quarta-feira, 18 de março de 2009

Mongólia, de Bernardo Carvalho



Beth Brait, na edição de fevereiro/2009 da revista Língua Portuguesa (Ed. Segmento, ano 3, nº 40), fez uma breve análise do romance Mongólia, de Bernardo Carvalho (Ed. Companhia das Letras, 2003), e observou que:

"Muitos aspectos concorrem para a construção da obra: das diferenças entre Oriente e Ocidente, China e Brasil, a minúcias vistas nas letras, que identificam (ou confundem?) os diferentes registros dos narradores da emaranhada trama, do mistério a ser desvendado verbo-visualmente, dos sentidos a serem perseguidos e (re) construídos. Um autêntico mapa da mina".

Nessa postagem, entre tudo o que indica Beth Brait, me concentrarei na alternância dos narradores.

Em Mongólia (diferentemente do que ocorre em Nove Noites), o emprego de narradores diferentes sustenta e dá organicidade à trama, desde seu início.

O primeiro desses narradores (o diplomata aposentado) é o responsável pela "costura" do que dizem os outros dois (o Ocidental e o desaparecido), apesar da antipatia inicial em relação a um deles (para o diplomata, o Ocidental "dizia o que pensava, ainda que fosse uma bobagem" e que "falar asneiras" era uma "tentativa perturbada" de procurar compreender uma cultura com a qual não estava familiarizado - no caso, a cultura chinesa). Vale lembrar que o diplomata aposentado é o único dos narradores a assumir explicitamente a pretensão de ser escritor.

O Ocidental e o desaparecido são os responsáveis por aquilo que, na falta de expressão melhor, eu chamaria de "relatos de viagem", através de seus diários. O diplomata inclusive ressalta a semelhança - não imediatamente perceptível - entre os dois registros (e das duas personagens):

"Parecia que eu estava ouvindo a mesma pessoa. De alguma forma, o desaparecido e o Ocidental tinham uma afinidade sinistra nas suas ideias etnocêntricas. A diferença, como eu acabaria entendendo, era que o desaparecido ainda tentava tratar o mundo como aliado. Era mais ingênuo ou otimista. O Ocidental não fazia esse esforço. O desconforto o levava a assumir com naturalidade o papel de adversário. Debatia-se com o mundo".

E as impressões destes dois narradores, ao visitarem um país, para nós ocidentais (particularmente brasileiros), tão diferente, ajudam a tonificar o romance. Em determinado momento, no meio da paisagem desértica do país asiático, o Ocidental, cuja missão era encontrar o desaparecido, entrega os pontos:

"Como de hábito, não há ninguém em lugar nenhum. Não sei o que estou fazendo aqui. Não faço a menor ideia de como poderei encontrar o rapaz. É como se o estivesse procurando no planeta errado".

A história vai se precipitando, como num processo de decantação, aos poucos, e quando menos o leitor espera - BAM! - o livro, intentado pelo diplomata aposentado que começa a narrativa, já está de vento em popa.

Um fotógrafo que não deixa fotografias; o desconhecimento do idioma como fonte de desconfiança e zona de perfídia; a história de uma região do mundo, submetida, em períodos de tempo alternados, ao controle comunista de feitio soviético e à forte influência budista (neste livro, corajosamente criticada); são esses alguns outros aspectos que tornam Mongólia um livro altamente denso. Denso e excelente.