terça-feira, 1 de novembro de 2011

O jogo de Cortázar (2)


"Do sim ao não, quantos haverá? Tudo é escrita, ou seja, fábula. [...] A nossa verdade possível tem de ser invenção, ou seja, literatura, pintura, escultura, agricultura, psicultura, todas as turas deste mundo. Os valores, turas, a santidade, uma tura, a sociedade, uma tura, o amor, pura tura, a beleza, tura das turas".

Julio Cortázar - O jogo da amarelinha

Uma indicação valiosa de Rachel Nunes levou-me à leitura do ótimo ensaio Cânone literário e valor estético : notas sobre um debate de nosso tempo*, de Idelber Avelar (disponível aqui). Por questão de espaço, não vou discuti-lo por ora (mas certamente, voltarei a esse texto em outras oportunidades).

Para meu interesse momentâneo, gostaria de destacar duas passagens do ensaio. Ao falar do "caráter contingente" dos valores estéticos no campo da Literatura, Avelar observa que, "nos últimos trinta anos, nota-se uma acentuadíssima queda no capital cultural de um escritor que chegou a ser considerado um dos maiores do continente", referindo-se a Julio Cortázar.

E acrescenta:

"Uma determinada conjunção de fatores estéticos e políticos criou as condições para uma leitura celebratória de Cortázar nos anos 1960. A obra não parece ter renovado sua legibilidade depois daquele contexto (o que não quer dizer, evidentemente, que não possa vir a fazê-lo num momento futuro)".

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Provavelmente o último período da história recente em que a Política teve mais importância do que a Economia, a década de 1960 também foi um período caracterizado por produções literárias contestadoras da tradição narrativa ficcional (o livro de Cortázar foi publicado em 1963).

Cabe verificar se este é o caso da obra que estamos discutindo.

A leitura não linear para qual o livro convida o leitor ; o denso fluxo de raciocínios de Horacio Oliveira lançados "a seco" em cada página ; capítulos como o de nº 68 - em que se reproduz cena com as expressões inventadas entre a Maga e Oliveira - ou as linhas "morellianas" ; tudo isso, somado a outros elementos, está realmente distante do que se costuma encontrar no gênero romanesco. Penso, contudo, que não basta uma proposta de vanguarda para gerar boa prosa literária.

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Há um trecho no capítulo 4 que julgo necessário destacar (e peço desculpas ao(à) leitor(a) pois não era isso o que eu havia prometido na penúltima postagem).

Entre todos os integrantes do "Clube da Serpente" de Paris, a Maga (Lucía) não estava "impregnada" da intelectualidade característica dos outros membros - característica também dos amigos argentinos com os quais o protagonista conviverá na volta ao seu país natal.

Chamada até mesmo de burra, a Maga, no entanto, tinha sua própria maneira de interagir com o mundo:

" ' Fecha os olhos e acerta o alvo ', pensou Oliveira. ' Exatamente o sistema Zen de disparar o arco. Mas acerta no alvo simplesmente por não saber que esse é o sistema. Eu, em contrapartida... Toc toc. E a vida continua' ".

Será que os apreciadores de Literatura, os estudiosos, os literatos - e os intelectuais, por extensão - são (ou pior, tornar-se-ão) necessariamente tão chatos quanto o(s) narrador(es) de O jogo da amarelinha?

* AVELAR, Idelber. Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate de nosso tempo. Revista Brasileira de Literatura Comparada, São Paulo, vol. 15, p.113-150, 2009. Disponível em: <http://www.abralic.org.br/revista/2009/15/83/download> Acesso em 25 out. 2011

** CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. 11 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007 [tradução de Fernando de Castro Ferro]

BG de Hoje

Virou moda nos últimos 15, 16 anos regravar canções compostas por ERASMO CARLOS (algumas destas, resultado da parceria famosa com Roberto) ou, pelo menos, elogiar o trabalho do compositor/cantor carioca. Não sou fã do artista, mas gosto de algumas sacadas bem humoradas em seu trabalho, como, por exemplo, Mesmo que seja eu (do disco Amar pra viver ou morrer de amor, de 1982 - link para vídeo), que alcançou bastante sucesso também na voz de Marina Lima.