terça-feira, 15 de outubro de 2013

Em defesa da autoridade dos professores



"O problema da educação no mundo moderno está no fato de que, por sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição".

Hannah Arendt

 
No conto O professor de inglês*, Luiz Vilela nos mostra como a figura do educador pode perpetuar-se na memória dos educandos. E, no caso dessa narrativa, negativamente. O professor, "um sujeito pequeno, com alguns cabelos ralos na cabeça e uma cara de rato", realiza arguições constantes na classe, "tomando a leitura" de um e outro. Com sadismo, humilha e destrata os estudantes. A propósito: já fui aluno de um sujeito assim aos 11 anos. Só que a sua matéria era a matemática. Mas voltemos ao conto. Após a aula, uma dupla de alunos - veterano e novato - conversa. O primeiro diz que "a gente se acostuma" com a rispidez de Godofredo (o nome do professor de inglês). O outro retorque: "Eu nunca me acostumarei com isso" e acha que "Godofredo devia estar num hospital". O colega tenta amenizar: "um dia você vai achar graça disso". E a narrativa termina assim: "Eu nunca vou achar graça disso, nem vou esquecer. Eu nunca vou esquecer disso".

Os professores têm grande responsabilidade, mesmo que alguns não se deem conta dela. O modo como agem ou como se expressam ainda marca a vida de muitas crianças e jovens, com reflexos ulteriores na fase adulta desses indivíduos. No conto mencionado acima, a lembrança será péssima, mas, em inúmeras vezes, o traço deixado pelos professores é positivo (e indispensável), a despeito da desvalorização profissional e do desprestígio social que acometem esses trabalhadores, problemas particularmente agudos no caso da sociedade brasileira.

Os professores estão perdendo sua autoridade, lamentavelmente. Luiz Vilela retrata, com seu O professor de inglês, uma pessoa desejosa de exibir mando e controle sobre os outros. Mas não é disso que estou falando ao preocupar-me com a perda da autoridade dos professores. Penso, a esse respeito, em Hannah Arendt**. Para a filósofa teuto-americana, todos os adultos - e para os professores isso é ainda mais significativo - são representantes do mundo diante daqueles que a este acabaram de chegar, ou seja, as crianças. Assim, cada adulto, na condição de educador desse indivíduo recém-chegado, "deve assumir a responsabilidade [pelo mundo], embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é".

Com os professores, "essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade"; esta não se confunde com as qualificações profissionais (embora sejam importantíssimas):

"A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo. Face à criança, é como se ele fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança - Isso é o nosso mundo".

Para Arendt (e concordo inteiramente com ela), na crise moderna da educação, o professor exerce o complicado "ofício de servir como mediador entre o velho e o novo, de tal modo que sua profissão lhe exige um respeito extraordinário pelo passado". Mas o diálogo se torna difícil com os estudantes, pois estes quase sempre estão voltados exclusivamene para o presente.

Se vivemos num mundo em que a autoridade e a tradição estão abaladas, "cumpre divorciarmos decisivamente" - diz a filósofa - "o âmbito da educação dos demais, e acima de tudo do âmbito da vida pública e política, para aplicar exclusivamente a ele um conceito de autoridade e uma atitude face ao passado que lhe são apropriados mas não possuem validade geral, não devendo reclamar uma aplicação generalizada no mundo dos adultos".

Com isso, Arendt propõe que exista uma autoridade própria à relação professor-aluno e que se esta não for preservada, a educação, como meio para conhecer e preservar o mundo, não acontecerá.

Por fim, distanciando-se de ralas ideias pedagógicas que assolam o ambiente educacional, declara que "a função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte do viver. Dado que o mundo é velho, sempre mais que elas mesmas, a aprendizagem volta-se inevitavelmente para o passado, não importa o quanto a vida seja transcorrida no presente".

A minhas/meus colegas professoras/es e às/aos grandes mestras(es) das(os) quais tive o privilégio de ser aluno em outras épocas, feliz Dia do Professor.

Na próxima postagem, escreverei sobre Eles eram muitos cavalos, romance não-convencional de Luiz Ruffato.
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* VILELA, Luiz. O professor de inglês. In: MACEDO, Adriano (Org.). Retratos da escola. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 27-35

** ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: _________. Entre o passado e o futuro. 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2011. p. 221-247 [Tradição de Mauro W. Barbosa]

BG de Hoje

Hoje haverá show do BLACK SABBATH aqui em BH. Não irei assisti-lo. Espero que os presentes possam contar com uma boa apresentação do grupo inglês. E que se incluam, nas canções a serem tocadas, as melhores, mesmo que não tenham virado hits. Como After Forever, do (subestimado) álbum Master of Reality (1971).