quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Zeca Baleiro, Manuel Bandeira e o "locus amoenus" (2)

Mario de Andrade, com humor ferino, apontou certa vez o "vou-me-emborismo" como um dos traços característicos de parte da produção modernista. O termo, claro, faz referência direta ao texto famoso de Manuel Bandeira aqui discutido (disponível na íntegra). Embora trate de evasão não é, contudo, um poema a pregar a pura (e delirante) negação da realidade.

Em Itinerário de Pasárgada*, Bandeira registra que essa criação "foi o poema de mais longa gestação em toda a minha obra". Viu pela primeira vez o nome da localidade ainda adolescente e

"Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença, soltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: ' Vou-me embora pra Pasárgada!' ".

O poeta afirma gostar do poema porque vê nele,

"em escorço, toda a minha vida; e também porque parece que nele soube transmitir a tantas outras pessoas a visão e promessa da minha adolescência - essa Pasárgada onde podemos viver pelo sonho o que a vida madastra não nos quis dar".

Para um tuberculoso, como foi Bandeira, atos simples para pessoas saudáveis são aqui revestidos de outra significação: "E como farei ginástica/ Andarei de bicicleta/ Montarei em burro brabo/ Subirei no pau-de-sebo/ Tomarei banhos de mar" **. Além disso, a Pasárgada - e a Literatura, e a Poesia, por que não? - é/são o contraponto à tristeza que, às vezes, de noite, nos dá gana e "vontade de [nos]me matar", como está no poema.

Zeca Baleiro, em Babylon*** também não fala de escapismo. Atira, isto sim, contra o consumismo, o esnobismo e a monetarização (inevitável, penso eu) de todas as coisas. O refrão da música é sensacional:

"Não tenho dinheiro pra pagar a minha ioga
Não tenho dinheiro pra bancar a minha droga
Eu não tenho renda pra descolar a merenda
Cansei de ser duro, vou botar minha alma à venda
Eu não tenho grana pra sair com o meu broto
Eu não compro roupa por isso que eu ando roto
Nada vem de graça, nem o pão nem a cachaça
Quero ser o caçador, ando cansado de ser caça"

Vale ainda ressaltar que Babylon remete ao termo Babilônia, expressão difundida no pensamento rastafari para designar, negativamente, o mundo material em oposição ao espiritual. Essa observação não é despropositada, uma vez que a canção, segundo Baleiro, foi composta originalmente como um reggae, e o estado do Maranhão (onde nasceu o compositor) tem grande identificação com esse gênero musical, sobretudo na capital, São Luis.

O locus amoenus, nesses dois casos, não é o lugar de fuga. É lugar do sonho, sendo também o da crítica.

Na próxima semana inicio nova série com o título Poesia: questão de tudo ou nada? Até breve.

* BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. In: _______________. Seleta de Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997

** BANDEIRA, Manuel. Vou-me embora pra Pasárgada. In: ______________. Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993

*** Do álbum Líricas, 2000

BG de Hoje

Os ROLLING STONES são responsáveis por alguns dos riffs mais inesquecíveis da história do rock'n'roll. Olha o caso de Bitch, com a guitarra rascante de Keith Richards "duelando" com os metais (acho que saxofone e trompete) que irrompem de forma matadora na canção. Além do mais, Bitch tem um refrão muito legal:

"Yeah, when you call my name
I salivate like a Pavlov dog
Yeah, when you lay me out
My heart is beatin' louder than a big bass drum"