quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Sobre best-sellers (6)

A escritora Adelaide Amorim, dos blogs O bem, o mal e a coluna do meio e Umbigo do Sonho (entre outros) encerra, com elegância, esta série de postagens. Não acrescentarei nada ao texto dela; preferi mantê-lo na íntegra e debater na seção de comentários.

" ' BEST-SELLERS ', NEM SEMPRE 'BEST READING'
Por Dade Amorim

'A lista dos mais vendidos tem de tudo. Mas quase nunca a maior parcela deles é a dos livros de melhor leitura.
A primeira razão para um livro vender muito, ao que parece, diz respeito a quem o escreve. O nome do autor pesa, quando ele é popular, famoso ou polêmico. Não é tudo - nesse campo, nada é definitivo e há sempre espaço para surpresas. Mas há uma tendência clara a vender mais quando na capa se lê um nome conhecido e bem divulgado nas mídias, seja lá por que for. Isso explica a preferência dos editores em geral por tais nomes. Dependendo da linha editorial, privilegia-se a popularidade ou a competência, contanto que reconhecida. Editoras sérias escolhem nomes de status nos meios literários, embora tenham em comum com as outras o interesse de mercado - o que não é de estranhar, já que se trata de empresas comerciais que, como é óbvio, vivem do lucro.

Mas além do autor, há outros fatores que favorecem a venda,. Livro não é artigo de primeira necessidade, e no Brasil talvez nem de segunda ou terceira. Num mercado meio bisonho, mesmo as características que podem tornar um livro atraente nem sempre funcionam. Sem falar dos didáticos e utilitários, dicionários e guias de uma coisa ou outra, os leitores variam. Há meninas loucas por obras tipo Gossip Girls; há gente fissurada em romances novelescos e/ou pronográficos; há rapazes ligados em esportes, preparação física e afins; há um público cada vez mais numeroso interessado em culinária, vinhos e coisas do gênero. Policiais bem falados costumam pegar, assim como as biografias de gente famosa - o interesse pela vida alheia não costuma falhar - e os chamados livros de fantasia, em que Harry Potter se mantém campeão absoluto. No universo dos livros infantis, o mercado anda meio florido, mas nem todos conseguem vender tanto quanto imaginavam.

Como todo mundo sabe, livros de autoajuda costumam bombar. Para seus autores, uma bênção dupla: depois de se firmarem entre o público específico, bem numeroso em termos relativos, eles podem arriscar obras menos típicas, já que seus nomes conseguiram alguma notoriedade e conquistaram preferências dentro dessa faixa de leitores - podendo também motivar parte de um público movido por curiosidade ou desinformação. Há quem entre numa livraria à procura de um presente e peça informações ao vendedor ou escolha o título da pilha mais em evidência. Mas o público que consome livros de autoajuda quase sempre - mesmo sem ter consciência disso - procura respostas para as suas dúvidas existenciais, fórmulas que os ajudem a viver melhor ou até souções mais focadas em uma dada situação. E como as psicoterapias ainda saem bem mais caras, por que não procurar se ajudar por esse meio? Dependendo do caso, pode até funcionar, menos ou mais precariamente, enfim.


O que menos parece mover o leitor brasileiro é o prazer de ler propriamente dito - ler pelo prazer da leitura em si. Por aí se explica a repercussão restrita da leitura de ficção ou de poesia de qualidade. A leitura pela leitura parece não ter sido ainda descoberta por grande parte dos brasileiros. Nesse particular, existem guetos que nem o poder aquisitivo nem o nível de escolaridade podem explicar. É questão de gosto, conhecimento do assunto, adquirido por contatos pessoais, formação escolar ou sensibilidade e criatividade inatas. Sem elitismo nem pretensão de situar o leitor bem formado num nível superior a quem quer que seja, é preciso frisar essa realidade. Não porque ela acrescente valor ou importância a quem aprecia e sabe escolher um bom texto, mas porque sua falta limita as possibilidades de satisfação genuína de muita gente, cuja vida certamente se beneficiaria mais da literatura de boa qualidade do que de livros de autoajuda e assemelhados.


