segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Política e (a)moralismo




No capítulo XV d' O Príncipe*, Nicolau Maquiavel diz haver 

"tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se deveria viver, que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria, do que o modo de se preservar; e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus". 

O pensador florentino não estava nem um pouco interessado na maneira ideal de se fazer política: seu intuito era falar sobre o jogo de poder real existente em seu tempo. Ao fazer isso, escreveu um livro - pequeno pelo número de páginas, mas grande pela influência na história do pensamento político - que, em 2013, chega ao quingentésimo aniversário de seu aparecimento, suscitando ainda muita discussão.

Um breve parêntese. Se há uma publicação que não me canso de elogiar é a Revista de História da Biblioteca Nacional. A edição de julho, então, não poderia ser melhor. Uma série de matérias destacando Maquiavel e sua obra (entre elas, uma curta entrevista com Quentin Skinner). Num dos artigos da revista, Flávia Roberta Benevenuto de Souza** considera que

"talvez a lição mais importante de Maquiavel para os governantes seja que as ações dos homens não se localizam nos extremos de uma moral. E por isso, os valores a que se submete o Estado também não podem se situar em pontos extremos. A virtude, expressão máxima dos valores cristãos, não serve ao Estado e não pode ser adotada como seu parâmetro moral. Da mesma forma, sua expressão contrária, o vício, conduz o governante ao fracasso".

A noção de virtude (virtù***) maquiavélica, completa Flávia R. B. de Souza, "difere desta lógica 'do bem e do mal' própria dos valores da tradição cristã e que fundamenta a perspectiva do 'dever ser'. Afastar-se do maniqueísmo moral para efetivar as ações políticas é uma atitude realista".

Tá, mas... e daí? Daí que quando ouço as pessoas criticarem o mundo da política, sobretudo a política institucional/profissional (congresso, governos - municipais, estaduais e federal -, deputados, partidos políticos, etc.), elas se atêm, na maior parte das vezes, apenas aos desvios morais dos indivíduos: "Sicrano é ladrão", "Beltrano é falso" e por aí vai.

Não que a moralidade seja destituída de valor dentro do mundo da política, mas, para mim, a grande mensagem que extraio do livro O Príncipe, a cada leitura, é a seguinte: no jogo pesado do poder, a moralidade não é uma questão primordial, (sorry!). E concentrar-se na questão moral é perder de vista o restante do jogo (que consiste em saber quem pode te sacanear menos).

Mais uma coisa. No capítulo XVIII, Maquiavel afirma que "os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro". Se você discorda dessa concepção de ser humano, O Príncipe é um livro inútil, só diz bobagens e deveria ser jogado no lixo. Mas se você não acha disparatada uma visão tão negativa dos indivíduos (e é o meu caso), percebe que todos somos passíveis de agir, dependendo das circunstâncias, do mesmo modo que os "ladrões" e "falsos" tão criticados por nós mesmos.

O mais incômodo nessa obra clássica é que ela nos indica que nossas noções comuns e partilhadas de certo e errado pouco significam quando se pensa no efetivo poder real. 
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* MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 [tradução de Lívio Xavier] (Coleção Os pensadores)

** SOUZA, Flávia Roberta Benevenuto de. Nem virtude, nem vício. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 8, n. 94, jul. 2013. p. 60-61

*** O termo virtù é geralmente mais usado pelos estudiosos da obra de Maquiavel, em detrimento de virtude, dadas as conotações religiosas associadas ao vocábulo em língua portuguesa.

BG de Hoje

Sempre que ouço essa canção (Diamonds and rust, de JOAN BAEZ) lembro-me do meu falecido irmão, alguém que gostaria de ter compreendido melhor.