por Beto Guedes, se não me engano. Zizi Possi (uma cantora que eu adoro) também colocou-a num disco seu. Mas nenhuma versão, penso, ficou tão perfeita quanto a do BOCA LIVRE. No vídeo abaixo, o cantor Renato Braz encaixa-se como uma luva na apresentação.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Falou e disse...

"Trabalhos realizados entre nós [da área médica] mostram que as demências são mais prevalentes entre os analfabetos e naqueles com baixa escolaridade. Por estimular diversas áreas cerebrais ao mesmo tempo, a leitura cria conexões mais firmes entre os neurônios dos centros que armazenam as memórias. A relação entre leitura e escolaridade não é direta. No Brasil, não são poucos os que cursaram a universidade, mas fogem dos livros como o diabo da cruz". *

* Observação do cancerologista Drauzio VARELLA, em sua coluna na revista Carta Capital, publicada em 07/12/2016, cujo título é Demência e Intelectualidade 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O desaparecimento da esfera pública: lendo A condição humana, de Hannah Arendt (II)


"O que torna a sociedade de massas tão difícil de ser suportada não é o número de pessoas envolvido, ou ao menos não fundamentalmente, mas o fato de que o mundo entre elas perdeu seu poder de congregá-las, relacioná-las e separá-las. A estranheza de tal situação assemelha-se a uma sessão espírita na qual determinado número de pessoas, reunidas em torno de uma mesa, vissem subitamente, por algum truque mágico, desaparecer a mesa entre elas, de sorte que duas pessoas sentadas em frente uma à outra já não estariam separadas, mas tampouco teriam qualquer relação entre si por meio de algo tangível".


Hannah Arendt - A condição humana



A professora Maria Cristina Müller, da Universidade Estadual de Londrina, numa entrevista publicada em abril de 2013 na revista Filosofia Ciência e Vida*, considera que

"As sociedades deixam de ser livres quando esquecem que a diversidade de opiniões e de pontos de vista representa uma das garantias da existência do próprio domínio político do mundo; qualquer tentativa de uniformização e de eliminação da dimensão da pluralidade pode levar à fatal perda da liberdade e à consequente dominação. Considero, portanto, a maior contribuição de Hannah Arendt à Política contemporânea o resgate do sentido da política para um mundo que desacreditou da própria capacidade humana de um mundo comum e da Política".

Em ordem cronológica de publicação, A condição humana é posterior As origens do totalitarismo, trabalho no qual Hannah Arendt se perguntava como foi possível a implementação de regimes tão iníquos quanto o nazismo e o stalinismo. Embora A condição humana tenha sua motivação própria, não seria descabido dizer que as reflexões ali apresentadas funcionam também como uma advertência para tentarmos não seguir os rumos que nos conduziram aos terríveis eventos tratados em As origens do totalitarismo. Como observou Maria Cristina Müller na passagem acima, a pluralidade inerente à condição humana, caracterizada pela diversidade de opiniões e de pontos de vista, é essencial para o exercício da liberdade. O nazismo e o stalinismo, além das atrocidades cometidas, visaram a uniformização da opinião e impediram a espontaneidade própria da ação política. Como experiências que marcaram profundamente o século XX - e com adeptos fanáticos ainda no século XXI - , esses regimes totalitários encontraram no descrédito e no esvaziamento da política o ambiente propício para se disseminar. A condição humana leva-nos a pensar no valor das coisas que deveriam dizer respeito a todos nós, o espaço público que deveríamos construir (tendo em conta a pluralidade), o domínio político do mundo ao qual deveríamos acorrer.

Na mesma entrevista, a professora da Universidade Estadual de Londrina assevera que

"A importância do domínio público se apresenta por ser o espaço mundano do aparecimento dos homens, o espaço onde a espontaneidade é possível e onde a Política - o espaço entre-os-homens - floresce. Portanto, Política e liberdade se identificam. A pluralidade humana faz com que os indivíduos sintam-se pertencentes à humanidade, coadjuvantes no mundo do qual também fazem parte. A pluralidade não permite que a solidão domine e destrua a capacidade humana de sentir-se pertencente a um mundo que agrega singularidade e pluralidade. Talvez seja isso que concede a cada indivíduo a responsabilidade para com o outro e para com o mundo".

É no domínio público que os seres humanos podem realmente aparecer, no sentido fenomenológico; podem ser percebidos, vistos e ouvidos por outros sujeitos dotados de consciência. Só no domínio público, no espaço entre-os-homens, podemos nos sentir pertencentes a algo mais relevante do que a trivialidade de nossas vidinhas domésticas e mais significativo do que a frivolidade de nossas ambições particulares. Quando conseguimos construir esse espaço entre-os-homens (e não é fácil), quando conseguimos vislumbrar um mundo comum do qual fazemos parte e pelo qual somos, sob variados aspectos, responsáveis, a Política (em seu sentido maior) e a liberdade podem ter lugar.

Na postagem anterior, entretanto, escrevera que os seres humanos hoje não parecem interessados na construção de um mundo comum e me perguntei como isso aconteceu. Há algo que possamos fazer a respeito?

Antes, porém, um pouco de ficção científica.

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A Netflix, no dia 25 de novembro, lançou a série brasileira 3%. No futuro ali imaginado, o país se divide entre o Continente (onde vivem os milhões e milhões de pobres e miseráveis) e o Mar Alto (lar dos endinheirados). A porcentagem do título refere-se àqueles que, através de uma competição brutal, conseguem sair do Continente e alcançar o Mar Alto. Ainda não tive oportunidade de assistir ao programa.

