sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Literatura serve pra quê?


Eis aí uma pergunta - a do título desta postagem - frequentemente feita e refeita, tanto por pessoas direta ou indiretamente interessadas na cultura livresca, quanto por aquelas que a desprezam (e não seria surpreendente constatar que as últimas fazem o questionamento com ainda mais assiduidade do que as primeiras).

Para que serve a leitura, por exemplo, de Orgulho e Preconceito? Ou de Moby Dick? Por que ler Angústia ou A paixão segundo G. H.? Não há atividades mais úteis, sobretudo no mundo contemporâneo - veloz,  multifacetado, instável - nas quais devemos focar (valendo-me de um insuportável verbo da moda) nossa atenção e precioso tempo?

De algum modo (depois de tanto esforço, espero que ao menos isto tenha ficado claro para o(a) leitor(a) habitual deste blog), o Besta Quadrada, desde sua criação, não faz outra coisa senão ressaltar a importância da leitura, sobretudo literária. Assim, creio sinceramente que a Literatura está longe de ser um apêndice inútil da vida em sociedade. Mas para responder a pergunta lá do início, prefiro convocar Umberto Eco*.

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Já havia discutido esse artigo, do qual gosto muito, em meu antigo blog. Decidi voltar a ele.

Publicado há dez anos, A literatura contra o efêmero (disponível aqui) é o registro por escrito de um pronunciamento que havia sido feito, meio de improviso, pelo escritor e semiólogo italiano. E começa com uma frase muito eloquente: "os grandes livros contribuíram para formar o mundo".

Eco acredita que "existem poderes imateriais cujo peso não se pode medir, mas que ainda assim pesam". Estes "não se restringem aos chamados valores espirituais, como os das doutrinas religiosas". Entre os poderes imateriais, ele incluiria

"o da tradição literária, isto é, do complexo de textos que a humanidade produziu e produz, não com fins práticos, mas 'gratia sui', por amor de si mesma, e que são lidos por prazer, elevação espiritual ou para ampliar os conhecimentos" (claro que as obras literárias estão geralmente ligadas a um suporte físico; não é disso que se trata, porém).

Pergunta o italiano:

"Mas para que serve esse bem imaterial, a literatura? Eu poderia responder, como já fiz noutras vezes, dizendo que ela é um bem que se consuma 'gratia sui' e que portanto não serve pra nada. Mas uma visão tão crua do prazer literário corre o risco de igualar a literatura ao jogging ou às palavras cruzadas que, além do mais, também servem para alguma coisa, seja manter o corpo saudável, seja enriquecer o léxico".

Ele acredita que "a literatura tem na nossa vida individual e social" três funções: a Literatura exerce papel importantíssimo na manutenção e mesmo na renovação da língua de um país; os textos literários, no momento mesmo da leitura, obrigam "a um exercício de fidelidade e de respeito dentro da liberdade de interpretação"; a Literatura ensina o leitor a morrer. Quero me deter na última delas.

Umberto Eco, mesmo reconhecendo a liberdade interpretativa como uma das características essencias da leitura, não defende, entretanto, que seja "possível fazer qualquer coisa com uma obra literária" (posição com a qual concordo). Nesse sentido, as narrativas ficcionais são imodificáveis, sobretudo "as grandes histórias"  já inscritas na tradição, com suas tragédias e desencantos. Com a palavra, o pensador italiano:

"A função das narrativas imodificáveis é justamente essa: contrariando nosso desejo de mudar o destino, nos fazem experimentar a impossibilidade de mudá-lo. E assim, qualquer que seja a história que elas contem, contará também a nossa, e é por isso que as lemos e as amamos. Necessitamos de sua severa lição 'repressiva'. A narrativa hipertextual pode educar para o exercício da criatividade e da liberdade. Isso é bom, mas não é tudo. As histórias 'já feitas' nos ensinam também a morrer. Creio que essa educação para o fado e para a morte é uma das principais funções da literatura. Talvez existam outras, mas agora me escapam".

Para alguém como eu, que vive para ler e lê para viver, - isso é só uma frase de efeito( ruim, por sinal) - aprendo também a ler para morrer.
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ECO, Umberto. A literatura contra o efêmero. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 fev. 2001, Caderno Mais!, p. 12-14

BG de Hoje

Poucas bandas de metal extremamente pesado me interessaram tanto, até hoje, como o PANTERA. Uma canção como I'm broken, composta há mais de 15 anos, ainda soa com vitalidade em meus ouvidos.