quinta-feira, 29 de junho de 2017

Situando a poesia de Adélia Prado (I)


Não quero agourar e nem botar zica (até porque não acredito em nada disso). Mas com o falecimento de Manoel de Barros, em 2014, e o de Ferreira Gullar no ano passado, permaneceu apenas Adélia Prado como a grande poeta brasileira ainda viva.

E ao empregar o termo "grande poeta", este blogueiro, convenhamos, deixa o caminho livre para a controvérsia. A ela, pois.

Quando uma pessoa diz "fulana é uma graaande romancista" ou "beltrano foi um graaande cronista" geralmente manifesta uma reverência fajuta, apenas uma opinião emitida a partir daquilo que o cânone fixou ou do que a intelligentsia e os descolados julgam ser bom - vai olhar direito e a pessoa nunca leu nem sequer uma linha do trabalho de fulana ou de beltrano. Além do mais, qual(is) o(s) critério(s) para considerar alguém "grande" em Literatura? Ter escrito, sei lá, doze livros? Ter sucesso comercial/financeiro (fenômeno esporádico no meio literário, raro sobretudo no Brasil)? Ter recebido muitos prêmios? Ser objeto de uma fortuna crítica volumosa? Ter sua obra estudada na academia?

Como se percebe, afirmar que alguém foi ou é um grande romancista/contista/poeta/dramaturgo/cronista pode acabar não dizendo nada de muito relevante a respeito da escrita desse alguém. Contudo, não o considero um qualificativo vazio. Vou insistir nele. E para as modestas pretensões desta postagem, ao considerar que Adélia Prado é a grande poeta brasileira hoje, quero dizer com isso, principalmente, que, dos poetas há mais tempo na estrada vivos atualmente, ela é a mais popular. Pronto, mais controvérsia.

Imaginemos um desses levantamentos (chamados de "pesquisa de opinião"), realizados pelo IBOPE ou outras empresas do gênero, no qual constasse a seguinte pergunta: "Você saberia dizer o nome de um(a) poeta brasileiro(a) vivo(a) atualmente? Em caso afirmativo, cite o nome". Certo, certo, a questão poderia ser mais elegantemente formulada, mas acredito que o(a) eventual leitor(a) deve estar percebendo onde quero chegar.

Mesmo esclarecendo que se deveria citar pessoas vivas, estou certo de que muitos respondentes, no nosso levantamento hipotético, acabariam mencionando autoras e autores já falecidos, dada simplesmente a grande notoriedade destes ou, quando se tratar de poetas menos célebres, porque ouviu-se falar a seu respeito nalguma instituição de ensino frequentada pelo respondente (afinal, um grande número de pessoas - que têm milhões de outras coisas pra fazer - não está familiarizada com o cenário literário atual). Esse seria um dado importante de se compilar pois ajudaria, suponho, na elaboração de um panorama da recepção de poesia na sociedade como um todo, além de fornecer indícios sobre a atuação da escola (e da universidade, por que não?) como mediadora entre a produção poética contemporânea e o público que ainda está matriculado nela ou que passou por lá.

Contudo, claro, outros respondentes da nossa pesquisa hipotética conseguiriam citar poetas vivos(as). Sinto-me irresistivelmente propelido, porém, a dizer que a porcentagem desses últimos respondentes seria bem pequena. Não se tem encontrado muitos leitores de poesia por aí ultimamente ¹, sejamos francos (aliás, situação curiosíssima, é mais fácil achar escrevedores de versos do que leitores para estes; voltarei a esse tópico na próxima postagem).

Tudo isso me leva a formular a seguinte conjectura: considerando, segundo penso, que a leitura literária é praticada, de forma habitual e recorrente, apenas por uma minoria, a leitura de textos poéticos é algo ainda menos generalizado socialmente (aliás, não o é mesmo entre apreciadores de literatura; este blogueiro, por exemplo, tem muito maior inclinação para a prosa do que para a poesia). Por isso, quando digo que Adélia Prado é a mais popular, bem como a última dos grandes poetas vivos hoje quero dizer com tal afirmativa que ela provavelmente seria a mais mencionada num levantamento hipotético como o sugerido anteriormente. E popular aqui somente quer dizer "ter fama" - sem dúvida por possuir certa celebridade, mas trata-se de um renome, como tentei argumentar, circunscrito a um grupo minoritário na sociedade, formado pelos leitores contumazes de literatura.

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Não poderei prosseguir sem antes fazer algumas ressalvas importantíssimas.