Essa história me lembra o filme norte-americano Elysium (direção de Neill Bloomkamp, 2013), cujo elenco, aliás, conta com atores brasileiros (Alice Braga e Wagner Moura). Também uma distopia futurística (a narrativa se passa no ano de 2159), Elysium apresenta-nos um habitat bastante confortável, construído por e para os ricaços, localizado na órbita de nosso planeta, com tudo o que de melhor a tecnologia avançada pode oferecer. Enquanto isso, na Terra, permanecem os bilhões de "não-privilegiados", comendo o pão que o diabo amassou. Como havia gostado muito de Distrito 9 - outro trabalho (muito bom, por sinal) do diretor sul-africano Neill Bloomkamp -, esperava um pouco mais de Elysium. Embora não tenha ficado plenamente satisfeito, é um filme acima da média.

Presente nos dois mundos do futuro retratados ficcionalmente, tanto em 3% quanto em Elysium, o abismo de desigualdade socioeconômica não é algo estranho para nós, habitantes do mundo real do presente.
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Pensemos, por exemplo, no que impulsionou protestos como o Occupy Wall Street (#OWS). Nascido no Zuccotti Park, em Manhattan (NY), o movimento ramificou-se noutras partes do planeta, opondo-se, sobretudo, à influência e ao poder desproporcional das corporações empresariais (o que enfraquece a autoridade do Estado e a soberania dos governos), ao compromisso apenas com os lucros, demonstrado pelos investidores no mercado financeiro e pelo setor bancário, além de denunciar a (cada vez mais gritante) desigualdade econômica e social. Quanto a este último ponto, basta saber que a riqueza detida pelos 62 bilionários mais ricos da Terra equivale a tudo o que possui a metade mais pobre da população mundial para admitir que esses manifestantes não estão vendo chifre em cabeça de cavalo.

A abissal fratura entre a riqueza e a pobreza globais (tema, convém ressaltar, nem mesmo mencionado de passagem em A condição humana) revela-nos que as tentativas de atingir um entendimento mínimo, comunal, sobre como conduzirmos esse planeta (pelo menos para que ele não se deteriore de vez e se torne inabitável) talvez nunca ultrapassem a dimensão da utopia e cheguem ao plano da realidade. Acrescido a tudo isso, testemunhamos a hipertrofia da esfera privada da existência, ao mesmo tempo em que constatamos o amesquinhamento  do domínio público, comprometendo ainda mais o valor da ação política. Sobre este último ponto, Hannah Arendt tem muito a dizer.

Peço a atenção (e a paciência) do(a) eventual leitor(a) para o seguinte excerto de A condição humana. É longo, mas julgo-o importante para nossa discussão posterior:

"A verdade bastante incômoda de tudo isso é que o triunfo do mundo moderno sobre a necessidade se deve à emancipação do trabalho, isto é, ao fato de que o animal laborans foi admitido no domínio público; e, no entanto, enquanto o animal laborans continuar de posse dele, não poderá existir um verdadeiro domínio público, mas apenas atividades privadas exibidas à luz do dia. O resultado é aquilo que eufemisticamente é chamado de cultura de massas; e o seu arraigado problema é uma infelicidade universal, devida, de um lado, ao problemático equilíbrio entre o trabalho e o consumo e, de outro, à persistente demanda do animal laborans de obtenção de uma felicidade que só pode ser alcançada quando os processos vitais de exaustão e de regeneração, de dor e de alijamento da dor, atingem um perfeito equilíbrio. A universal demanda de felicidade e a infelicidade extensamente disseminada em nossa sociedade (e que são apenas os dois lados da mesma moeda) são alguns dos mais persuasivos sintomas de que já começamos a viver em uma sociedade de trabalho que não tem suficiente trabalho para mantê-la contente. Pois somente o animal laborans, e não o artífice e nem o homem de ação, sempre demandou ser 'feliz' ou pensou que homens mortais pudessem ser felizes.
[...]
Quanto mais fácil se tornar a vida em sociedade de consumidores ou trabalhadores, mais difícil será preservar a consciência das exigências da necessidade que a compele, mesmo quando a dor e o esforço, as manifestações externas da necessidade, são quase imperceptíveis. O perigo é que tal sociedade, deslumbrada pela abundância de sua crescente fertilidade e presa ao suave funcionamento do processo interminável, já não seria capaz de reconhecer a sua própria futilidade - a futilidade de uma vida que 'não se fixa nem se realiza em assunto algum que seja permanente, que continue a existir depois de terminado [seu] trabalho' ".

Tenhamos em mente que a filósofa escreveu isso na década de 1950, pensando no modelo de organização social existente na Europa ocidental e nos EUA (para onde imigrou antes do início da 2ª Guerra Mundial). Ainda assim, considero válidas suas reflexões pois, mesmo em países situados na periferia do capitalismo, como o Brasil, nota-se, ainda que não em todo o conjunto da população, essa ausência de percepção da dor e do esforço dentro da necessidade que caracteriza o trabalho contemporâneo, bem como avistam-se alguns traços dessa "abundância" e do "suave funcionamento" mencionados por Arendt.

O termo em latim (animal laborans) usado pela autora não é gratuito. Contraposto a outra expressão latina - homo faber, com a qual ela designa o lado humano envolvido com a obra e o artifício necessários para a fabricação dos objetos de nosso mundo -, animal laborans representa todos nós, submersos no (e reduzidos ao) ciclo do trabalho. Não podemos abrir mão dele (morreríamos); muitas das decisões - vitais - que tomamos são baseadas nele (inclusive porque grande parte destas depende do alcance da renda proporcionada por ele). Queremos a "felicidade". Como não a encontramos no espaço público (não é esse o seu propósito), terreno agonístico da política, tentamos alcançá-la voltando-nos cada vez mais para a "segurança" de nossa intimidade, protegendo-nos nas pequenas alegrias domésticas e familiares, alimentadas pelo consumo de coisas, produtos e serviços, com o que pensamos estar melhorando nossa "qualidade de vida" (e, no atual contexto digital, em que, equivocadamente, penso eu, acreditamos haver mais interconexão entre os indivíduos, fazemos questão de esfregar na cara do outro o quanto estamos "seguros" e "felizes", postando milhares e milhares de fotos de nossa vida privada nas ditas redes sociais). Quanto ao mundo exterior, o mundo comunal sobre o qual deveríamos demonstrar alguma responsabilidade, não é da nossa conta! Que se exploda!

