terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Poesia: questão de tudo ou nada? (1)

É possível encontrar na "orelha" das últimas edições dos livros de Carlos Drummond de Andrade, lançados pela Record, uma contundente declaração do autor. Retiro de minha estante o exemplar de Claro enigma*, por exemplo, e leio:

"Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos".

Costumo dizer, sarcasticamente, que oito em cada dez seres humanos são acometidos, em algum momento de sua vida, pela "febre do verso". Acordam um dia achando que são capazes de escrever bons e "bem-intencionados" poemas e, para mal de nossos pecados, uma parte dessas pessoas - gente sem nenhum brilho - acaba regurgitando suas ralas composições no papel (ou, hodiernamente, na tela do celular ou do notebook. Também já tive essa doença quando era mais jovem. Felizmente, conheci João Cabral de Melo Neto e Augusto dos Anjos a tempo, e me curei, destruindo posteriormente todos os vômitos verbais que havia lançado às folhas de antigos cadernos pautados.

Drummond, a meu ver, acerta na mosca ao lembrar que o verdadeiro poeta é aquele que se entrega "aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação". A poesia, como toda boa Literatura, é antes de tudo um arranjo bastante especial de linguagem, com objetivos que se manifestarão, principalmente, no plano estético. Exige conhecimento, muito mais do que apenas "sentimento".

O itabirano já ensinara**:

"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos"

[...]

"Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma 
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?"

No mesmo sentido, Manuel Bandeira afirma***:

"[...] compreendi, ainda antes de conhecer a lição de Mallarmé, que em literatura a poesia está nas palavras, se faz com palavras e não com ideias e sentimentos, muito embora, bem entendido, seja pela força do sentimento ou pela tensão do espírito que acodem ao poeta as combinações de palavras onde há carga de poesia".

Nessa nova série de postagens - que promete ser a mais longa já surgida por aqui - desejo esclarecer qual a concepção de poesia e de fazer poético que mais me interessa e da qual me valho no momento de avaliar escritos e escritores. Embora este não seja um espaço de crítica literária, julgo importante manifestar minha opinião sobre o campo das obras em verso, na suposição de que tal posicionamento possa interessar um(a) possível leitor(a) identificado(a) com o blog.

Affonso Ávila, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, João Cabral de Melo Neto, Octávio Paz, Fabrício Marques, Elisa Lucinda, Antonio Carlos Secchin, Heloísa Buarque de Holanda, Roseana Murray, Arnaldo Antunes, José Paulo Paes, Chacal, Sebastião Uchoa Leite, Manoel de Barros, Maria do Carmo Pereira, Jaime Ovalle, Mario de Andrade, Cora Coralina, Antonio Cicero, Fabrício Carpinejar e Alexei Bueno serão alguns dos poetas, críticos e estudiosos a serem discutidos, o que não quer dizer que aprecie a todos.

Até a próxima!
__________
* ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 18 ed. Rio de Janeiro: Record, 2008 (Infelizmente, a editora não indica a data nem o local em que foi dita e/ou publicada a declaração de C. D. de Andrade citada na postagem)

** ANDRADE, Carlos Drummond de. Procura da poesia. In: _______________. A rosa do povo. 40 ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 24-27

*** BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. In: ________________. Seleta de prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 295-360

BG de Hoje

Li há algum tempo, numa revista sobre música pop, a melhor definição para o som do ALICE IN CHAINS, minha banda preferida: "trilha sonora para pesadelos". Acho que esse é o caso de Rain When I Die, canção bastante característica do trabalho do grupo.