sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Arrebanhando gatos


"Na verdade, organizar ateus já foi comparado a arrebanhar gatos, porque eles tendem a pensar de forma independente e não se adaptar à autoridade [...] Embora não formem um rebanho, gatos em número suficiente podem fazer bastante barulho e não ser ignorados".

Richard Dawkins

 
 
Na última postagem, falei da importância histórica das religiões para o fortalecimento da leitura e da consolidação da cultura livresca em todo o mundo. Por isso, posso ter dado a impressão de ser adepto de alguma dessas doutrinas. Não sou, muito pelo contrário.

Durante bastante tempo, relutei em partir para o ateísmo militante. Explico: quando você milita por algo precisa, no mínimo, dispor-se a discutir com aqueles que têm convicções diferentes da sua. E eu acho que a discussão entre teístas e ateus prosseguirá até o Juízo Final (perdão, mas a piada foi irresistível...) e, provavelmente, perderei meu tempo - e minha paciência - entrando nela. Isso se não acontecer coisa pior.

Só que estou de saco cheio. Saco cheio de gente do meu convívio pensando que, por não acreditar em Deus, estou com alguma doença ou "problema emocional" ("coitadinho dele, depois passa"); saco cheio de gente me enviando mensagens indesejáveis - dentro e fora da Web -, fazendo proselitismo religioso na minha cabeça, quando, de minha parte, não saio por aí "pregando" meu ateísmo. E, extrapolando a esfera pessoal, estou profundamente preocupado em ver tantos "empresários da fé" comprando espaços na mídia (às vezes, adquirem até os próprios veículos), sejam jornais, emissoras de rádio ou TV, para disseminar preconceitos e desinformação. E não pouco decepcionado ao constatar como o debate público se empobrece, como ocorreu no 2º turno da eleição presidencial brasileira, quando, ao invés de se discutir política externa, relação entre os Três Poderes ou tributação, por exemplo, um candidato preferiu beijar símbolos religiosos e rezar o terço, enquanto a outra foi à missa e recebeu defesa, num jornal de grande circulação, que só faltou dizer que ela saiu de um convento direto para o pleito*.

Tenho fortes razões (e faço questão de destacar: razões) para assumir e agora professar, sempre que puder, meu ateísmo, mas menciono apenas duas, nessa oportunidade:

1) escapar da infantilidade inerente a toda crença religiosa. Como observou Sigmund Freud, em O futuro de uma ilusão**,

"Quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem a proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem teme, a quem procura propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção. Assim, seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico à sua necessidade de proteção contra as consequências de sua debilidade humana. É a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de reconhecer - reação que é, exatamente, a formação da religião".

2) problematizar o costume, no mínimo estranho e antidemocrático, de sempre se colocar a religião e a crença em Deus fora e acima de qualquer crítica. O biólogo Richard Dawkins, em Deus, um delírio***, sem não-me-toques, ataca esse privilégio:

"O cristianismo, tanto quanto o islamismo, ensina às crianças que a fé sem questionamentos é uma virtude. Não é preciso defender aquilo em que se acredita. Se alguém anuncia que isso faz parte de sua , o resto da sociedade, tenha a mesma fé, outra fé ou nenhuma fé, é obrigado, por costume arraigado, a 'respeitar' sem questionar, respeitar até o dia em que aquilo se manifestar na forma de um massacre horrendo como a destruição do World Trade Center ou os ataques a bomba em Londres ou Madri. Surge então um forte coro de reprovações, enquanto clérigos e 'líderes de comunidades' (quem os elegeu, aliás?) fazem fila para explicar que esse extremismo é uma perversão da fé 'verdadeira' . Mas como pode haver uma perversão da fé se a fé, por não ter justificação objetiva, não tem nenhum parâmetro demonstrável para ser pervertido?"

Recuperando agora a epígrafe da postagem, daqui do Besta Quadrada passo, eventualmente, a lançar também meus miados descrentes, disposto a engrossar o coral dos bichanos sem Deus.
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* BETTO, Frei. Dilma e a fé cristã. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 out. 2010, p. 3 (Caderno Poder). Sempre levo em consideração o que escreve Frei Betto, mas nesse artigo acho que ele errou a medida. Gerou até uma resposta por parte de Daniel Sottomaior, da ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos). O Antonio Cicero republicou no blog dele: http://antoniocicero.blogspot.com/2010/10/daniel-sottomaior-ateismo-e-cidadania.html

** FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. In: ___________. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 85-128 [tradução de José Octávio de Aguiar Abreu]

*** DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007

BG de Hoje

Gosto de alguns bateristas de estilos bem diferentes: Lars Ulrich (Metallica), Alex Van Halen (Van Halen), John Bonham (Led Zeppelin), Mike Bordin (Faith no More) e - para mim, o melhor deles - Stewart Copeland (THE POLICE). Copeland é absurdamente preciso. Comprove a competência do baterista em Spirits in the material world (do álbum Ghosts in the machine, de 1981)