É claro que nós, humanos, necessitamos de um território nosso, um refúgio do mundo público, até mesmo para que o ciclo metabólico exigido pelo trabalho possa ocorrer em paz e nossa participação política seja potencializada. Entretanto, hoje contentamo-nos apenas com a satisfação imediata decorrente das "recompensas" do trabalho. Como bem observou o professor Adriano Correia, da Universidade Federal de Goiás,***,

"Não há espaço para a política onde não há uma dimensão de grandeza que transcenda o mero estar vivo e os deleites que ele envolve, onde a liberdade não se sobreponha à saciedade. Os ideais de abundância de vida confortável e da saciedade se afirmaram em face de todos os outros na modernidade. Com a vitória do animal laborans, é a existência do próprio mundo, como obra do homem, que está em questão, sob a permanente ameaça de ser tragado pelos processos mobilizados para a satisfação das necessidades, sempre pululantes e fonte de intensa experiência prazerosa do mero estar vivo".

Estamos, urgentemente, precisando forjar novos ideais. Mas de onde viriam eles?

Encerro esta série de textos sobre A condição humana na próxima segunda-feira.
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* Arendt extraordinária. Filosofia Ciência e Vida, São Paulo, ano VI, n. 81, abr. 2013. p. 5-13

** ARENDT, Hannah. A condição humana. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013 [Tradução de Roberto Barroso]

*** O professor Adriano Correia realizou a revisão técnica de A condição humana acima referenciada. É dele também a Apresentação do livro: provém desta a observação citada na postagem.

BG de Hoje

A banda 4 NON BLONDES teve (com o perdão do clichê) uma carreira meteórica. Seu primeiro - e único - disco, Bigger, Better, Faster, More! (1992), vendeu horrores, puxado, claro, pelo hipermegahit What's Up. A vocalista, líder e principal compositora do grupo, Linda Perry, partiu para um trabalho solo, não muito bem sucedido, infelizmente (sua carreira como compositora e produtora musical, no entanto, decolou). Seu modo de cantar, unindo entusiasmo, vigor e uma dose de ironia, me lembra muito a falecida (e saudosa) cantora brasileira Cássia Eller. Comprei Bigger, Better, Faster, More! na época do lançamento. Tem muita coisa boa ali (acabei perdendo o vinil numa dessas malditas festas avacalhadas da minha juventude e, até hoje, não achei a versão em CD para comprar). Outra canção daquele álbum que fez um relativo sucesso radiofônico foi a belíssima Spaceman. Caso o(a) eventual leitor(a) tenha lido o prólogo de A condição humana irá perceber que o tema da ida ao espaço sideral, como modo de fugir da Terra e seus problemas, está presente, tanto neste trecho do livro de Hannah Arendt quanto na letra de Spaceman. E eu, que não sonho em viajar pelo universo, também me pergunto, agora já sem esperança: "Is there a better life for me?"

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O desaparecimento da esfera pública: lendo A condição humana, de Hannah Arendt (I)


"Nas condições de um mundo comum, a realidade não é garantida primordialmente pela 'natureza comum' de todos os homens que o constituem, mas antes pelo fato de que, a despeito de diferenças de posição e da resultante variedade de perspectivas, todos estão sempre interessados no mesmo objeto. Quando já não se pode discernir a mesma identidade do objeto, nenhuma natureza comum, e muito menos o conformismo artificial de uma sociedade de massas, pode evitar a destruição do mundo comum, que é geralmente precedida pela destruição de muitos aspectos nos quais ele se apresenta à pluralidade humana".

Hannah Arendt - A condição humana



Reservadas as peculiaridades de cada categoria de indivíduos a ser mencionada adiante, pode-se dizer que há um traço partilhado pelos empedernidos proprietários de armas nos EUA e os defensores do projeto "Escola sem Partido" aqui no Brasil, bem como pelos negacionistas da mudança climática provocada pela atividade humana e os grandes investidores (melhor seria dizer especuladores/apostadores) dos mercados financeiros mundiais: todos estão se lixando para o restante do mundo, desde que o seu "modo de vida"  e seus "valores" estejam (ou pelo menos pareçam estar) assegurados.

Antevejo a objeção do(a) eventual leitor(a). E tem razão. Um grande número de pessoas neste planeta - e, sejamos sinceros, não só os tipos dos quais falei no parágrafo anterior - quer mais que os outros se fodam. Contudo, boa parte delas não está alistada em entidades organizadas nem promovendo lobbies explícitos junto aos órgãos governamentais para fazer valer a sua agenda no domínio público, atraindo corações e mentes para suas "causas" e tentando, por variados meios, suprimir o debate e as vozes discordantes, como o fazem os acima indigitados.*

Essas observações iniciais do blogueiro  - um tanto descosidas, admito - têm, apesar de tudo, relação com alguns pontos levantados por Hannah Arendt em A condição humana**, um dos mais importantes tratados de filosofia do século XX.

Publicado pela primeira vez em 1958, o livro da pensadora alemã procura compreender as três instâncias de que se compõe a vida ativa humana - o trabalho, a obra (fabricação) e a ação. Mas não "só" isso. Para realizar sua tarefa, Arendt faz um percurso analítico-crítico destacando todos os filósofos-chaves para a história do pensamento político no Ocidente, começando pela Antiguidade grega, com Platão e Aristóteles, passando por Agostinho de Hipona (ou Santo Agostinho, como queiram), Tomás de Aquino (ou São Tomás de Aquino, se fazem questão), Maquiavel, Locke, Hobbes, Montesquieu (só um tiquinho), além de Rousseau e Marx (a quem a autora dirige um longo e respeitoso ataque). Como o livro vai muito além da teoria política, há pontos sensacionais a respeito de Descartes, Kant, Hegel, Nietzsche - além de desferir um golpe certeiro no utilitarismo de Jeremy Bentham.

