quinta-feira, 16 de maio de 2013

A poesia menor (e uma pisada na bola)

"Sou poeta menor, perdoai!"

Manuel Bandeira, em Testamento*



Ao falar de poesia, na última postagem, lembrei-me de um artigo de Antonio Candido lido recentemente, mas publicado pela primeira vez em 1944, no jornal Folha da Manhã**, em que o crítico literário se propõe a pensar na seguinte questão: "será pejorativo o qualificativo de poeta menor?"

Para Candido, desde o Simbolismo, a poesia foi diminuindo (de tamanho e de enfoque). Escreve ele:

"Ora, sem entrar no momento em julgamento de valor, o que é incontestável é que estas tendências todas encorajaram sobremaneira a poesia chamada menor; a poesia lírica dos simbolistas, dos intimistas, dos surrealistas, que se nutre de momentos excepcionais, e emoções raras, comunicáveis num pequeno número de versos; a poesia de associações raras, de meios tons, de elipses, de obscuridades, de notação essencial - que chega às vezes a parecer um convite a Sherlock Holmes".

E completa:

"O poeta põe de lado as aspirações ambiciosas de antes - os poemas épicos, as longas tentativas em que a inteligência organiza o poema e o dirige num sentido de totalização da experiência intelectual e afetiva - para ficar no jardim requintado ou limitado do lirismo de fôlego curto".

Após o Modernismo, escrever poemas tornou-se, segundo Candido, "uma luta contra o nexo lógico e, consequentemente, contra o caráter discursivo do poema". A seu ver - e concordo com ele - a maioria dos poetas brasileiros encaixa-se na categoria dos poetas menores. Entretanto, isso não quer dizer inferioridade: "há magníficos poetas menores - dos mais altos dentre os modernos - e péssimos poetas maiores".

O crítico lamenta, contudo, que essa preponderância dos poemas curtos, produzidos a partir do "lirismo intimista" e da "notação rápida, o despojamento excessivo", impedem que o texto poético atinja uma "visão ampla da vida".

Ah, e mesmo um intelectual do porte e com a credibilidade de Antonio Candido dá tremenda pisada na bola, fazendo observação machista, ao defender a importância da poesia dita maior:

"É claro que a poesia menor deve subsistir, mas é preciso que a poesia maior não se afunde. É necessário que os poetas se compenetrem de que o requinte e o despojamento devem ser entendidos em termos, como uma supressão daquilo que for prosaico e acessório no poema, mas nunca como uma proclamação da elipse e da notação sintética em detrimento das formas longas, aquelas em que o espírito se espraia em meditação sobre o homem e seus problemas, ou em que descreve, narra, ataca. Reduzir a poesia ao lirismo abreviado é desvirilizá-la. Não é a toa que às mulheres só são acessíveis os gêneros poéticos menores". [grifo meu]

Talvez por ser muito mais um leitor de prosa do que poesia, prefiro a poética mais discursiva, que desempenha "papel de ligação e de esclarecimento" entre os sujeitos - autor/leitor - e o mundo.

Na próxima postagem, tratarei de um conto de Jean-Paul Sartre.
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* BANDEIRA, Manuel. Testamento. In: ___________. Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 181-182 [Esse poema foi originalmente publicado em 1940, na Lira dos cinquent'anos, acrescentada às Poesias completas, lançadas na mesma época]

** CANDIDO, Antonio. Notas de crítica - Sobre poesia. In: ___________. Textos de intervenção. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2002. p. 129-134 [seleção e notas de Vinícius Dantas]

BG de Hoje

Junção curiosíssima de reggae e rock, Ain't it strange demonstra que PATTI SMITH, nos anos 1970, já enxergava muito além dos limites musicais do punk, nascente naquele período e do qual a artista foi uma das porta-vozes mais brilhantes.