sexta-feira, 4 de maio de 2012

Todos os que têm o cargo de professor podem realmente ser chamados de professores?


Antes de entrar propriamente no tema desta postagem, gostaria de lembrar duas excelentes professoras das quais fui aluno na época em que fazia o curso de Letras, nos anos 1990*.

Uma delas foi Maria Aparecida Andrés, que não pertencia à FALE/UFMG, mas ministrou a disciplina "Lógica do Pensamento Científico", componente do antigo "Ciclo Básico", obrigatório, ofertado na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da mesma universidade.

Era impressionante. Sem se levantar de sua cadeira durante quase toda a aula, fumando a maior parte do tempo (naquela época, um ato perfeitamente tolerável ainda), Aparecida Andrés conseguia amarrar, brilhantemente, as observações titubeantes e imprecisas que fazíamos aos textos dos autores lidos naqueles encontros (Adam Schaff, Karl Mannheim, Marilena Chauí, entre outros). Em certa ocasião, trocou o assunto que seria discutido para falarmos do (então) recente suicídio de Kurt Cobain, líder do Nirvana, sem, contudo, comprometer a (imensa) qualidade de sua aula. Dizia que preferia trabalhar com a graduação porque gostava - as palavras são dela - de "cabeças virgens"; ou seja, aquelas sem os "vícios" dos estudantes já ingressados no mestrado e/ou doutorado.

A outra foi Graça Paulino. Duas de minhas irmãs já haviam estudado com ela e muito a elogiavam; assim, foi com grande expectativa que me matriculei na disciplina "Teoria da Literatura I". Infelizmente, entretanto, só tive duas aulas. Trabalhadores do Brasil inteiro, naquela época - inclusive professores universitários - estavam muito preocupados com a reforma da previdência implementada no primeiro governo FHC, receosos de que os valores de suas aposentadorias fossem achatados ou de serem obrigados a continuar na ativa além do tempo inicialmente previsto. Foi o caso de Graça Paulino (e acho que também o de Aparecida Andrés), que decidiu aposentar-se justamente naquela oportunidade. Não sem antes, ainda bem, nos oferecer um pouco de sua sabedoria, discutindo conosco um dos mais belos poemas de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa: Se te queres matar, por que não te queres matar?.

Só que Graça Paulino retornou à vida universitária, na condição de professora associada da Faculdade de Educação (UFMG) e integrante do Ceale (Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita), vinculado a essa unidade acadêmica. Recentemente, li entrevista sua publicada na (excelente) revista Presença Pedagógica** (publicação, aliás, da qual Paulino foi editora geral e atualmente compõe o conselho editorial). Na conversa, entre os assuntos  tratados, chamou-me a atenção principalmente o que vai no trecho abaixo:

"Quanto ao papel dos intelectuais, professores universitários, acredito que primeiramente eles devem assumir a graduação, dedicar-se a esse nível de ensino. Tenho visto nas universidades públicas uma inversão. Quem se considera intelectual, professor de primeira linha, só quer dar aula para a pós-graduação e não para a graduação. Isso tem de mudar para que a graduação melhore e para que os alunos da licenciatura possam chegar às suas escolas de uma maneira diferente. Dessa forma, com professores bem formados, o diálogo entre universidade e escola básica pode melhorar muito. Na verdade, o que ocorre é que apenas a pesquisa é valorizada no currículo do professor universitário. Ganham-se bolsas de produtividade por pesquisa, mas não por aulas bem ministradas. Outro descaso que encontramos relaciona-se a projetos de extensão. Esses projetos, que fazem com que a universidade se insira na vida social da comunidade, não são valorizados. Nem o ensino nem a extensão são premiados, destacados, somente a pesquisa. Se a universidade está dividida em ensino, pesquisa e extensão, se são essas as três funções que temos de exercer, então que sejam exercidas com equilíbrio. Um pesquisador não deve ser mais valorizado do que um professor". 

Algo que sempre me incomodou no ensino superior é a  seguinte crença: se um sujeito chegou ao cume da vida acadêmica (doutorado e quejandos) "naturalmente" será um bom professor. Isso não é verdade. Há péssimos docentes nas universidades brasileiras e, na minha opinião, o MEC deveria cobrar mais competência didática destes. Mas, como observou Graça Paulino, a desvalorização daquele que se dedica ao ensino também atinge o "mundinho" universitário.

Considero a profissão de quem ensina exatamente isso: uma profissão. Nada a ver com "dom" ou "caminho vocacional". Mas para que essa missão seja bem realizada é preciso empenho (como, aliás, em qualquer outra atividade profissional). Isso, penso eu, vale tanto para a educação básica quanto para o ensino superior.

Alguns "professores" universitários - com pós-doc em não-sei-o-quê, com dezenas de artigos e livros publicados, mas incapazes de transmitir "a chama sagrada" (exagerei na imagem, né não?) a seus alunos - na minha opinião, são inadequadamente chamados de professores. Esses "alguns" ou são deslumbrados demais com sua própria trajetória ou são simples burocratas da docência.

* É claro que tive outros ótimos professores na FALE/UFMG - Hugo Mari, Sueli Pires, Murilo Marcondes de Moura, Jussara Santos, Antonio Orlando, Lúcia Castello Branco. Estou falando dessas duas porque estão mais diretamente relacionadas com o assunto da postagem.

** "Ainda não temos um Brasil literário, mas precisamos continuar lutando por isso". Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 17, n. 102, nov./dez. 2011, p. 5-10

BG de Hoje

Não sou nem de longe um fã ardoroso, mas gosto muito de R.E.M. A primeira canção da banda que ouvi foi Orange Crush e que até hoje me agrada muito.