segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Diferentes modos de sermos estúpidos (3)



"Aniquilar as paixões e os desejos apenas para evitar sua estupidez e as desagradáveis consequências de sua estupidez; isso nos parece, hoje, apenas uma forma aguda de estupidez".
Friedrich Nietzsche


Em Crepúsculo dos ídolos*, Friedrich Nietzsche - cujo pensamento só me interessa em algumas ocasiões - afirma que é uma tolice estimar o valor da vida. Diz ele: "juízos, juízos de valor acerca da vida, contra ou a favor, nunca podem ser verdadeiros, afinal; eles têm valor apenas como sintomas, são considerados apenas enquanto sintomas - em si, tais juízos são bobagens".

Nietzsche, que se autodenomina um "imoralista", reconhece que aqueles interessados em julgar o restante da humanidade através de um conjunto de preceitos comportamentais, ao qual aderiram e/ou formularam, são os únicos realmente dispostos a determinarem o que é válido ou não no tipo de vida que preconizam:

"Uma condenação da vida por parte do vivente é, afinal, apenas o sintoma de uma determinada espécie de vida: se tal condenação é justificada ou não, eis uma questão que não chega a ser levantada. Seria preciso estar numa posição fora da vida e, por outro lado, conhecê-la como alguém, como muitos, como todos os que a viveram, para poder sequer tocar no problema do valor da vida: razões bastantes para compreender que este é, para nós, um problema inacessível. Ao falar de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida, a vida mesma nos força a estabelecer valores, ela mesma valora através de nós, ao estabelecermos valores..."

Como se percebe, para o pensador alemão não existem valores a serem buscados fora da realidade humana perceptível. Para julgar a vida, seria necessário estar fora dela, algo impossível, naturalmente. Ou dispor de uma entidade preexistente, responsável pela ordenação de tudo o que sentimos e percebemos. Algo como Deus, entidade não levada em consideração por Nietzsche... Nem por mim, diga-se de passagem.

O que me irrita nos moralistas em geral é a arrogância com que se mostram, ditando regras e condenando atitudes como se apenas a eles coubesse o monopólio da "verdade" acerca das condições da existência humana (Nietzsche, a propósito, já afirmara, viperinamente, que a hostilidade contra os desejos humanos vem justamente daqueles que são os "ascetas impossíveis, por aqueles que teriam tido a necessidade de ser ascetas..."). Essa arrogância dos moralistas, ao querer assegurar, a todo o custo, o modo como o homem deveria ser, recebe duro ataque do autor de Crepúsculo dos ídolos:

"O indivíduo é, de cima a baixo, uma parcela de fatum, uma lei mais, uma necessidade mais para tudo o que virá e será. Dizer-lhe ' mude ' significa exigir que tudo mude, até mesmo o que ficou para trás...[...] A moral, na medida que condena em si, não por atenções, considerações, intenções de vida, é um erro específico do qual não se deve ter compaixão, uma idiossincrasia de degenerados que causou dano incomensurável!... Nós imoralistas, pelo contrário, abrimos nosso coração a toda espécie de entendimento, compreensão, abonação. Nós não negamos facilmente, buscamos nossa distinção em sermos afirmadores".

Volto ainda a Nietzsche na próxima - e última - postagem desta série.
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* NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos, ou, Como se filosofa com o martelo. São Paulo. Companhia das Letras, 2006 [tradução de Paulo César de Souza]