Há muito a dizer sobre literatura. Há muito a divulgar, incentivar e praticar. Faltam informação e orientação ao leitor em geral, para que ele possa perceber tudo que um livro de qualidade literária apreciável poderia lhe oferecer em termos de enriquecimento pessoal - mesmo para a vida prática - e cultural. O quanto um livro de qualidade contribui para melhorar quem o lê com olhos de ver e palavras bem aproveitadas. O quanto esse tipo de leitura significa para a autoestima e a capacidade de entender a si mesmo, fruir a vida, os sentimentos, o relacionamento entre parceiros e amigos. Quem lê mais enriquece seu interior, sua personalidade, torna-se uma pessoa mais lúcida no meio deste mundo louco. Não é pouca coisa. Viver melhor é acima de tudo uma questão de ver mais longe e entender melhor as pessoas e o que acontece a nossa volta. E para conseguir isso a boa literatura é imbatível".

Desse modo, chegamos ao fim deste trabalho feito por variadas mentes, a muitas mãos e muitos teclados. Quero agradecer imensamente a meus amigos-blogueiros por sua inestimável colaboração. E, através deles, dirijo-me também a meus amigos fora da Internet, aos leitores eventuais deste blog, a quem chegou aqui por acaso, graças a um clique involuntário: para vocês, boas festas, muita alegria e, se possível, algum sentimento de esperança.

Este blog - e o responsável por ele - entram em recesso, retornando no dia 11/01/2010. Inté!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sobre best-sellers (5)

O professor Marcelo F. Carvalho, além de ser um generoso divulgador do trabalho de outros blogueiros, sempre lança ótimos questionamentos no seu Resumo da chuva.

Em relação ao tema desta série, Marcelo trata da moda e dos modismos:

"O que é a moda e onde isso nos leva? Bem, não é sobre a moda e seu pequeno-inútil universo que, por meio deste, dirijo-me. Mas debruçarei nela para responder à instigação do professor Halem.

Você usa uma calça jeans surrada (rasgada mesmo), camisa desbotada, com as costuras invertidas (puídas quase sempre) e aqueles tênis de lona que, no calor, produzem calos nos pés, apesar de existirem calçados altamente sofisticados e tecnologicamente confortáveis. Você coloca um boné de tela (daqueles que os caminhoneiros norte-americanos usam). Hoje em dia, estar com a barba por fazer dá aspecto de masculinidade e todos os modelos mostram os rostos impregnados de fiapos. Os cabelos? Bem, esses, nos homens, cresceram verticalmente, estilo black power anos 70 ou coqueiro.

Mas o que quero com toda essa descrição? Primeiramente dizer que se usarmos o que acabo de escrever, respeitando os escravos do modismo, gastaremos algo em torno de um salário mínimo (talvez dois!) e estaremos parecidos com os mendigos que cruzo diariamente pelas ruas da cidade. Qual é o nome da moda que usamos? Moda Mendigão! E devo admitir que uso vários desses itens descritos.

Pois assim são os best-sellers. Todos compram, devoram, dizem que adoram, mas, no fundo, não passam de um lixão. Raríssimas exceções, todo best-seller é puro lixo. Assim como as nossas calças jeans atuais".

Em conversas com adolescentes e jovens, costumo perceber que muitos deles não são assim tão refratários à leitura. Mas é possível notar que muitas de suas escolhas do que ler estão ligadas a dois fatores: 1) a projeção da publicação nas diversas mídias; 2) os títulos que são lidos pelos amigos e amigas são mais procurados do que aqueles recomendados por pais ou professores, por exemplo. Logicamente, não quero com esses bate-papos informais estabelecer uma opinião segura e fundamentada dos hábitos e formas de leitura dos adolescentes e jovens. Mas quero afirmar que a sociologia da leitura tem uma tarefa importante a fazer, no que se refere aos estudos das práticas de leitura nesse ambiente cultural globalizado em que estamos inseridos.

A esse respeito, Ruy Castro escreveu um pequeno artigo (ótimo!) cujo nome é, apropriadamente, Mega-sellers *. Segundo o articulista:

"O fenômeno se dá na área dos romances, poupando as biografias, as memórias e os livros de história, que, por enquanto, só têm de competir com best-sellers sobre cachorros".

