quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Diferentes modos de sermos estúpidos (4)


Atente-se para esta passagem de Crepúsculo dos ídolos*, de Friedrich Nietzsche:

"Qual pode ser a nossa doutrina? - Que ninguém dá ao ser humano suas características, nem Deus, nem a sociedade, nem seus pais e ancestrais, nem ele próprio ( - o contra-senso dessa última ideia rejeitada foi ensinado, como ' liberdade inteligível ', por Kant, e talvez já por Platão). Ninguém é responsável pelo fato de existir, por ser assim ou assado, por se achar nessas circunstâncias, nesse ambiente. A fatalidade do seu ser não pode ser destrinchada da fatalidade de tudo o que foi e será. Ele não é consequência de uma intenção, uma vontade, uma finalidade próprias, com ele não se faz a tentativa de alcançar um ' ideal de ser humano ' ou um ' ideal de felicidade ' ou um ' ideal de moralidade ' - é um absurdo querer empurrar o seu ser para uma finalidade qualquer. Nós é que inventamos o conceito de ' finalidade ': na realidade não se encontra finalidade... Cada um é necessário, é um pedaço de destino, pertence ao todo, está no todo - não há nada que possa julgar, medir, comparar, condenar nosso ser, pois isto significaria julgar, medir, comparar, condenar o todo... Mas não existe nada fora do todo!"

O que nos diz o filósofo alemão? Muita coisa (mesmo que eu discorde de alguns de seus pontos de vista). Entretanto, eis o que é mais relevante para esta série de postagens: a vida é resultado de uma contingência! E, referindo-se ao todo, creio que Nietzsche antecipa parte do pensamento existencialista - tão caro a este blogueiro e que será abordado em outra série de postagens.

Se não há uma finalidade para a vida fora da existência concreta, perceptível e nem é possível alcançar um 'ideal de ser humano' como julgar e condenar, aprioristicamente, comportamentos, posturas e atitudes individuais não-delituosas? Não me arriscaria a responder assim, de" bate-pronto". Mas Nietzsche, com humor maldoso, escreve:

"O ser humano que se tornou livre, e tanto mais ainda o espírito que se tornou livre, pisoteia a desprezível espécie de bem-estar com que sonham pequenos lojistas, cristãos, vacas, mulheres, ingleses e outros democratas".

. . . . . . . . . . . . . . . .


Consumir bebidas alcoólicas, fumar, comer junkie food, levar uma vida sedentária, curtir pornografia - são posturas estúpidas? Para muitas pessoas, sim. Mas - e isso é importante - não são, ainda bem, crimes (pelo menos, por enquanto). Além do mais, eu também poderia arrolar uma centena de outras atitudes consideradas "do bem" (pausa para vômito!) e que se adequariam facilmente numa outra lista de enormes imbecilidades.

Parece-me que a principal questão é: - parafraseando versos de uma bela canção d' O Rappa - qual a estupidez que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?

Tudo depende de escolhas individuais. Eu já determinei algumas das minhas.
__________
NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos, ou, como se filosofa com o martelo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. [tradução de Paulo César de Souza]