Apesar da perspectiva secular assumida pela filósofa, Jesus é mencionado largamente no livro, dado o peso gigantesco do cristianismo na cultura ocidental. A condição humana, em seu último capítulo, ainda traz um sóbrio e válido exame da ciência e da visão cientificista (muitas vezes, surpreendentemente simplista) associada a esse empreendimento humano que, não obstante sua centralidade e importância no atual estágio histórico (e Hannah Arendt não o nega, claro), deve e precisa ser criticado, sobretudo filosoficamente. NOTA: Bem diferente, em qualidade, do que se encontra no livro A barbárie, de Michel Henry, discutido recentemente no Besta Quadrada aqui (e mais aqui). Como se não bastasse tudo o que já mencionei, Hannah Arendt faz preciosas (ainda que breves) observações sobre estética, arte e poesia.

Não será simples "traduzir" um trabalho tão importante quanto A condição humana para a linguagem mais direta, habitualmente adotada neste blog. Todavia, desejo imensamente fazê-lo, sobretudo num momento em que a política encontra-se tão desacreditada e vista com aversão no Brasil e em várias outras partes do mundo.

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De acordo com John  Lechte***, "dois temas em particular estão presentes na obra de Arendt em um nível quase obsessivo: os da liberdade e da necessidade, e a relação da exceção com a norma". Percebe-se essa "obsessão" em A condição humana no modo como a autora identifica  e discute o apagamento gradual do domínio público (território da ação e polo da liberdade, na concepção de Hannah Arendt), acompanhado, por sua vez, de uma quase onipresença do trabalho (polo da necessidade) nos assuntos humanos. A ação, no seu mais profundo significado político, é muitas vezes imprevisível e extraordinária - portanto, estabelece exceções, provocando a revisão ou o questionamento das normas. Esse é um dos motivos pelos quais a política (umbilicalmente ligada à ação) é tão desprezada. Convém compreendermos melhor o que é a ação, de acordo com essa pensadora.

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A distinção entre trabalho, obra e ação proposta por Hannah Arendt foi bastante inovadora, mas, de forma simplificada, pode-se afirmar, de acordo com a filósofa, que o trabalho diz respeito às atividades ligadas (fisiologicamente, inclusive) à sobrevivência da espécie humana. É indispensável, pois, sem ele, morreríamos. O trabalho, contudo, não perdura no tempo; esgota-se enquanto é realizado (daí a intensa relação deste com sua outra metade, o consumo). A obra, por outro lado, deixa atrás de si objetos que, por sua materialidade e durabilidade, constituem as coisas que, concomitante à natureza, formam o mundo tal como os seres humanos o reconhecem. O trabalho e a obra, porém, prescindem da pluralidade humana; ocorrem, de maneira geral, privada ou isoladamente. A ação, por sua vez, só se dá entre os seres humanos, pois ela só se justifica no discurso, no uso da palavra.

"A ação" - escreve Arendt - "seria um luxo desnecessário, uma caprichosa interferência nas leis gerais do comportamento, se os homens fossem repetições interminavelmente reproduzíveis do mesmo modelo, cuja natureza ou essência fosse a mesma para todos e tão previsível quanto a natureza ou essência de qualquer outra coisa. A pluralidade é a condição da ação humana porque somos todos iguais, isto é, humanos, de um modo tal que ninguém é jamais igual a qualquer outro que viveu, vive ou viverá".

Como se pode perceber, a autora nega completamente a noção de que possa existir algo como uma "natureza humana" essencialmente dada e válida para todos os indivíduos (como fora praxe entre os vários clássicos da filosofia política). Por vivermos na pluralidade - de interesses, de subjetividades, de inclinações afetivas - , de que outro modo poderíamos tentar nos entender senão por meio da palavra? Enquanto enclausurado na esfera do trabalho, "o homem não está junto ao mundo nem convive com os outros, mas está sozinho com seu corpo ante a pura necessidade de manter-se vivo". Circunscritos somente à esfera da obra, estaríamos vivendo num "modo apolítico de vida" (embora não antipolítico), pois os objetos da fabricação nos seriam suficientes. Em última análise, é a ação que nos tornaria plenamente humanos, nas várias acepções da palavra. Hannah Arendt observa que


"Os homens podem perfeitamente viver sem trabalhar, obrigando outros a trabalharem para eles; e podem muito bem decidir simplesmente usar e fruir do mundo das coisas sem lhe acrescentar um só objeto útil; a vida de um explorador ou senhor de escravos e a vida de um parasita podem ser injustas, mas certamente são humanas. Por outro lado, uma vida sem discurso e sem ação [...] é literalmente morta para o mundo; deixa de ser uma vida humana, uma vez que já não é vivida entre os homens".

A ação deixou de ter importância porque não parecemos estar interessados em construir e manter um mundo comum, onde a palavra seja relevante. De que modo isso acontece? E o que se pode fazer a respeito?

Prossigo na semana que vem
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* E como se isso tudo já não fosse suficiente, o mundo ainda precisa lidar com o terrorismo multifacetado, de variada origem, outra maneira de tentar fazer prevalecer determinado "modo de vida" e determinado conjunto de "valores", empregando, nesse caso, a violência pura e simples.

** ARENDT, Hannah. A condição humana. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013 [Tradução de Roberto Barroso]

*** LECHTE, John. 50 pensadores contemporâneos essenciais: do estruturalismo à pós-modernidade. 4 ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2006 [Tradução de Fábio Fernandes]


BG de Hoje

Chrissie Hynde continua na ativa. Já são quatro décadas na estrada. Embora só ela permaneça como integrante da formação original dos PRETENDERS, é ótimo saber que a banda segue gravando (o último disco tem produção de Dan Auerbach, do Black Keys) e excursionando. O estilo low-profile de Chrissie Hynde, sempre evitando ser tratada como rock star, é um alento em meio a tanta badalação vazia provocada pelo atual culto às celebridades. No BG, um dos maiores hits dos Pretenders, Back On The Chain Gang (que tem uma linha de baixo muito legal).


quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A penúria do jornalismo atual (e a grana que também me falta)


O jornal britânico The Guardian tem acrescentado, ao final de algumas matérias nas suas edições da web, o seguinte recado ao leitor:


"Since you're here...