Castro observa que essas publicações não são exclusividade dos norte-americanos mas precisam antes passar pelo mercado dos Estados Unidos para depois ocuparem as listas de mais vendidos de todo o mundo. Em qualquer lugar do planeta, são estes títulos que decoram as vitrines das livrarias. Quais as consequências disso? Castro responde parcialmente:

"Como os ' mega-sellers ' são maciçamente estrangeiros, teme-se que as editoras brasileiras desistam de apostar no humilde romance nacional - afinal, para que se arriscar a ter 3.000 livros encalhados quando se pode vender 600 mil? Pior ainda será se nossos romancistas tentarem se adaptar ao figurino australiano ou afegão para escrever, na esperança de que assim serão publicados e venderão livros".

Os livros da moda, mais do que movimentar milhões de dólares, colaboram com a nefanda uniformização da cultura escrita, esvaziando a arte de seu significado mais produndo, asfixiando a pluralidade dos modos de expressão literária e provocando a padronização dos gostos estéticos, tão prejudicial para a renovação das manifestações artísticas.

Na última postagem da série - e do ano - a contribuição especialíssima de Dade Amorim.

* CASTRO, Ruy. Mega-sellers. Folha de S. Paulo, São Paulo, p. A2, 9 mar 2009 (Caderno Brasil)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Sobre best-sellers (4)

O jornalista (com "J" maiúsculo) Pirata Z, (agora também Z ninguém), do blog O lado Z, nos manda sua contribuição para o debate:

" como revisor ou copy desk, trabalhei muito tempo nas mais variadas editoras, das mais chulés às mais consolidadas, comercialmente, e confesso: não sei o porquê de um determinado livro tornar-se um melhor-vendido. há, no entanto, um ponto óbvio: essas editoras trabalham com pesquisas qualitativas (sic), para poderem apurar o que é que as gentes andam querendo ler. isso feito, das duas, uma: ou lhes cai às mãos uma obra que o autor, por sorte, ou por igual atenção ao que dizem as gentes, criou com elementos que correspondem aos anseios do público, e o resto fica a critério dos marqueteiros da editora, ou mesmo, e já testemunhei isso, as editoras encomendam uma obra assim a determinado autor, e o resto fica a critério dos marqueteiros da editora...

seja lá qual for o caso, mimético, o ser humano passa a repetir os "mantras" que os marqueteiros, com equacionados press releases, alardeiam nos mais diversos veículos midiáticos, e dá-se, então, o que chamam de ' propaganda boca a boca ', e o resto é história - e, claro, grana no caixa.

não creio que o melhor-vendido tenha seu sucesso vinculado ao acaso, pois isso me obrigaria a preterir a lógica em favor do absurdo, acreditando que, um dia, alguém, em algum lugar do planeta, se interessou pela história de um pirralho afegão chegado a soltar pipas, contou isso pra algumas pessoas de seu círculo de convívio, as quais fizeram o mesmo, a coisa rompeu fronteiras geográficas, ideológicas e humanas as mais diversas, e bum! nasceu mais um sucesso...

Chaplin dizia o seguinte: "Entender o mundo em que se vive. Eis o segredo do sucesso".

O mundo, não de hoje, tornou-se pateticamente óbvio - e viva o uniformizante neoliberalismo! - o que, acho, explica o sucesso desse tipo de negócio.

Tudo isso pra dizer o seguinte: o melhor-vendido é/sempre foi, para mim, um excelente negócio para todos os envolvidos. o autor, além de um bom tutu, ganha fama e prestígio; a editora consegue o que a lógica mercadológica impõe, que é um retorno inversamente proporcional ao bocadinho investido, e, por fim, o público ganha gotinhas do remédio que precisa para a angústia da vez, criada, sabemos, pelo universo mesmo que o "farmacêutico" representa...

final feliz é isso aí, né não?"

Pirata Z, de forma cristalina, evidencia o caráter - por favor, não nos esqueçamos disso - comercial da empreitada editorial.