Para os propósitos desta postagem, deliberadamente, parto de uma concepção não-abrangente (pode-se dizer até conservadora) do que vem a ser um poema: essa concepção restringe-se aos textos organizados em versos (mas contempla também a chamada prosa poética), destinados à leitura e publicados num suporte velho conhecido nosso - o livro de papel. Portanto, muitas criações envolvendo recursos sonoros e visuais, incrementados ainda mais com as atuais tecnologias, bem como algumas modalidades de arte performática - iniciativas que muitos outros não hesitariam, contemporaneamente, de tratar, se não como poemas, seguramente como formas de poesia para além ou mesmo independente do texto - escapam de minha reduzida capacidade de avaliação.

Acho oportuno também observar que é humanamente impossível, mesmo para pesquisadores extremamente comprometidos e ciosos de seu trabalho, dar conta da inumerável produção/publicação de poetas na web - e sendo assim, o que se pode esperar de um simples blogueiro metido a besta como eu? Quantos(as) poetas excelentes, cujos textos podem estar ao alcance de qualquer um com uns poucos cliques, ainda assim não conseguem atingir, em meio aos zilhões de conexões da internet, justamente aqueles leitores que saberiam apreciá-los? Desse modo, o exame da astronômica quantidade de poesia produzida e publicada na web está fora do meu estreito escopo analítico.

Ao pensar no poema como texto-em-versos-publicado-em-livro - uma concepção, como já reconheci, restritiva - excluo também de minha avaliação poetas excepcionais, cuja excelência está expressa em canções. É inimaginável não incluir nomes como os de Gilberto Gil, Aldir Blanc ou Chico Buarque entre os grandes poetas vivos do Brasil. E quanto ao maior de todos, Caetano Veloso? (Aqui, se me permite o(a) eventual leitor(a), cabe uma pequena digressão. O Nobel concedido a Bob Dylan no ano passado pela Academia Sueca é o maior reconhecimento de que letras de canções populares muitas vezes são verdadeiras joias literárias. E digo sem qualquer tipo de receio: Caetano Veloso é um poeta tão bom quanto Bob Dylan). Contudo, como salientei acima, dentro dos propósitos desta postagem, devo deixar de lado as letras de música, mesmo que para isso deixe de lado também um gênio como Caetano Veloso.

E por falar em letras de canções, é também por isso que deixarei de lado Antonio Cicero, escritor pelo qual tenho imensa admiração. Poeta (e filósofo), é provavelmente por suas parcerias musicais, todavia, que ele seja mais conhecido. Talvez, no levantamento hipotético do qual falávamos lá em cima, seu nome fosse muito lembrado, mas como desejo estabelecer uma "demarcação" ² ... Esse é o caso também de Arnaldo Antunes, cuja carreira musical precedeu e é mais destacada do que a literária.

Por fim, embora normalmente goste muito do que escreve Adélia Prado, tenho preferência por outros poetas vivos, como, por exemplo, Alexei Bueno, Roseana Murray, Régis Bonvicino e, como já falei, Antonio Cicero (autores bastante diferentes uns dos outros, vale notar). Ao situar Prado na posição de a grande poeta brasileira ainda viva (por ser a mais popular, tal como se pode ser popular com a circunscrição apontada anteriormente), estou tentando não me ater apenas aos meus gostos pessoais (algo de todo impossível, pois nem cogitei Augusto de Campos, cuja poesia não me agrada). Se estou redondamente enganado ou, pelo menos, não há desatino no que escrevi até agora, caberá ao(à) eventual leitor(a) julgar.

Na próxima postagem, finalmente observaremos textos de Adélia Prado - com especial atenção a dois deles: O alfabeto no parque e Sítio.

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¹ Para ser justo, não tenho como afirmar se numa outra época anterior lia-se mais poesia do que hoje (supondo-se, claro, que hoje se leia pouca poesia). Seria necessário empreender uma investigação nesse sentido, algo completamente fora das modestas pretensões deste blog  e da competência deste blogueiro. Quando afirmo não se encontrar muitos leitores de poesia parto, apenas e unicamente, de minhas observações pessoais.

² A demarcação é para permanecer no terreno exclusivo dos poemas publicados em livros de papel. Antonio Cicero, obviamente, publicou livros de poemas, mas como seu trabalho de letrista é bastante difundido, prefiro não tratar de sua obra poética nesse momento. Além do mais, já escrevi sobre ele aqui no blog noutras oportunidades.

BG de Hoje

Sou fã do jeitão anos-sessenta-setenta do grupo O TERNO. Gosto particularmente da canção Culpa, boa demais! E o que dizer da auto-ironia do clipe? Sobre essa opção pelo retrô (detesto essa palavra!), a auto-ironia e como as pessoas "consomem" música, vale a pena também ouvir 66.