quinta-feira, 2 de maio de 2013

Literatura: "herança frágil"


Reproduzi, dias atrás, trecho de entrevista dada pelo crítico literário Tzvetan Todorov. Seguem outras palavras do pensador búlgaro (e cidadão francês):

"Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. Não creio ser o único a vê-la assim. Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam: a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano".

Esse excerto encerra o prefácio de um dos livros mais acessíveis de Todorov, A literatura em perigo*. Cada um dos capítulos pode ser lido independentemente, pois são pequenos ensaios. Nestes, o autor discute a forma como se costuma ensinar e estudar Literatura ("Na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos"); apresenta primorosas observações no campo da Estética; e realiza uma micro-história das concepções envolvendo a arte literária. A literatura em perigo também é uma espécie de "acerto de contas" do pensador com o método formalista/estruturalista do qual ele foi um dos representantes. Passagens autobiográficas ao longo do livro não retiram o interesse pelos pontos de vista do ensaísta.

O autor tem em mente, nesse trabalho, o "leitor comum, que continua a procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua vida. [e que] tem razão contra professores, críticos e escritores que lhe dizem que a literatura só fala de si mesma ou que apenas pode ensinar o desespero".

Para Todorov, tal

"como a filosofia e as ciências humanas, a literatura é pensamento e conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos. A realidade que a literatura aspira compreender é, simplesmente (mas, ao mesmo tempo, nada é assim tão complexo), a experiência humana. Nesse sentido, pode-se dizer que Dante ou Cervantes nos ensinam tanto sobre a condição humana quanto os maiores sociólogos e psicólogos e que não há incompatibilidade entre o primeiro saber e o segundo".

E como a Literatura "não formula um sistema de preceitos", tem um função inigualável entre os conhecimentos de que dispomos: "As verdades desagradáveis - tanto para o gênero humano ao qual pertencemos quanto para nós mesmos - têm mais chances de ganhar voz e ser ouvidas numa obra literária do que numa obra filosófica ou científica".

Ao fim do livro, Todorov propõe outra finalidade para o ensino da Literatura: seu "espírito" deve ser conduzido pelo "grande diálogo entre os homens" promovido pelas obras ao longo do tempo, diálogo "do qual cada um de nós, por mais ínfimo que seja, ainda participa".

É essa a "herança frágil" que temos a transmitir.

* TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. 2 ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009 [tradução de Caio Meira]

BG de Hoje

Mike Mills, integrante do R.E.M., é um dos melhores baixistas da história do rock (acho eu). Suas linhas melódicas são limpas, parece violão. Repare no que ele faz no refrão de It's the end of the world as we know it, por exemplo. O cara é craque.