Recentemente, li uma dissertação de mestrado* na qual a pesquisadora, entre outros pontos, analisa o papel das editoras com relação à formação de um público leitor. Discutindo a atuação de Giulio Einaudi (célebre editor italiano), Maria da Conceição Carvalho procura distinguir os diferentes projetos editoriais: a Editora-Sim e a Editora-Não.

"A ' Editora-Sim ', na visão crítica de Einaudi, ao invés de ir ao encontro do gosto do público. gosto tornado a priori pela indústria cultural, como já denunciava Adorno, introduz no panorama cultural as novas tendências de cada campo - literário, artístico, científico, histórico e social - e trabalha no sentido de fazer emergir os interesses mais profundos, mesmo que se vá contra a corrente. Desconsiderando o interesse epidérmico e as expressões mais superficiais e efêmeras do ' grande público ' a ' Editora-Sim ' se compromete, ao contrário, com a formação de um gosto duradouro. Por esta via forma-se também um público e, por que não, um mercado. A ' Editora-Sim ', pensa Eunaudi, é fruto de um projeto, de um critério orientador, de uma ideia clara daquilo que se deseja fazer desde o início. O que, entretanto, é bem diferente da ideia obsessiva de se ter um projeto, dentro do qual, por vezes, não cabe a realidade".

De modo geral, as grandes editoras (e usando a classificação de Einaudi) são sempre ' Editoras-Não '. Estão saturadas de "realidade", de pragmatismo (cito o Pirata Z: "viva o uniformizante neoliberalismo"), e por isso, proliferam os best-sellers...

* CARVALHO, Maria da Conceição. O mercado e o sonho: Lê e Miguilim. duas propostas de editoração do livro infantil e juvenil. 1993. 226 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação/ Informação Social) - Escola de Biblioteconomia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1993

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sobre best-sellers (3)

Já disse que a Milena, do blog Nenhum Lugar, tem um dos textos mais adoráveis entre os blogs que costumo ler? Se não disse, fica dito agora. Sobre os best-sellers, ela foi econômica e instigante:

" 1. Best-sellers são os livros do gosto médio, das gentes que pensam que livros servem para entreter ou consolar.

Mas tenho vontade de dizer:

2.
Best-sellers são os livros que eu nunca li e que eu tenho a impressão de que todo mundo lê. Tipo: quem tem algum contato com a leitura e ainda não leu Crepúsculo? Só uma gente metida a besta como nós!!"

Estou propenso a concordar. Mas não sem antes problematizar um pouco. Só um pouquinho...

Na apresentação da edição brasileira de O visconde partido ao meio *, de Italo Calvino, há a reprodução de uma resposta dada pelo escritor italiano, durante uma entrevista com estudantes, trinta anos após a publicação do romance.

Calvino, observando que seu livro trata da incompletude característica dos seres humanos, afirma que "queria sobretudo escrever uma história divertida para divertir a mim mesmo, e possivelmente para divertir os outros".

Para Italo Calvino, o divertimento pode (e deve) fazer parte da obra literária:

"Creio que divertir seja uma função social, corresponde a minha moral: penso sempre no leitor que deve absorver todas estas páginas: é preciso que ele se divirta, é preciso que ele tenha também uma gratificação; esta é a minha moral: alguém comprou o livro, despendeu dinheiro, investe parte de seu tempo nele, deve divertir-se. Não sou só eu que penso assim; por exemplo, também um escritor muito atento aos conteúdos como Bertolt Brecht dizia que a primeira função social de uma obra teatral era o divertimento. Penso que o divertimento seja uma coisa séria".

Carlos Drummond de Andrade - outro dos heróis deste blog -,no "aviso" aos novos leitores que consta em sua Antologia poética **, enxerga a Literatura com olhos diferentes:

"Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade da sua condição".

Como se nota, Calvino não vê incompatibilidade entre Literatura e entretenimento, nem Drummond, entre esta e a sua "função" consoladora. Como leitor de ambos, sempre encontro agradáveis formas de passar o tempo com o romancista italiano e, em momentos de angústia - e são vários! - sinto-me reconciliado comigo mesmo lendo o poeta brasileiro.