... we have a small favour to ask. More people are reading The Guardian than ever but far fewer are paying for it. And advertising revenues across the media are falling fast. So you can see why we need to ask for your help. The Guardian's independent, investigative journalism takes a lot of time, money and hard work to produce. But we do it because we believe our perspective matters - because it might well be your perspective, too.

Fund our journalism and together we can keep the world informed. *

* [tradução aproximada: "Já que você está aqui... nós temos um pequeno favor para pedir. Mais pessoas estão lendo o Guardian do que nunca, mas pouquíssimas estão pagando por isso. E as receitas com anúncios através da mídia estão caindo rápido. Assim você pode ver por que precisamos pedir ajuda. O jornalismo independente e investigativo do Guardian leva muito tempo, dinheiro e trabalho duro para produzir. Mas nós o fazemos porque acreditamos que nossa perspectiva importa - porque ela bem pode ser a sua perspectiva também. Financie o nosso jornalismo e juntos podemos manter o mundo informado".]

Sendo sincero, senti um pouco de vergonha de mim mesmo na primeira vez em que vi esse recado - e experimentei a mesma sensação todas as vezes seguintes em que topei com ele. The Guardian foi fundado em 1821 (portanto, está perto de completar 200 anos em atividade!). É um dos mais tradicionais veículos da imprensa europeia, respeitado mundialmente. Entretanto, todo o seu prestígio e qualidade, ao que parece, são insuficientes para manter-se no negócio.

Revistas e jornais impressos foram diretamente impactados pela internet. Alguns títulos não mais circulam em papel, sobrevivendo apenas na versão online; outros simplesmente deixaram de existir. Os exemplares foram ficando mais magros e várias páginas são ocupadas exclusivamente por campanhas publicitárias, demonstrando que as redações atualmente têm menos importância do que os departamentos comerciais. As vendas avulsas são ínfimas e os assinantes, cada vez mais raros (quem você conhece  que ainda recebe em casa Istoé ou O Globo, por exemplo? Chega a ser constrangedor o número de e-mais do tipo mala-direta enviados pela editora Abril me pedindo para voltar a comprar seus produtos, dos quais hoje quero distância). Como esses empreendimentos se sustentarão? Essa não é uma questão menor  porque, a despeito da venalidade e do mau-caratismo de determinadas empresas, a imprensa, institucionalmente falando, é elemento vital para a democracia.

O atual estágio tecnológico faculta ao indivíduo não pagar pelo ganha-pão de muitos profissionais, por exemplo, no campo da arte e do entretenimento - de fotógrafos(as) a figurinistas, passando por artistas gráficos, tradutores(as), revisores(as), roteiristas, atores e atrizes, compositores(as), cantores(as), musicistas, escritores(as), cinegrafistas, iluminadores **. Começamos também a nos "acostumar" a pensar o trabalho dos(as) jornalistas como algo que não envolve custos ou remuneração. E não há sinais, pelo menos no curto prazo, de mudança nesse cenário. Para não fecharem as portas, restam aos veículos jornalísticos poucas alternativas. Uma delas, perfeitamente aceitável e nobre, é contar com a contribuição financeira daqueles leitores dispostos (e sensibilizados) a ponto de ajudar. Mas isso não é nada, nada simples.

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Uma das grandes armadilhas do capitalismo é convencer as pessoas de que todos podem ter seu lugar ao sol. Basta perseverança e trabalho duro. Não é preciso ser um perito em economia para não levar isso muito a sério. A tendência atual é de maior concentração de renda na mão de poucos, gerando mais desigualdade, sem diminuir a pobreza global, não importando a carga individual de cada trabalhador. Completando esse quadro desolador, salários estão sendo vaporizados numa velocidade impressionante, esvaziados de poder aquisitivo, comprometidos pelo endividamento.

Captar dinheiro para determinadas atividades ficou muito difícil; há menos dinheiro disponível para as pessoas comuns. Isso explica a disseminação do crowdfunding, prática adotada para financiar uma variedade de projetos: construção de abrigos para refugiados, espetáculos artísticos, viagens de atletas em competição, produção de filmes, gravação de discos, publicação de livros... E também a realização de reportagens investigativas - no Brasil, o Diário do Centro do Mundo tem adotado essa estratégia.

Pode-se também simplesmente pedir doações. É o que sempre fizeram várias entidades de alcance mundial.

O problema é que muitas pessoas sabedoras da importância de contribuir com essas ações e projetos não o fazem. E não porque não queiram, mas porque estão elas cada vez mais sem ter de onde tirar.

Há cinco meses deixei de doar para a Unicef (e olha que se trata apenas de R$40,00 mensais). Nas últimas eleições municipais não ajudei sequer com um real a campanha do PSOL e não paguei minha mensalidade sindical várias vezes em 2016. Meu salário - única fonte de renda de que disponho - está achatado há pelo menos quatro anos, sem qualquer ganho real em relação à inflação. Não há qualquer indicativo de melhora; vem aí a PEC 55 (ex-PEC 241) que congelará os investimentos em educação durante 20 anos, com impacto direto na remuneração dos servidores públicos do setor em todo o país (caso deste blogueiro), graças ao efeito cascata esperado nos estados e municípios. Por mais que queira colaborar, não tenho dinheiro pra isso.

