quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Lei 10.639 completa 10 anos. O que dizer?


Culminância de um intenso e contínuo empenho de lideranças negras, participantes ou não do Movimento Negro organizado - a lei 10.639 (janeiro de 2003) foi a primeira a ser promulgada no governo Lula, após aprovação no Congresso (sua redação ficou a cargo dos deputados Esther Grossi e Ben-Hur Ferreira). Vale lembrar que pouco menos de um ano antes, já se havia estabelecido o Programa Nacional de Ações Afirmativas. Nesses dez anos de vigência da lei, podemos dizer que houve avanços contundentes, dentro das escolas, em relação à abordagem da questão etnicorracial e da afrodescendência? Nesta postagem, ao responder a questão, destacarei matéria especial publicada na edição deste mês da revista Raça Brasil*. E a publicação "concluiu que a luta contra a discriminação ainda esbarra na intolerância das pessoas".

Antes da matéria, porém, gostaria de incluir aqui o posicionamento de Edimilson de Almeida Pereira** porque expressa, a meu ver, a defesa que muitos (inclusive este blogueiro) fazem da validade e da necessidade de uma lei como essa:

"A inclusão de temas referentes às culturas africanas e afro-brasileiras nos currículos escolares representa, em primeira instância, o estabelecimento de políticas afirmativas que permitem à sociedade brasileira reconhecer sua dívida para com os africanos e seus descendentes. Contudo, as disposições da Lei 10.639 vão além desse aspecto, ou seja, na medida em que ela se destina a promover a justiça social, demonstra que a sociedade e o Estado brasileiros iniciaram - ainda que com atraso - uma revisão profunda dos valores que elegeram como legitimadores de suas estruturas".

Os currículos escolares ainda são a "cartilha ideológica" que ocasiona "situações nas quais os afrodescendentes são constrangidos em função de sua procedência sociocultural". Ainda assim, prossegue Pereira, "a escola e os currículos apresentam instâncias propícias aos debates e às ações que poderão levar à superação das referidas situações de discriminação". Daí a importância da lei.

Voltemos agora à matéria da revista Raça Brasil. Nesta, há uma profusão de gráficos com dados estatísticos oriundos da PNAD (Pesquisa nacional por amostra de domicílios) e do Censo, ambos levantamentos feitos pelo IBGE. E o que os dados mostram?

A rede pública de ensino (básico) - na qual atua este blogueiro, a propósito - tem maior número de estudantes negros. Se no ensino fundamental a taxa de frequência entre brancos e negros é quase a mesma, ela cai significativamente no ensino médio (60% para brancos e 45,3% para negros) e, no ensino superior, a diferença é gritante (21% para brancos e 9,1% para negros). Ainda sobre o ensino superior: em 2005, 85% dos estudantes que frequentavam a pós-graduação eram brancos, enquanto apenas 15% eram negros, pardos ou indígenas.

Os dados mostram que a escola pública fundamental tem um alunado majoritariamente negro, mas nas passagens de um nível de ensino para outro, a frequência dos negros cai bastante. Temos ou não um sistema educacional excludente?

O que dizer sobre os 10 anos da Lei 10.639/03? A Lei parece ainda não ter "pegado", como se costuma dizer neste país. Tenho observado que a sua aplicação não foi encampada pelas unidades escolares como um componente imprescindível de seu projeto político-pedagógico. Para que o conteúdo da lei faça parte do cotidiano da escola, na maioria das vezes, há a dependência de que um ou mais indivíduos, pessoalmente envolvidos com a questão etnicorracial (por serem negros ou por outro motivo), mobilizem-se, tentando atrair outros profissionais ou membros da comunidade escolar. Quando não se conta com um indivíduo ou grupos de indivíduos assim, muitas escolas simplesmente deixam de cumprir a lei.

A matéria da revista Raça Brasil lembra que "o modelo atual de educação produziu uma sociedade que em 2006 tinha 74,5% de todos os cargos de gerência e direção ocupados por pessoas brancas, de acordo com a PNAD daquele ano". Para buscar corrigir desigualdades como essa é necessário fazer com que as escolas cumpram a Lei 10.639/03.

* Presença do negro na educação. Raça Brasil, São Paulo, ano XVII, n. 182, set. 2013. p. 36-45 [a matéria é assinada por Renato Bazan]

** PEREIRA, Edimilson de Almeida. Malungos na escola: questões sobre culturas afrodescendentes e educação. São Paulo: Paulinas, 2007.

BG de Hoje

Já me vali algumas vezes de canções para discutir aspectos da questão etnicorracial nas escolas em que trabalhei. Uma delas, de que gosto muito é  Todo camburão tem um pouco de navio negreiro, d' O RAPPA.