sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Diferentes modos de sermos estúpidos (2)


"A melhor maneira de demonstrar que você é um homem de extraordinário bom senso é não acreditar nisso"
Millôr Fernandes - Millôr Definitivo

 
 
Certa vez li um artigo do economista Paulo Nogueira Batista Jr.*, no qual ele se dava conta do avassalador "triunfo dos idiotas". Para Batista Jr. :

"Em certo momento da história mundial, [...] o idiota despertou para um fato básico: a sua avassaladora superioridade numérica. Começou então a perder suas antigas inibições. Surgiu, triunfante, o fenômeno na sua forma moderna - o idiota sem o menor vestígio de superego".

O idiota ocupa os mais variados postos: "pode ser banqueiro, empresário, estrela de televisão, economista, sociólogo e até (Deus nos perdoe) artista". Basta ter "um profundo desprezo pela inteligência do público".

É bem provável que eu faça parte dessa massa de idiotas mencionada pelo articulista. Isso não vem ao caso agora. Há um fato cultural e histórico cuja contribuição foi enorme para a atual supremacia dos imbecis - e é isso o que nos interessa mais de perto.

Como um sem-número de outras pessoas, também acredito que as sociedades humanas não conseguiram criar nenhum outro regime político melhor do que a democracia. Essa crença, contudo, não me impede de apontar suas limitações e, mais do que isso, constatar que uma decisão tomada por uma maioria nem sempre é uma decisão sábia: pode ser, aliás, perfeitamente idiota. Isso deveria ser óbvio (mas não é) : muitas vezes uma maioria adota medidas ineficientes e estúpidas. A democracia, a despeito de todos os seus benefícios, ampliou o alcance da ação dos idiotas.

Pulando para outro assunto.

No artigo Proibir ou compreender** Gilberto Dupas considera que "as sociedades contemporâneas resolveram adotar o 'politicamente correto' como sua nova ética, ainda que temperada com razoável hipocrisia". Embora não tenha restrições ao que Dupas chama de "politicamente correto", concordo inteiramente com ele quando, mais à frente, criticando a caça às bruxas que se tornou a restrição ao direito dos fumantes, afirma que
"No caso do fumo e das drogas, o que parece estar em questão é que pessoas possam exibir publicamente seu prazer, ainda que de forma autodestrutiva. O filósofo esloveno Slavoj Zizek - usando conceito lacaniano - acha que ' a imagem do vizinho que goza demais ' nos é intolerável".

"A imagem do vizinho que goza demais"... Por que estou tão preocupado com o ato de fumar - considerado estúpido por milhões de cidadãos - se nem fumante sou? Porque o mesmo ódio (hipocritamente moralista, a despeito da justificativa médico-sanitária), hoje dirigido a quem fuma, pode, em pouco tempo, voltar-se para mim e outros que adoram tomar porres e mais porres - comportamento igualmente tido como estúpido por outros milhões de indivíduos!

As pessoas têm diferentes concepções de vida, códigos morais (importantes apenas para elas mesmas) e crenças (algumas delas, totalmente fundamentalistas). E aquele que - por fumar demais, por beber demais, por transar demais, por comer demais, por divertir-se demais, por ser diferente demais - acabe destoando desses rígidos modos de ser e estar no mundo precisa imediatamente se "enquadrar".

Eu? Tô fora!

Mais na próxima postagem.
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* BATISTA Jr., Paulo Nogueira. O triunfo dos idiotas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 mai. 2001, Caderno Dinheiro, p. 2

** DUPAS, Gilberto. Proibir ou compreender. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 abr. 2007. Caderno Brasil, p. 3