terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Poesia: questão de tudo ou nada? (2)

ALGUMAS NOTAS

1) O tradutor Paulo Henriques Britto, responsável pela versão em português de boa parte da obra da poetisa Elizabeth Bishop, declarou hoje no jornal Folha de S. Paulo*:

"Os leitores de poesia nesta terra são tão poucos que não compensa fazer reedições [...] Quantos leitores de poesia haverá no Brasil? Creio que não chegam a mil".

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2) Fabrício Carpinejar publicou, há alguns anos, notável artiguete na revista Superinteressante** (já falei a respeito desse texto na postagem Ao pé da letra ). Em Por que não se lê poesia?, o escritor faz a pergunta impertinente e necessária: "Por que a poesia virou mercadoria que todo mundo tem pra vender mas ninguém quer comprar?"

É quando me lembro do curto período em que frequentei bares no centro de Belo Horizonte, principalmente no Edifício Maletta e na rua Guajajaras. Entre uma cerveja e outra, não era nada difícil aparecer a figura meio hippie - sandália de couro, bata ou camiseta "indiana", etc. - que abria a bolsa e de lá sacava livretes "artesanais". "Você não estaria interessado em comprar alguns dos meus poemas?" - dizia o sujeito. Isso quando não decidia "recitar" uma das suas criações. Se tinha algum dinheiro sobrando - coisa rara - levava um. No outro dia, passada a bebedeira, constatava como os textos eram ruins e me perguntava: será que esse camarada nunca leu Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto ou mesmo Mario Quintana? Como pode escrever algo que não dialoga com aquilo que foi produzido por tantos autores antes dele?

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3) Segundo penso, não há incompatibilidade entre ser original (falarei desse conceito mais adiante, em outra postagem) e recorrer à tradição, ao já feito. Muitos poetas hoje - principalmente com o advento da web - consideram-se inovadores autossuficientes que não devem tributo à ninguém. Não admitem a leitura atenta de outros autores como parte de seu aprendizado, necessária até para o desenvolvimento de suas próprias técnicas. Resta saber, entretanto, se o versejar deles contribui para uma melhor visão da poesia e para um aprofundamento da cultura literária.

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4) Não leio poetas cujo idioma materno não seja o português; portanto, nunca li Elizabeth Bishop, ou Pablo Neruda, ou Rainer Maria Rilke, por exemplo. Na condição de monoglota, sou um apreciador bastante limitado de textos poéticos, pois não posso ler muitos deles na língua original em que foram escritos. E por mais bem feitas que sejam, as traduções - no caso específico de poemas - retiram muito da expressividade e da força do idioma. Na prosa isso é perfeitamente contornável, mas na poesia...

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5) Arrisco dizer: muitos poetas que hoje se aventuram a escrever poesia não são leitores de poesia. E a Literatura, penso eu, só se torna mais rica e significativa quando é retroalimentada. Estranhamente - estou sendo exagerado de propósito - há mais "poetas" escrevendo do que gente interessada em lê-los. Poetas que não leem poesia são uma tremenda e empobrecedora contradição.

* Bishop ausente. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 fev 2011, Caderno Ilustrada, p.1

** CARPINEJAR, Fabrício. Por que não se lê poesia? Superinteressante, São Paulo, n. 172, p. 98, jan. 2002

BG de Hoje

Esta é uma das canções mais saborosas desse gênio chamado JORGE BEN(JOR): Minha teimosia é uma arma pra te conquistar.