Há textos não-ficcionais de inigualável beleza. Tenho certeza de que, ao longo de sua formação como leitor, você se deparou com exemplares desse tipo. No meu caso, A ciência como vocação*, de Max Weber, ocupa o primeiro lugar entre os escritos - fora da Literatura - que mais me emocionaram.
Como se sabe, A ciência como vocação foi originalmente apresentado, na forma de conferência, a alunos do curso de Economia, na Universidade de Munique, e publicado um ano antes da morte de Weber, ocorrida em 1920. Esse dado é importante na medida em que serve para atestar que o autor alemão o escreveu no auge de sua experiência, como pensador e cientista.
Seu escrito foi muito mais do que uma palestra para estudantes. De acordo com o historiador John Patrick Diggins, autor de um bom ensaio biográfico sobre o sociólogo**,
"A conferência de Weber era tanto sobre educação quanto sobre ciência, particularmente sobre a escolha de uma carreira universitária; ao final, ela se torna um discurso filosófico sobre o crepúsculo da razão e de antigas verdades que perderam a validade. Como uma espécie de sermão, ela também adverte os estudantes para praticarem a neutralidade de valor, para não julgarem o que eles ainda têm que entender, e, ao mesmo tempo, para se pautarem pelos padrões mais elevados da integridade intelectual".
Para além de seu conteúdo - que julgo extraordinário - A ciência como vocação tem o mérito de conjugar, num mesmo discurso, a análise sociológica, a sofisticação filosófica e o diálogo com a Literatura. Vejamos, por exemplo, este trecho em que Weber reflete sobre a especialização, inerente ao atual estágio do conhecimento formal:
"Nosso próprio trabalho deve, inevitavelmente, continuar altamente imperfeito. Somente pela especialização rigorosa pode o trabalhador científico adquirir plena consciência, de uma vez por todas, e talvez não tenha outra oportunidade em sua vida, de ter realizado alguma coisa duradoura. Uma realização verdadeiramente definitiva e boa é, hoje, sempre uma realização especializada. E quem não tiver a capacidade de colocar antolhos, por assim dizer, e chegar à ideia de que a sorte de sua alma depende de fazer ou não a conjetura correta, neste trecho deste manuscrito, bem pode manter-se longe da ciência. Jamais terá o que podemos chamar ' de experiência pessoal ' da ciência. Sem essa estranha embriaguez, ridicularizada por todos os que vivem fora do ambiente; sem esta paixão, esta afirmação de que ' milhares de anos devem passar antes que ingresseis na vida e milhares mais esperam em silêncio ' - segundo se tenha ou não êxito em fazer essa conjetura; sem isso não haverá vocação para a ciência e seria melhor que vos dedicásseis a qualquer outra coisa. Pois nada é digno do homem como homem, a menos que ele possa empenhar-se na sua realização com dedicação apaixonada".
Volto à conferência, destacando outros pontos, nas próxima postagens.
* Há muitas traduções deste texto de Weber disponíveis em língua portuguesa. As citações presentes nessa postagem (e nas próximas desta série) foram retiradas de GERTH, H. H.; WRIGHT MILLS, C. (Org.) Max Weber: ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1963 (a tradução é de Waltensir Dutra). Encontrei, on line, esta outra tradução, em arquivo PDF: clique aqui (Acesso em 22/06/2009)
** DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999
Como se sabe, A ciência como vocação foi originalmente apresentado, na forma de conferência, a alunos do curso de Economia, na Universidade de Munique, e publicado um ano antes da morte de Weber, ocorrida em 1920. Esse dado é importante na medida em que serve para atestar que o autor alemão o escreveu no auge de sua experiência, como pensador e cientista.
Seu escrito foi muito mais do que uma palestra para estudantes. De acordo com o historiador John Patrick Diggins, autor de um bom ensaio biográfico sobre o sociólogo**,
"A conferência de Weber era tanto sobre educação quanto sobre ciência, particularmente sobre a escolha de uma carreira universitária; ao final, ela se torna um discurso filosófico sobre o crepúsculo da razão e de antigas verdades que perderam a validade. Como uma espécie de sermão, ela também adverte os estudantes para praticarem a neutralidade de valor, para não julgarem o que eles ainda têm que entender, e, ao mesmo tempo, para se pautarem pelos padrões mais elevados da integridade intelectual".
Para além de seu conteúdo - que julgo extraordinário - A ciência como vocação tem o mérito de conjugar, num mesmo discurso, a análise sociológica, a sofisticação filosófica e o diálogo com a Literatura. Vejamos, por exemplo, este trecho em que Weber reflete sobre a especialização, inerente ao atual estágio do conhecimento formal:
"Nosso próprio trabalho deve, inevitavelmente, continuar altamente imperfeito. Somente pela especialização rigorosa pode o trabalhador científico adquirir plena consciência, de uma vez por todas, e talvez não tenha outra oportunidade em sua vida, de ter realizado alguma coisa duradoura. Uma realização verdadeiramente definitiva e boa é, hoje, sempre uma realização especializada. E quem não tiver a capacidade de colocar antolhos, por assim dizer, e chegar à ideia de que a sorte de sua alma depende de fazer ou não a conjetura correta, neste trecho deste manuscrito, bem pode manter-se longe da ciência. Jamais terá o que podemos chamar ' de experiência pessoal ' da ciência. Sem essa estranha embriaguez, ridicularizada por todos os que vivem fora do ambiente; sem esta paixão, esta afirmação de que ' milhares de anos devem passar antes que ingresseis na vida e milhares mais esperam em silêncio ' - segundo se tenha ou não êxito em fazer essa conjetura; sem isso não haverá vocação para a ciência e seria melhor que vos dedicásseis a qualquer outra coisa. Pois nada é digno do homem como homem, a menos que ele possa empenhar-se na sua realização com dedicação apaixonada".
Volto à conferência, destacando outros pontos, nas próxima postagens.
* Há muitas traduções deste texto de Weber disponíveis em língua portuguesa. As citações presentes nessa postagem (e nas próximas desta série) foram retiradas de GERTH, H. H.; WRIGHT MILLS, C. (Org.) Max Weber: ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1963 (a tradução é de Waltensir Dutra). Encontrei, on line, esta outra tradução, em arquivo PDF: clique aqui (Acesso em 22/06/2009)
** DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999