terça-feira, 11 de setembro de 2012

Marginalidade e crime: dois autores em destaque (I)


"Deve ser horrível, pensei, envelhecer e continuar acreditando que, no fim, as coisas podem acabar, de alguma maneira, dando certo"

De um personagem
do conto Na serra, fora dela, de Marçal Aquino



Estar na marginalidade não quer dizer, necessariamente, estar na criminalidade. Nosso linguajar do dia-a-dia, porém, não faz mais essa apropriada distinção e marginal tornou-se sinônimo de criminoso. Algo bastante revelador do modo de olhar, preconceituoso e discriminatório, dirigido por nossa sociedade ao pobre (ou seja, aquele colocado à margem pela voracidade do mercado e pela ineficiência das políticas públicas): aos despossuídos desta terra só restaria, como alternativa para mudar a sua condição, a delinquência. Um modo de olhar perverso, que leva a conclusões rasteiras e errôneas.

Enveredamos, assim, para o terreno da discussão sociológica: esta ficará, entretanto, para outra ocasião. Minha intenção agora é apenas observar como dois ficcionistas brasileiros - Marçal Aquino e Rubem Fonseca - tratam dessas questões em suas narrativas.

O trabalho de Marçal Aquino começou a me interessar desde quando  assisti ao ótimo filme O invasor (direção de Beto Brant, 2001), do qual Aquino é roteirista. Só depois fui atrás de seus livros, gostando principalmente de Faroestes *.

As 11 narrativas reunidas nessa publicação são denominadas pelo autor "prosa de confronto". De fato, este não falta. Menos brutal em Trincheiras - a primeira história, de um casal de velhos a cultivar um ódio mútuo - e mais violento e cru na maioria das outras: tiroteio da bandidagem num boteco; policiais em trabalho nada exemplar; lutadores fazendo bico como espancadores pagos; um ricaço estuprador de menores, vendidas pela própria família miserável.

Penso, contudo, que Dez maneiras infalíveis de arranjar um inimigo (para facilitar o trabalho do legista) seja o melhor texto do livro. Aquino conseguiu dar leves pinceladas de humor nalguns trechos, mesmo dentro de temática tão barra-pesada. Como no caso da "sexta maneira", em que um cansado vendedor de sapatos decide reagir à conversão tramada por sua esposa e pelo bispo da igreja evangélica da redondeza.

Mas é a "quinta maneira" que interessa mais de perto à discussão proposta nessa postagem. Dentro de uma "casa doente", onde "as palavras são duras e mesmo as gargalhadas soam ásperas", o narrador  reúne-se com alguns "chegados", um deles amigo de infância, de quem se recorda por ter sido "craque em matemática" e "bom em desenho" nos tempos da escola e hoje "é louco por remédio, qualquer um. Já tomou até comprimido do irmão epilético misturado com cachaça". Na "casa doente" combina-se a morte de um outro, por dívida de droga. O narrador recusa participar. Ao final da ação, um dos executores "diz que não é nada pessoal".

Sou um pessimista crônico: mesmo assim acredito que sempre existe a possibilidade de escolha. Isso não quer dizer, de modo algum, que há sempre uma boa alternativa disponível; na maioria das vezes, aliás, opta-se apenas pela desgraça menor. É o que acontece com quem vive na marginalidade. Por isso, recuperando a epígrafe colocada neste texto, não dá para "continuar acreditando que, no fim, as coisas podem acabar, de alguma maneira, dando certo". Para quem vive à margem, crer que vai dar certo não é só ingenuidade; é oferecer-se de bandeja ao inimigo.

Na próxima, escrevo sobre Rubem Fonseca.
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* AQUINO, Marçal. Faroestes. São Paulo: Ciência do Acidente, 2001

BG de Hoje

Tenho que dar o braço a torcer quando alguém critica a duração excessiva de algumas canções de rock pesado, do qual sou fã. O punk rock foi uma saudável reação a essa mania de grandeza. Mas anteriormente à revolução promovida por Ramones, Sex Pistols e companhia, os KINKS já interpretavam cada cacetada com pouco mais de 2 minutos... Por exemplo: Till the end of the day.