quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Por que mentimos quando se fala em leitura literária?




Em meu antigo blog, certa vez publiquei um texto cujo título era Nunca li Marcel Proust . Naquela ocasião eu disse (não com essas palavras) que a obra do francês (e de outros escritores e escritoras) era uma espécie de fantasma a atormentar os que se declaravam apreciadores de Literatura (este blogueiro, por exemplo). Como é possível alguém que afirme gostar da arte literária - pior, dizer-se um estudioso - sem ter lido Proust, James Joyce ou Thomas Mann? Isso só para citar alguns das dezenas e dezenas de autores e autoras dos quais só conheço o renome (se bem que já comecei - e interrompi - duas vezes A montanha mágica, de Mann...).

Esses fantasmas rondam-me o tempo todo, fazendo-me olhar assombrado para a imensidão do que ignoro, num campo do conhecimento ao qual me dedico diligentemente. Dedicação com um poderoso componente de frustração, é necessário acrescentar, pois há um número gigantesco de páginas de boa Literatura ainda a serem lidas e nem em sonho conseguirei me apropriar sequer de uma quantidade ínfima. Essa é uma das razões por que quase não me interesso pela produção contemporânea, seja em prosa ou poesia (exceção aos livros voltados para o público infantil e juvenil). Tenho uma árdua "batalha" - perdida já de antemão, é verdade - a ser travada com o passado. Mas isso é assunto para outra postagem. Permita-me narrar um breve episódio ocorrido há uns 20 anos.

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Estávamos num bar próximo à escola municipal em que eu cursava o ensino médio noturno. Matávamos aula e conversávamos sobre temas variados, entre uma cerveja e outra. Surgiu o assunto "leitura" e um colega, de apelido Lobão, comentou que estava adorando O Alquimista, de Paulo Coelho. Aquilo nos espantou, não pelo título mencionado ou por seu autor, mas porque o Lobão não "dava pinta" de ser leitor de nada, nem mesmo do caderno de esportes dos jornais. Dois dias depois, ele me confessou que dissera aquilo para não passar por menos inteligente do que os outros (ele não lera O Alquimista) e ocorreu-lhe falar do livro de Coelho pois este era o primeiro lugar, há meses e meses, na conhecida lista dos "mais vendidos" da revista Veja.

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Por que contamos mentiras sobre o que lemos e, principalmente, sobre o que não lemos? Durante anos menti descaradamente a respeito de Charles Dickens. Nunca li, até hoje, nenhum de seus textos - tirando o Conto de Natal, amplamente difundido - mas, se me perguntassem, afirmava conhecer bastante. Por que fazia isso? O (a) leitor(a) certamente já encontrou , em sua vida, pessoas que também mentiam sobre o que liam : uma ex-professora com carinha simpática, um colega de trabalho com um pouco mais de grana e que suportamos porque é ele que paga as bebidas ao final do expediente, aquele parente chato que vive dizendo que "a culpa é do governo" e não passa de um caga-regras ridículo. Talvez você mesmo(a) já tenha contado uma ou outra mentirinha desse tipo, não? Pense bem...

Eu arriscaria duas tentativas de explicação para esse impulso de mentir sobre o que (não) lemos:

1) Por mais que se conteste a tradição literária (e há muitas contestações bem formuladas, ao lado de outras que só se sustentam na estridência com que são expostas), é difícil negar o tremendo valor simbólico que a Literatura carrega dentro de nossa cultura (mesmo que as práticas efetivas de leitura não venham traduzindo isso). E são bem poucos os que aceitam "valer menos" na comparação com seus semelhantes. Logo, acabamos mentindo sobre os livros (não) lidos.

2) Essa é relacionada com a anterior. Muitas vezes, para que nos sintamos bem, precisamos que o outro esteja numa posição, figurada ou não, inferior à nossa. E um dos modos de subjugar alguém é aparentar maior conhecimento especializado, maior erudição ou mesmo só uma capacidade retórica mais elaborada do que aquele que queremos rebaixar. Assim, também mentimos sobre os livros (não) lidos.

BG de Hoje

Quem me conheceu pessoalmente, nos últimos anos, duvida de imediato quando falo que era um bom dançarino, em "priscas eras". Antes de me entregar ao álcool e ao sedentarismo, não fazia feio numa pista de dança. Uma das minhas músicas preferidas era Here we go (let's rock & roll), do C/C MUSIC FACTORY.