sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Algumas notas sobre a educação escolar contemporânea, por Jean Hébrard



Jean Hébrard é um dos poucos intelectuais contemporâneos, do campo da Educação, que me interessam. NOTA: Penso que já passou da hora de darmos mais voz aos professores que botam a mão na massa e menos trela aos tecnocratas e "pensadores" descompromissados quando se discutem os problemas das instituições escolares. Há mais de 10 anos, o francês concedeu uma sensacional entrevista para a revista Presença Pedagógica*, na qual defende pontos de vista que se distanciam da lengalenga típica dos discursos relativos à área educacional. Reproduzo abaixo alguns trechos da conversa - extensos; rogo a paciência do(a) eventual leitor(a). Não analisarei nem discutirei, por ora, nenhum deles; deixo-os "cozinhando" na cabeça de quem aqui chegar (e se interessar, obviamente).
(OBS: Todos os grifos são meus)

"Não é possível montar apenas com a vontade uma escola diferente. A escola é um processo tão complexo, mas tão complexo que é impossível, apenas com a vontade, mudá-la. Você herda os dispositivos, e para modificar um pouquinho esses dispositivos é preciso saber muito bem como funcionam. Penso que a única forma de intervenção é a descrição da escola. Se você é capaz de descrever bem o que acontece na escola, o que é a escola, você é capaz de mudá-la um pouquinho. Essa capacidade de descrição é fundamental, porque a coisa mais importante na vida da escola é a repetição, a repetição permanente".

"São poucos os dispositivos [explicarei o termo noutra postagem] que podem funcionar na escola numa situação na qual você tem um sujeito em frente a quarenta, cinquenta alunos, em um tempo organizado com um ritmo particular, com a restrição do desenvolvimento mental do aluno, da idade do aluno... São poucos os dispositivos capazes de funcionar dentro desse modelo, dentro dessa quantidade de restrições".

Aqui Hébrard faz suas observações a partir das pesquisas do sociólogo François Dubet:

"Seu trabalho revela que os adolescentes estão na escola não para aprender, mas para viver a cultura deles [...] Para eles, a cultura escolar é um preço a pagar para viver, juntos, essa realidade, essa sociabilidade que é da juventude".

Sobre o fracasso da escola:

"O fracasso da escola é a sua incapacidade de trabalhar, de uma maneira escolar, a cultura 'selvagem'. Para Labov a cultura 'selvagem' era a cultura dos guetos, dos negros dos Estados Unidos. Para nós, era a cultura da periferia urbana. A questão era como trabalhar e, talvez, se possível, escolarizar essa cultura estranha [...] Porque essa cultura é a vida deles. Não é um sistema estético-ético, é a vida mesma. A vida não é um objeto para a escola. O objeto da escola é a cultura, não é a vida. Você não pode trabalhar com a vida, a vida viva. A vida não serve para trabalhar. Na escola, é preciso haver um objeto fixo, que não mude demais. Não é a vida. A vida é impossível.

"A questão é como fazer da transmissão do patrimônio algo que possa interessar a essa cultura 'selvagem'. Como fazer? O grande desafio de hoje é reiventar uma escola que seja capaz de assumir uma posição adulta. Porque toda a geração dos professores dos anos 70 e 80 foi uma geração de professores crianças, que não aceitava mais assumir a posição da antiga geração. Cada vez mais concordo com a posição de Hannah Arendt, na Crise da cultura [sobre a qual escreverei mais adiante, partindo de outra obra dessa filósofa]; a função da escola é assumir a posição do passado, não a posição do futuro, porque o futuro é a invenção da nova geração. Não pode ser a invenção da geração precedente. Para que a nova geração possa inventar o futuro é preciso que a antiga geração - nós, os professores - assuma a posição do passado".

"O problema educativo que temos na França, e imagino que seja semelhante no Brasil, em todas as classes sociais, é que os adultos são incapazes de assumir a posição de adultos diante das crianças. As crianças não são capazes de aceitar a disciplina da escola. O que é a disciplina da escola? É preciso um trabalho muito, muito grande no presente. E isso só é possível quando, na educação familiar, os adultos não são crianças. Eu penso que, hoje, é mais difícil usar a escola do que foi no século passado. Poderíamos pensar que a escola do século XXI não seja mais uma escola, que seja preciso inventar um outro dispositivo para transmitir o patrimônio cultural. Para construir os equipamentos intelectuais dos alunos, a escola não é a única possibilidade, são muitas as possibilidades".

Quando instado a pensar sobre uma utopia escolar, Hébrard diz:

"Penso que a escola do futuro poderia ser um sistema muito diferente, muito restrito, com poucos anos. Uma formação imediata: ler, escrever, contar, falar. Depois, trabalho. Para todos. É preciso inventar uma sociedade que seja capaz de fazer os adolescentes trabalharem - o caso francês é bem diferente do brasileiro - introduzindo-os na vida da cidade. Depois, a escola seria um sistema permanente de educação, até o fim da vida, e nós, professores, seríamos capazes de ensinar a essas pessoas na condição de adultos e não mais de alunos. E com adultos até o fim da vida. Por quê? Porque o que é importante na escola não é a formação. Bom, onde se dá a formação? No trabalho".

E falando sobre o papel atual da escola:

"Hoje, a escola continua essencialmente como um sistema de guarda. E a função de guarda se confunde com a função de formação. Aliás, a função de guarda é bem mais importante do que a função de formação. Para nós, na França, é bem evidente que quando uma escola está fechada por causa de uma greve de professores, o importante não é que haja alguns dias de aulas a menos, o importante é o que fazer das crianças. A sociedade não tem lugares próprios para as crianças. O problema central hoje é: como fazer com que as crianças tenham uma vida que não seja perigosa, ociosa, e, ao mesmo tempo, que não seja essa vida escolar absurda, em que se confunde a segurança da criança e a instrução. Eu penso que o grande problema da escola hoje é a confusão desses dois papéis, ou melhor, três: educação, porque a família não é mais capaz de educar; instrução, que é a função normal da escola; e guarda, porque a cidade não é mais um local adequado para uma infância livre. O que é mais importante na escola não é a instrução, é a vigilância. É um problema muito grande para nós essa confusão das funções da escola. A formação de um professor é uma formação muito longa, para fazer o quê? Guardar?

* O objetivo da escola é a cultura, não a vida mesma. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 6, n. 33, mai./jun. 2000, p. 5-17

BG de Hoje

Para "desestressar": "Então desencana/não generaliza/isso não vale a pena/não vai deixar isso te abalar /Deixa pra lá /Esquece e abstrai/Releva e põe uma pedra em cima disso aí e vai".Os ótimos, diretos e econômicos AUTORAMAS, em Abstrai, ironizando todos os conselhos idiotas que as pessoas costumam dar. Do último disco da banda, Música crocante.