Milena, doutora em Teoria da Literatura, ao falar sobre "os livros que servem para entreter e consolar", não se referia, obviamente, a obras como as produzidas pelos autores anteriomente citados. Livros podem entreter e consolar, mas, na condição de obras de arte (e é disso que fala Milena) não fazem (ou, pelo menos, não deveriam fazer) apenas isso.

A arte é - para usar uma expressão de Hannah Arendt - o aditamento de algo à existência. Esse algo pode ser, no caso da Literatura, uma visão de mundo rara, ou uma nova forma de expressão linguística, ou um recurso inusitado, ligado a metalinguagem, enfim, algo que torne a obra literária singular em comparação com outras, para "fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero", como nos diz Manuel Bandeira ***. E os best-sellers não alcançam essa condição.

Há, porém, outro ponto fundamental na definição de Milena: o modo como os supostos conhecedores da "boa" Literatura lidam com os best-sellers. E, é preciso reconhecer, existe preconceito nessa relação.

Prefiro reler Crime e castigo ou Otelo, o mouro de Veneza várias vezes a ler qualquer coisa escrita por Stephenie Meyer; do mesmo modo, sou mais A chave do tamanho do que qualquer um dos Harry Potters (ainda que tenha lido todos). A questão, porém, não é essa.

Creio que as pessoas que atuam na promoção da leitura - mais diretamente, os professores e bibliotecários - precisam incluir, em seus planos de trabalho, o respeito aos gostos e preferências de leitura dos indivíduos com os quais convivem, por mais distintos que sejam dos nossos. Mas não se pode fechar os olhos para o poderoso esquema de marketing utilizado pela indústria editorial, para divulgar seus produtos e, assim, obter maiores fatias do mercado; isso deve ser criticado.

Iria falar também aqui de uma crônica de Ruy Castro, mas fica para a "conversa" com outro colaborador desta série. E, a propósito, na próxima postagem, debaterei com meu grande camarada Pirata Z (ou, como também está sendo conhecido, Z ninguém).


* CALVINO, Italo. O visconde partido ao meio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996 (tradução de Nilson Moulin)
** ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 40 ed. Rio de Janeiro: Record, 1998

*** BANDEIRA, Manuel. Nova poética. In: Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sobre best-sellers (2)

O cidadão do mundo Roy Frenkiel, do blog Não leiam este blog, lá da Flórida envia a sua contribuição:

"Formado em comunicação de massas e leitor assíduo do New York Times, para mim um best-seller nada mais é do que a própria palavra indica: um dos livros de maior número de vendas em um dado período.

Um exemplo é mais ou menos o que encontramos no jornal de hoje, dia 19 de outubro de 2009: Dan Brown, autor do
Código Da Vinci, tem seu livro The lost symbol (O símbolo perdido) em primeiro lugar da lista do jornal. Outros livros similares, de puro entretenimento, vêm de autores e autoras como Charlaine Harris, Kathryn Sockett, Robert B. Parker e outros, mais ou menos com o mesmo estilo.

Um best-seller de ficção é o único que tem chances de obedecer a critérios mais artísticos da literatura, enquanto a maioria desses é de livros de autoajuda, política e biografias gerais. Em nenhum instante um best-seller se equivale, necessariamente, a um classic, ou clássico da literatura".

Há alguns aspectos óbvios ligados ao mercado editorial que são constantemente esquecidos pelo público em geral. Roy, oportunamente, nos lembra que a principal característica de um best-seller é seu desempenho nas vendas.

. . . . .

Neste trecho, faço um adendo: quero também lembrar algo frequentemente esquecido ou negligenciado, dependendo da "postura" do leitor em sua relação com a arte literária e suas preferências estéticas: livros, enquanto objetos - e ainda mais num mundo majoritariamente capitalista -, são mercadorias, produtos.

Gabriel Zaid * (de cujo livro já falei aqui) é incisivo:

"Nós gostaríamos de acreditar que cultura e comércio não têm nada que ver um com o outro: que a cultura circula e é adquirida por meios não comerciais próximos do culto e do oculto; que é como uma poção iniciatória dada aos escolhidos; que é algo adquirido gradualmente, sob o controle e com a garantia do Establishment".

