segunda-feira, 18 de março de 2013

O Eu na era digital: qual o futuro da vida privada? (I)

"Ao longo da última década, a rede mundial de computadores tem dado à luz um amplo leque de práticas que poderíamos denominar 'confessionais'. Milhões de usuários de todo o planeta - gente 'comum' precisamente como eu e você - têm se apropriado das diversas ferramentas disponíveis on-line, que não cessam de surgir e se expandir, e as utilizam para expor publicamente a sua intimidade. Gerou-se, assim, um verdadeiro festival de 'vidas privadas', que se oferecem despudoradamente aos olhares do mundo inteiro. As confissões diárias de você, eu e todos nós estão aí, em palavras e imagens, à disposição de quem quiser bisbilhotá-las; basta apenas um clique do mouse. E, de fato, tanto você como eu e todos nós costumamos dar esse clique".

Paula Sibilia - O show do eu

Há algum tempo, mantive um perfil no Facebook no qual advertia os "amigos" adicionados do meu hábito costumeiro de ocultar históricos (excluir do feed de notícias) por completo. Ou seja, simplesmente não lia nem acompanhava nada que fosse postado ou compartilhado pelo sujeito cujo histórico ocultei. E lembrava a todos que eles tinham o direito de fazer a mesmíssima coisa em relação ao meu próprio histórico. Por que adotei esse hábito (e ainda adoto, num novo perfil)? Porque, em meio a itens publicados muito instigantes e outros mais espontâneos, mas não menos interessantes, há dezenas e dezenas de vulgaridades repetitivas, humorismo de segunda mão, recados indiscretos e grotescos, além de mostras de estupidez envernizadas com citações fora de contexto - a maioria de autoria questionável - com o rasteiro intuito de se fazer passar por culto.

Mas o pior são os inúmeros relatos banais - a viagem "incrível" pra São José do Piancó; o jogo de casados e solteiros disputado no último fim de semana; ou o "imperdível" show da dupla Lelé de Navarro e Cipriano, etc. Tudo, é claro, acompanhado de fotos (muuuuitas fotos) enjoativas até a medula, demonstrando que o narcisismo e o cabotinismo parecem não vexar mais ninguém nestes tempos internéticos.

Comecei a olhar ainda mais criticamente as chamadas redes sociais depois de ler o brilhante trabalho da antropóloga Paula Sibilia, intitulado O show do eu: a intimidade como espetáculo *.

O livro, a meu ver, tem, um objetivo amplo: entender melhor as atuais formas de ser e estar no mundo, discutindo como se manifesta a subjetividade na web, no estágio vigente do capitalismo (sob o ponto de vista de uma estudiosa da área da Comunicação, claro). Para tanto, a autora buscará , entre outras coisas, "desnaturalizar as novas práticas comunicativas. Algo que só será possível se desnudarmos suas raízes e suas implicações políticas".

No final do capítulo introdutório, Paula Sibilia escreve:

"A rede mundial de computadores se tornou um grande laboratório, um terreno propício para experimentar e criar novas subjetividades: em seus meandros nascem formas inovadoras de ser e estar no mundo, que por vezes parecem saudavelmente excêntricas e megalomaníacas, mas outras vezes (ou ao mesmo tempo) se atolam na pequenez mais rasa que se pode imaginar".

Pessoalmente, tenho a pretensão de tentar escapar do atoleiro (pelo menos na maior parte do meu tempo de uso da web). O livro O show do eu será o tema principal da nova série de postagens.

* SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.


BG de Hoje

Não me pergunte o porquê, mas acho a canção A verdadeira Mary Poppins, do TITÃS, inteiramente afim com o assunto da postagem. OBS: Essa canção faz parte do último disco decente do grupo paulistano: Titanomaquia (1993).