O trabalho docente foi sempre estigmatizado por uma certa concepção de gratuidade. Para muitos - e, infelizmente, isto não é tão raro quanto se pensa - esta atividade sequer deveria ser remunerada. Daí usar-se com frequência a expressão "dar aulas" (advogados, por exemplo, recebem "honorários"). Aliás, não custa lembrar que o termo pedagogo designava, na Antiguidade, o escravo que conduzia as crianças até os preceptores.
A desvalorização do trabalho docente ao longo da história humana chegou, com particular intensidade, ao cotidiano da nossa sociedade globalizada, chamada, curiosamente, de "sociedade da Informação" ou "do Conhecimento". Com o desprezo que se tem pelos profissionais do ensino, cabe perguntar: de qual informação e de qual conhecimento estamos falando?
Ainda mais bizarro é constatar que, dentro das próprias instituições escolares, várias são as educadoras e os educadores colocados em situação ainda mais incômoda: refiro-me às promotoras e aos promotores da leitura, particularmente literária.
Mas o espanto dura pouco. O pensamento hegemônico no meio educacional - justamente porque provém da cultura dominante - é que não se pode perder tempo com inutilidades (leia-se "com o que não gera lucro ou outra funcionalidade primária). Literatura é inútil. Ponto final.
Recupero, contudo, a palavra gratuidade exposta no início da postagem, procurando redimir seu significado. Aquilo que é gratuito pode ser também aquilo que é desinteressado.
Várias são as belas histórias gregas. Uma das mais fascinantes é o mito de Prometeu. A obtenção do fogo junto aos deuses e sua ulterior distribuição - espontânea - aos humanos é a mais nobre alegoria para descrever o ofício de milhares de professoras e professores mundo afora, diariamente, disseminando conhecimento.
A elas e eles - e principalmente aos que se dedicam à promoção da leitura literária - faço questão de homenagear com este poema de João Cabral de Melo Neto*:
"Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém".
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* MELO NETO, João Cabral. O artista inconfessável. In: A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
(O poema faz parte do livro Museu de tudo, publicado originalmente em 1975)
(O poema faz parte do livro Museu de tudo, publicado originalmente em 1975)