Escamotear a dimensão comercial da circulação de bens culturais do campo editorial (para me expressar à la Bourdieu) é contribuir para a sacralização hipócrita dos livros. Mais uma vez, Gabriel Zaid:

"Note-se também a ambivalência ou duplicidade com a qual o sucesso (exotérico, externo, comercial) é desejado e temido nos círculos culturais, e a importância de ganhar o respeito de um pequeno grupo em detrimento do grande público. Ignorar esse público é, em última instância, a verdadeira negação da cultura: fracassar na comunicação, mas também salvar-se da perdição do comércio e do sucesso, uma garantia de pureza. O sucesso comercial pode ser contraproducente, provocando uma perda de credibilidade nos melhores círculos. Queremos que os livros sejam objetos democráticos, para ser lidos por todos, estar acessíveis em todos os lugares, mas também queremos que continuem sendo sagrados".
. . . . . .

Mas, ao estabelecer a comparação do tipo de publicação de que estamos tratando - os best-sellers - com outros produtos do campo editorial, Roy Frenkiel nos fornece grande ajuda para formular a seguinte pergunta: seria o best-seller um novo "gênero"?

Sandra Reimão ** considera que "a expressão best-seller, aplicada a livros e a literatura, comporta dois campos de significação, nem sempre coincidentes". Para a autora:

"A primeira significação da expressão, em sua acepção mais literal, diz respeito ao comportamento de vendas de um livro em um determinado mercado editorial. Best-sellers indica aqui os livros mais vendidos de um período em um local. Nesse sentido é uma expressão quantitativa e comparativa, e que diz respeito a vendas.
[...]
Ao lado da acepção ligada às vendas no mercado editorial, a expressão best-seller, quando aplicada à literatura de ficção, passou a designar também, por extensão, um tipo de texto - características internas, imanentes, de um tipo de narrativa ficcional.

Muitos autores, de tendências e pressupostos variados, buscaram elucidar quais seriam as características que fariam de um texto ficcional, um texto de literatura best-seller - também chamada de paraliteratura, literatura trivial, subliteratura, literatura de entretenimento, de massa ou de mercado".

Faço outra pergunta: existiriam marcas formais - elementos textuais verificáveis - que seriam índices seguros para determinar que um texto é potencialmente um best-seller, antes mesmo da sua circulação no circuito comercial (circuito este que envolve a atuação e interferência de diferentes agentes)?

Na próxima postagem, a participação da Milena.

* ZAID, Gabriel. Livros demais!: sobre ler, escrever e publicar. São Paulo: Summus, 2004 (tradução de Felipe Lindoso)
** REIMÃO, Sandra. Mercado editorial brasileiro: 1960-1990. São Paulo: Com-Arte/Fapesp, 1996

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sobre best-sellers (1)


Iniciaria esta série de postagens de outra maneira. Mas uma ocorrência imprevista alterou o rumo e a forma do(s) textos(s).

No domingo, abro a caixa do correio e encontro um exemplar da revista Veja destinado a mim. Hoje em dia, a maioria das pessoas um pouquinho mais bem informadas deixou de levar a sério essa publicação, marcada, nos últimos anos, pelo jornalismo tendencioso e de qualidade, no mínimo, duvidosa.

Não solicitei nenhuma assinatura da revista. Acredito que, por ter sido consumidor de outros produtos do grupo Abril - Superinteressante Playboy, mais recentemente; a extinta Showbizz, anos atrás - , a empresa resolveu mandar-me uma cortesia, tentando recuperar o antigo cliente. Isso mostra o quanto está abalado o mercado da mídia impressa, já que eu devo ser apenas um dos milhares em todo o país a receber esses exemplares "amostra grátis". Tal estratégia tem um custo, obviamente. E não é pequeno, suponho.

O curioso é que a matéria de capa trata dos livros de autoajuda, uma das vertentes mais lucrativas da indústria editorial. Entre os chamados best-sellers, desde o final dos anos 1980, a autoajuda é responsável por alguns dos títulos mais rentáveis.

Para tratar de assunto tão controverso - os best-sellers e sua relação com os leitores - decidi convidar outros blogueiros, diletos companheiros e companheiras, para dividir com eles e elas as postagens que antecederão as férias do Sinistras Bibliotecas. O primeiro a contribuir será o jornalista Jens, do divertidíssimo blog A toca do Lobo.