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Meu pessimismo, contudo, pode ser injustificado (não creio). Quem sabe volte a ter algum ganho salarial no futuro. Se assim for, farei questão de contribuir para entidades como Médicos sem Fronteiras e assinar publicações que respeito (e cuja perspectiva me interessa), como o Guardian, o jornal brasileiro Nexo e as revistas Carta Capital e Caros Amigos. Por enquanto, porém, só posso me aproveitar desses veículos, pois não quero ser engolido pelo mau jornalismo da mídia hegemônica (e para se ter ideia de como são canalhas, a Associação Nacional de Jornais - entidade que congrega o oligopólio de imprensa brasileiro, controlado pelas mesmas famílias há décadas e décadas - quer restringir a atuação de sites como BBC, El País e outros, cuja prestação de serviço jornalístico têm sido melhor do que as Folhas, Vejas, Estadões e Globos da vida).

Nas próximas postagens, abordarei o livro A condição humana, de Hannah Arendt.

** Não se trata, pelo menos nesse momento, de um julgamento ou reprimenda moral por parte do blogueiro.

BG de Hoje

Sei que essa canção já foi BG aqui no blog, mas é que a acho tão linda, com seu uso portentoso de um órgão de igreja e os belos vocais - além, é claro, da letra emocionante - que não pude resistir em buscá-la mais uma vez: ARCADE FIRE, My body is cage.


quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Falou e disse...

"A lassidão está ao final dos atos de uma vida maquinal, mas inaugura ao mesmo tempo um movimento da consciência. Ela o desperta e provoca sua continuação. A continuação é um retorno inconsciente aos grilhões ou é o despertar definitivo. Depois do despertar vem, com o tempo, a consequência: suicídio ou restabelecimento. Em si, a lassidão tem algo de desalentador. Aqui devo concluir que ela é boa. Pois tudo começa pela consciência e nada vale sem ela". *

* CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. 9 ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. p. 27-28 [Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch]

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

"Quem tá na merda não filosofa"



O aforismo usado no título desta postagem é a "moral" que encerra Os perigos da filosofia, o último texto do impagável volume Fábulas fabulosas*, de Millôr Fernandes, publicado em 1973, se não me engano.

A primeira vez que li esse livro, lembro bem, foi aos 14 anos. Havia sido aluno de uma ótima professora de Língua Portuguesa na sétima série (chamava-se Cleone). Durante uma de suas aulas, ela fez uma leitura comentada tão vibrante e divertida de A morte da tartaruga - outro dos textos de Fábulas fabulosas - que fiquei tremendamente desejoso de conhecer todo o conjunto. Uma de minhas irmãs mais velhas tinha um exemplar em casa. Já estava familiarizado como os desenhos e charges de Millôr Fernandes através de seus trabalhos para a imprensa, mas não muito em relação à sua escrita. Confesso não ter compreendido integralmente várias daquelas fábulas irreverentes e insólitas, dadas minha juventude abobada e a reduzida bagagem pessoal de leituras naquela época. Gostei, contudo. Anos mais tarde comprei um exemplar próprio (já tive uns três até hoje), tornando-se um dos itens mais estimados em minha pequena biblioteca doméstica.

Pois bem. Em Os perigos da filosofia, uma narrativa de apenas duas páginas, quatro rapazes e um professor estão agrupados em um local sobre o qual nada sabemos no início da história. O professor propõe um joguete de raciocínio como passatempo. Soluções insatisfatórias são apresentadas pelos rapazes até que o último jovem dá uma resposta excelente. O desfecho, entretanto, coloca-os numa tremenda enrascada (para saber mais, leia o texto do Millôr, ora essa!).

A chave para alcançar o humor da fábula e entender seu final está na palavra aparelho, usada no texto. Num país como o nosso, em que o estudo de História (como, de resto, o estudo de todas as outras matérias do currículo escolar) é negligenciado, muitos talvez não saibam que aparelho, ainda mais em 1973, na Ditadura (e quando Fábulas fabulosas foi publicado, até onde sei), designava algo um pouco diferente de seu sentido comum. Uma ajudinha do Houaiss: "local (apartamento, casa, etc.) usado por grupo político clandestino para suas reuniões nos anos de regime ditatorial".

Estudantes e professores de Filosofia (como supomos ser o caso daqueles personagens) costumavam, no imaginário de certas pessoas, assumir a feição de indivíduos contestadores, propensos a se envolver em protestos e revoltas políticas; daí seria um pulo para a participação deles em organizações clandestinas (e, de fato, confirmando esse imaginário, isso ocorreu no Brasil com muitos indivíduos durante a resistência ao regime militar). Além disso, até hoje, os interessados em Filosofia (assim como os interessados nas ditas ciências humanas) costumam ser rotulados** como sendo de esquerda - o que, para uma galera mal-informada, assustadiça e reacionária, significa vagabundos-perigosos-querendo-implantar-a-ditadura-do-proletariado-a-todo-custo e blá, blá, blá... Estar o tempo todo sob a investigação e ameaça da polícia no passado (e mesmo no presente, quando muitos movimentos sociais e manifestações correm o risco de ser tratados como terrorismo!) - o que os obrigava a se esconderem nos aparelhos - ajuda a entender o estar na merda da "moral" da fábula.

Mas a frase "quem tá na merda não filosofa" - e que frase legal! - pode ser interpretada de outra forma, pensando agora noutras situações.

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Desde a Antiguidade, na Grécia - ou seja, desde o nascimento da Filosofia, tal como tradicionalmente a entendemos*** -, o ato de filosofar e o ato de contemplar sempre estiveram associados quando se pensa na figura do filósofo. E a palavra contemplação, com frequência, opõe-se à ação. Um dos estereótipos do filósofo -  bem diferente daquele que esboçamos acima -  é o de alguém isolado do mundo, cercado apenas por livros ou outros "estimulantes" do pensamento, murmurando de si para si ou contemplando (no sentido de refletir detidamente acerca de um tema) algo que não nos é dado perceber de imediato; as únicas vezes em que esse sujeito age é quando passa para o papel o resultado de suas lucubrações. Essa imagem um tanto caricatural - mas partilhada por algumas pessoas - reforça a oposição entre a ação e a contemplação que, supostamente, existiria dentro do filósofo. Não percamos o fio da meada.

