sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A megalópole e suas micro-histórias



"são paulo relâmpagos
(são paulo é o lá-fora? é o aqui dentro?)"


Luiz Ruffato - Eles eram muitos cavalos



A última Feira do Livro de Frankfurt (o mais tradicional evento do gênero no mundo) ocupou considerável espaço em alguns veículos de comunicação aqui no país (o Brasil foi a nação homenageada este ano). E para mim é bastante agradável quando as produções literárias e o mercado editorial tornam-se assuntos destacados na imprensa. Mas polêmica também não faltou nesses dias. Os organizadores do evento na Alemanha criticaram a reduzidíssima presença de escritores(as) negros(as) entre os artistas brasileiros enviados à Feira. Laurentino Gomes (autor da trilogia 1808, 1822 e 1889) atacou o grupo Procure Saber e a defesa que este faz da "biografia chapa-branca". O vice-presidente da República, Michel Temer, foi vaiado durante discurso de abertura. E falando nisso, Luiz Ruffato, cheio de razão, deixou em situação delicada outra representante do governo, a ministra da cultura Marta Suplicy, ao dizer, na fala inaugural da participação brasileira em Frankfurt, que o Brasil é palco de genocídio, impunidade, intolerância e de alta taxa de analfabetismo, acrescentando que a suposta democracia racial brasileira foi feita com estupros (discurso disponível na íntegra aqui).

Mesmo não conhecendo (ainda) toda a obra de Ruffato, já pude notar essa contundência de discurso demonstrada na Feira do Livro alemã em alguns de seus textos, como no prefácio da ótima antologia de contos (organizada por ele) Questão de pele: contos sobre preconceito racial. E também no livro que o projetou, nacional e internacionalmente, Eles eram muitos cavalos*, comprado há uns quatro anos, mas do qual resolvi falar só hoje.

Eles eram muitos cavalos, a meu ver, não é propriamente um romance (embora seja classificado assim, habitualmente). Não ocorre um entrelaçamento das diversas narrativas ali contidas (divididas em quase 70 seções/capítulos) para formar um enredo ou trama principal. Ainda assim, as micro-histórias existentes no livro, juntas, formam um painel a retratar um imenso centro urbano, nesse caso, a megalópole de São Paulo, numa terça-feira da semana do Dia das Mães; seus habitantes (os recém-chegados, os que sempre estiveram lá) são os personagens.

Eles eram muitos cavalos é duro, amargo; o bom humor é matéria ausente (o que me interessa, aliás). A forma como as narrativas são construídas, revelando uma expressividade às vezes mais próxima da poesia do que da prosa, alivia um pouco o peso dos dramas narrados.

Destacaria, entre as micro-histórias do livro, Chacina nº 41, na qual o crime é visto pelos olhos de um cachorro vira-lata; Nós poderíamos ter sido grandes amigos, um primor de construção narrativa; Uma copa, escrito a partir da descrição de um cômodo típico uma casa remediada brasileira; e Táxi, pois não poderia faltar um personagem tão representativo de uma grande cidade quanto o taxista.
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* RUFFATO, Luiz. Eles eram muitos cavalos. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 2007

BG de Hoje

A cidade de São Paulo é muito cantada, tanto ou mais do que Rio de Janeiro ou Salvador, locais também celebrados através da música popular. Uma das canções, falando sobre um ponto daquela cidade, de que mais gosto é Paulista, de Eduardo Gudin e J. C. Costa Netto, interpretada, abaixo, por VÂNIA BASTOS.