Escreve ele:

"Defino best-seller como aquelas obras arrasa-quarteirão que dominam por meses as listas de livros mais vendidos e, na falta de ideia melhor, se constituem no presente ideal por ocasião do Natal.

Não sei dizer o que determina que um livro assuma a condição de best-seller, mas creio que uma das razões principais, acima da popularidade do autor, está um competente trabalho de mídia do editor. É o que explica, por exemplo, o surgimento de um Dan Brown, até recentemente, um desconhecido entre nós, e a febre literária que acomete legiões infanto-juvenis a cada lançamento da série Harry Potter. 

Também julgo que, para qualificar-se a este posto, a obra deve ter enredo cativante e uma linguagem acessível ao maior número de leitores possível, como 
O Alquimista, de Paulo Coelho (que, a propósito, não li) ou os livros de crônicas e histórias curtas de Luis Fernando Veríssimo. Há, claro, exceções, como prova O nome da rosa, de Umberto Eco. 

Não avalizo a ideia de que um 
best-seller seja necessariamente um obra superficial. Além do já citado livro de Eco, lembro de A fogueira das vaidades, de Tom Wolfe, uma leitura que muito me agradou".

Há bastante para se pensar a partir das afirmações feitas pelo Jens, mas gostaria de destacar dois pontos: as listas de livros mais vendidos e o papel dos editores.

Na matéria do já citado número da Veja *, as jornalistas Isabela Boscov e Silvia Rogar observam que "uma olhada na lista dos livros mais vendidos de VEJA revela que aqueles que os leitores entendem com fonte de inspiração estão espalhados por todas as categorias - a ficção, como o caso de A cabana, , a não-ficção, como Comer, rezar, amar e a autoajuda propriamente dita, como em O monge e o executivo".

De fato, na tradicional lista da VejaA cabana é o segundo mais vendido no segmento ficção (é superado por O símbolo perdido, de Dan Brown). NOTA: nessa lista pode-se ver que simplesmente cinco (!) livros de Stephenie Meyer estão entre os dez mais vendidos. Os outros postos são ocupados por Caim, de José Saramago e por dois livros de L. J. Smith, que seguem o filão de Crepúsculo Lua Nova. Na categoria não-ficçãoComer, rezar, amar lidera e, no caso de autoajuda e esoterismo, O monge e o executivo até hoje ocupa lugar no topo (é o segundo colocado).

Segundo a matéria da VejaA cabana, do canadense William Paul Young, vendeu 13 milhões de exemplares (1,4 milhão no Brasil); Comer, rezar, amar, da norte-americana Elizabeth Gilbert, vendeu 8 milhões de unidades (300.000 no país); e O monge e o executivo, do também norte-americano James Hunter, chegou a 6 milhões (2,5 milhões só por aqui).

Não quero, no momento, fazer juízos de valor sobre a qualidade dos livros de autoajuda, mas gostaria de inserir aqui uma opinião surpreendente do editor Luiz Schwarcz (Companhia das Letras), dada em uma esntrevista publicada em 1994, na revista Istoé **"Costumo dizer que todo bom livro é de autoajuda, só que uns têm uma pretensão mais totalitária sobre a vida das pessoas ou mais imediatista".

E por falar em editor, Jens chama atenção para algo importante: o surgimento de best-sellers depende muito mais da capacidade de efetuar um marketing bem-feito, por parte das casas editoriais, do que das supostas qualidades dos escritores. E é interessante que Jens cite Dan Brown e lembre Umberto Eco. Em entrevista recente na Folha de S. Paulo, Eco, de forma irônica, declarou que Brown era uma "cria" dele...

Há diversas outras questões ainda a serem discutidas. Permanceço no tema na próxima postagem, desta vez com a contribuição de Roy Frenkiel. Inté.

* Nas asas da autoajuda. Revista Veja, São Paulo, ano 42, n. 48, edição 2142, p. 140-147. dez. 2009

** O Brasil quer ler. Revista Isto é, São Paulo, edição 1309, p. 5-7, nov. 1994