quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Poesia: questão de tudo ou nada? (4)

"Enquanto o homem permaneceu cativo de seus instintos, batalhando apenas para atender às necessidades, não passou de um animal. Somente quando foi capaz de morrer por uma coisa inútil, quando entregou toda sua energia e arriscou a vida para desenvolver a capacidade criadora é que se tornou efetivamente um ser humano. A arte foi a descoberta apaixonada daquilo que não é essencial à subsistência".

Fábio Lucas

Ao (à) leitor(a) habitual do Sinistras Bibliotecas, peço desculpas. Não estou dando a devida atenção à blogosfera nesses últimos dias. Há, contudo, uma explicação.

Boa parte de minhas atividades como servidor público está relacionada à promoção da leitura e à formação do leitor e alguns períodos, ao longo do ano letivo, são considerados mais propícios para tentar atingir esses objetivos. Por essa razão, estou agora - e estarei pelos próximos três meses, pelo menos - envolvido direta e intensamente com diversas turmas de estudantes, principalmente do 1º Ciclo do Ensino Fundamental (6 e 8 anos de idade, na média). São uma das prioridades de meu trabalho e minha persona na web acaba ficando um pouco inativa. Vamos tentar, todavia, não extinguir a discussão iniciada semanas atrás.

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Em 1997, o crítico literário Fábio Lucas (na época, presidente da União Brasileira de Escritores) publicou um pequeno artigo* que muito me fez pensar - e ainda faz. Em Literatura fora dos trilhos, o autor não aborda apenas a produção poética, mas expõe sua visão do  "sistema literário" como um todo, sobretudo no que se refere ao contexto nacional:

"A sociedade está sendo dirigida para impor uma educação cada vez mais técnica, o que equivale dizer cada vez menos literária. Enquanto isso, aumenta o número de escritores sem público. Desapareceram as convenções sociais que amparavam a literatura que, por sua vez, se desfez de convenções confiáveis que ditam os parâmetros da qualidade e alimentam os juízos críticos. Faltam cânones e exemplos. Há muito se abandonaram os Clássicos como fonte de consulta, dignos de imitação. O sistema literário entrou em pane".

Fábio Lucas analisa, entre outras coisas, a relação da Literatura com a imprensa, com a mídia eletrônica, com o mercado e com o público. Sobre este último ponto, ele afirma (e eu concordo ) que

"A autoridade do discurso literário decorre de um permanente plebiscito dentro da sociedade em que o discurso transita, pois este não passa de um ato permitido pelo colegiado de leitores. Mesmo diante de uma ilusória individualidade, que o experimentalismo levou às últimas consequências, a sanção do consenso coletivo é que faz com que o autor seja ouvido e respeitado, pois o coletivo é que é o guardião das palavras correntes".

Mas ele também adverte, citando Gilles Deleuze, que essa "subordinação ao coletivo" pode acabar implicando "opressão institucional, uma ideologia".

Falando especificamente sobre textos em verso, Lucas acredita que

"Estamos praticando duas classes de poesia que lembram a dissociação da sensibilidade acusada por T. S. Elliot e enfatizada por Blackmur, que não tinha o menor respeito pelo pensamento alheado dos sentidos: o raciocínio sem sentimento e o sentimento sem raciocínio".

O que se encontra hoje nos poemas? De acordo com o ensaísta,

"A fabricação publicitário-industrial-construtivista, derivada da propagação e da deterioração do concretismo, apresenta-se como uma periferia macarrônica ligeiramente ignorante. Produz esqueletos verbais sem alma. Paralelamente, move-se uma avalanche de apelos sentimentais, num desregramento repetitivo de declarações de amor ou de sofrimento, de leitura tediosa. Alimenta a tradição narcísea de nossa época. Formalmente, estamos caindo num minimalismo, composto de flashes verbais que imitam o vídeo-clipe".

A respeito dessa "tradição narcísea de nossa época", Fábio Lucas é preciso quando afirma que

"Os autores geralmente não tomam conhecimento do trabalho de seus contemporâneos. Não os estudam, aplaudem ou atacam. Devotam-lhes a indiferença, a mesma confiança aos antigos. Numa coleção de 60 depoimentos de escritores brasileiros, não encontramos nenhuma referência a contemporâneos. Nenhuma análise de tendências, nenhuma contestação de procedimentos. Todos se preocupam com sua própria obra e o seu provável circuito no mercado consumidor. Os anjos rebeldes de nosso tempo estão contidos pela vaidade".

Na próxima postagem, Octávio Paz e  mais uma tentativa de conceituação.

* LUCAS, Fábio. Literatura fora dos trilhos. Estado de Minas, Belo Horizonte, 27 set. 1997, p. 3, Caderno Pensar

BG de Hoje

Uma das músicas seminais para a consolidação do heavy metal: Iron Man, do BLACK SABBATH.