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Tenho vontade de rir - para não gritar de raiva - todas as vezes em que ouço/leio alguém afirmando: "é preciso trabalhar naquilo de que se gosta". Como se a massa de indivíduos que vende sua força de trabalho no mercado tivesse várias opções para escolha! A imensa maioria dos(as) trabalhadores(as) do mundo é compelida a deslocar-se em meio a um trânsito opressivo, a suportar durante horas e horas rotinas de trabalho sem nenhuma circunstância prazerosa (não raro, sem sentido e, nalguns casos, degradantes), a lidar com outros seres humanos rudes, hostis ou, na melhor das hipóteses, simplesmente burros, tudo isso não porque gostam, é óbvio: esses(as) trabalhadores(as) fazem-no unicamente porque precisam sobreviver. Não é necessário dizer o quanto essa condição exaure - mental e fisicamente - os que dela não podem escapar (como este blogueiro e penso também ser o caso do(a) eventual leitor(a)). Tantas vezes engolidos pelo monstro voraz do trabalho e com o espírito avizinhando-se do esgotamento com o passar do tempo, como seria possível  a eles e elas a contemplação (no sentido de refletir detidamente acerca de um tema, por exemplo, a sua própria condição de sujeito explorado e alienado)?

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A crença na superfluidade da reflexão filosófica é tão antiga quanto a existência da Filosofia. E persiste ao longo das eras: uma mostra disso é a famigerada proposta de reforma do ensino médio apresentada recentemente pelo governo golpista de Michel Temer retirando essa e outras disciplinas - essenciais ao meu ver - da grade curricular. Proclamar que a Filosofia é inútil - assim como a Arte, incluída aí a Literatura - não se restringe apenas aos indivíduos com baixa escolaridade e aos políticos a serviço do embrutecimento: é fácil encontrar dentro do ambiente universitário quem execre todas essas outras dimensões do saber humano. Se tal desapreço pode ser verificado entre aqueles que dispõem de um certo capital cultural, o que dizer do enorme contingente de pessoas cercadas exclusivamente pela indústria do entretenimento? O pensamento de natureza filosófica, nesse caso, nem sequer é cogitado dentro do horizonte de suas preocupações - sempre prementes - com a sobrevivência.

Imbecilizadas pela massificação e sugadas pelo universo do trabalho alienante - em boa parte dos casos, não por sua vontade - essas pessoas, para piorar, desconhecem o que seja o ócio.

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Quando foi a última vez que o(a) eventual leitor(a) parou para pensar? A quem é dado - num mundo erigido sobre a desigualdade social - o direito de subtrair-se às exigências do trabalho para poder contemplar (no sentido de refletir detidamente acerca de um tema, por exemplo, que raio de vidinha miserável é essa na qual estamos encalacrados)? Por que o ócio - vital, penso eu, para uma vida verdadeiramente humana - é privilégio de poucos?

Nós, trabalhadores, estamos na merda. Como filosofar em tal estado?

Entretanto, ainda que nossa margem de escolha seja reduzidíssima, pode-se ao menos insistir. O otimismo não faz parte do universo deste blogueiro; ainda assim, digo que entre as poucas chances de sairmos da latrina, a despeito do mundo do trabalho que nos rouba a possibilidade de contemplação (no sentido de refletir detidamente acerca de um tema, por exemplo, como conferir dignidade à nossa existência), é tentar parar para pensar.  

Quem tá na merda não filosofa, mas não teria nada a perder se escolhesse fazê-lo, uma vez que já perdeu quase tudo.
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* FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas. 12 ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991

** Esclareço mais uma vez que me considero um sujeito de esquerda. Mas é um grande erro pressupor que os interessados em Filosofia e nas chamadas Humanidades tenham uma "inclinação natural" para se posicionar contra o conservadorismo e o pensamento reacionário. 

*** Há quem defenda, com bons argumentos, que a reflexão filosófica não foi uma exclusividade da Hélade, como se tivesse ocorrido uma espécie de "milagre grego". Como não é objetivo deste texto discutir essa questão, deixo-a para outra oportunidade.

BG de Hoje

Quem tá na merda não filosofa... Mas preciso tentar, pra não sucumbir de vez ao desespero. Pensei, para o BG de hoje, algo que misturasse pessimismo e positividade. Fico com a parte pessimista, como não seria diferente. Canta a banda NOCAUTE (que tem uma pegada meio Planet Hemp e BNegão) na vigorosa faixa Men's, que eu gosto pra caralho: "Ultimamente eu tenho andado preocupado/É que o bicho tá pegando pro meu lado".



terça-feira, 1 de novembro de 2016

A meândrica afetação do discurso filosófico: lendo A barbárie, de Michel Henry (II)




Observei na postagem anterior que Michel Henry faz questão de ressaltar em A barbárie* a existência de um suposto divórcio entre a ciência e a cultura. Como isso se daria?

O autor - que se considera um "dos fenomenólogos preocupados em construir uma fenomenologia radical da subjetividade enquanto subjetividade viva" - acredita que a ciência, tal como esta vem se desenvolvendo desde Galileu Galilei, é refratária à sensibilidade por causa de seu "objetivismo unilateral".

"Afastar da realidade dos objetos suas qualidades sensíveis" - escreve Henry - "é eliminar, ao mesmo tempo, nossa sensibilidade, o conjunto de nossas impressões, emoções, desejos e paixões, pensamentos, em suma, toda a nossa subjetividade, que constitui a substância de nossa vida. É essa vida, portanto, tal como se experimenta em nós em sua fenomenalidade incontestável, essa vida que faz de nós seres vivos, que se vê despojada de toda verdadeira realidade, reduzida a uma aparência. O beijo que trocam os amantes não passa de um bombardeio de partículas microfísicas".

Michel Henry afirma ser a cultura, unicamente, uma "cultura da vida" - seja lá o que isso queira dizer**. A "substância" dessa vida, a subjetividade, é onde a sensibilidade reside e, segundo o filósofo francês, a ciência matemática da natureza "faz abstração da sensibilidade. Porém, a ciência só pode abstrair da sensibilidade porque abstrai, incialmente, da vida; é esta que ela rejeita, devido à sua temática, e ao fazê-lo acaba ignorando-a totalmente".

E acrescenta mais adiante, noutro capítulo:

"O que motiva esse afastamento [da ciência em relação à vida e, portanto, em relação à cultura, como pensa o autor], o que lhe está subjacente, é um pressuposto fundamental, embora implícito, é a crença segundo a qual a verdade é estranha à esfera ontológica da subjetividade viva e pertence, pelo contrário, e isso por princípio e portanto de maneira exclusiva, à da objetividade"

Não sou adepto da tese de que a ciência ocupa lugar oposto ao da cultura, nem acho que a intentio científica negue a sensibilidade ou busque excluí-la do mundo, junto com a subjetividade, como prega Henry. Mas acredito que sua retórica pode acabar seduzindo uns e outros por esse mundão afora.

A racionalização decorrente da ampliação do conhecimento científico, parte crucial no processo de "desencantamento do mundo" (para usar a célebre expressão de Max Weber), trouxe, como uma de suas muitas consequências, o abalo daquilo que a tradição sempre reputou como sagrado. E embora o autor de A barbárie use a arte para reforçar sua denúncia da ciência como "doença da vida", penso que no fundo, no fundo, é a religião (sobretudo o catolicismo) que ele deseja enaltecer. Observemos este excerto bastante significativo retirado do último capítulo,  pouco antes de seu epílogo:

"Pois a verdade concreta de todo esse movimento pode se resumir assim: o poder intelectual e espiritual tradicionalmente assumidos por aqueles que, realizando em si mesmos o grande movimento de autocrescimento da vida se atribuíam por tarefa transmiti-lo a outros em uma aula possível - esse poder foi arrancado dos padres e dos intelectuais por novos mestres, que são servidores cegos do universo da técnica e da mídia - pelos jornalistas e pelos políticos".

O trecho faz parte de uma seção na qual Henry diz haver um processo de destruição da instituição universitária pelo "mundo da técnica", o que implica na "aniquilação desta como lugar de cultura". É quase inevitável perceber nesse capítulo uma certa mágoa pessoal do autor com a Academia, mas não é nisso que desejo me concentrar. O(a) eventual leitor(a) deve ter reparado, dentro do trecho reproduzido acima, a seguinte passagem: "esse poder foi arrancado dos padres e dos intelectuais por novos mestres". A religião é mencionada sempre de modo breve em A barbárie, como sendo uma das formas de cultura excluídas pela ciência (junto com a ética e a arte, na visão do autor). Nesse trecho, contudo, o filósofo francês avança um pouco mais, concedendo aos padres (e por que não aos monges budistas, aos pastores evangélicos, aos rabinos ou aos imames?) um tipo de autoridade especial para lidar com a "cultura da vida". Isso sem mencionar a sua aversão (e sinto nela um certo odor reacionário) aos "novos mestres".

É claro que Michel Henry poderia fazer a defesa que quisesse da religião e também proclamar aos quatro ventos seu conservadorismo. Seria perfeitamente legítimo e válido. Ocorre, entretanto, em seu livro, uma escamoteação de suas reais posições político-ideológicas por meio de sua escrita quase sempre tortuosa e cheia de maneirismos - um tipo de estratégia discursiva/retórica muito empregada em certa Filosofia (e sobre a qual escreverei a respeito qualquer dia desses). Por que não assumir essas posições de modo explícito? E não venham me dizer que por não se tratar de um livro de filosofia política o autor não tinha necessidade de fazê-lo. O livro de Henry, apesar do esoterismo presente em muitas passagens, é uma obra de intervenção, portanto, política.

Na postagem anterior eu havia dito que é possível dispor de sustentação filosófica para um sem-número de convicções, atitudes, condutas ou simples opiniões. Posso apostar que diversos leitores de A barbárie, ansiosos por reabilitar a religião como "fonte da verdade" e desprezar a ciência por esta obrigá-los a se confrontar com dados e informações que contrariam seus desejos, encontraram no livro de Henry muito do que buscavam.

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Apenas para corroborar minha avaliação de que A barbárie não pretendia ser apenas um desinteressado ensaio de crítica à ciência, informo ao(à) eventual leitor(a) que o livro encontra-se numa lista reproduzida em sites conservadores (como este, que sugere uma breve bibliografia para o cristão entender um pouco o Comunismo e se proteger dele, hehehe...), ao lado de obras que exaltam a ditadura militar e autores-símbolos do reacionarismo brasileiro atual, como Rodrigo Constantino, Marco Antônio Villa e claro, Olavo de Carvalho.
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* HENRY, Michel. A barbárie. São Paulo: É Realizações, 2012 [Tradução de Luiz Paulo Rouanet]

** Chamei a atenção do(a) eventual leitor(a), na postagem anterior, para a vagueza que se percebe na escrita desse filósofo em muitos momentos.


BG de Hoje

Antes que o videoclipe se tornasse indispensável e bem antes da chegada da MTV (no tempo em que o canal tratava de música, claro), diversos artistas dentro do rock já sabiam o quanto o figurino e o visual extravagante teriam papel destacado na promoção de sua música. Pense, por exemplo, em Alice Cooper. Ou no Kiss. Com a passagem do tempo, a lista foi ficando grande: Misfits, King Diamond, Gwar (que eu sempre achei uma banda bem divertida), Marilyn Manson, Ghost, Slipknot e por aí vai... O grupo MUSHROOMHEAD segue a linha. Resta a pergunta: e quanto ao som? Bem, este blogueiro gosta bastante. Avalie por si escutando a (ótima) Sun Doesn't Rise.