terça-feira, 15 de julho de 2014

Arrepender-se por que, Lady Macbeth? (I)


Ao escrever na postagem anterior sobre O som e a fúria, de Faulkner, foi inevitável não lembrar de Macbeth, a tragédia shakepeareana que inspirou o título do livro do escritor norte-americano. Como se sabe, esse título está contido na antepenúltima cena da peça, no quinto e derradeiro ato, quando o protagonista fica sabendo da morte da esposa (e na iminência de uma batalha que resultará em derrota). Diz ele (utilizo a tradução de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes*):

"A vida nada mais é do que uma sombra que passa, um pobre histrião que se pavoneia e se agita uma hora em cena e, depois, nada mais se ouve dele. É uma história contada por um idiota, cheia de fúria e tumulto [' full of sound and fury ', no original], nada significando". [grifos meus]

Este texto, porém, não tratará do protagonista e sim de outra personagem: Lady Macbeth.

Rememoremos o enredo. Macbeth e Banquo retornam da guerra e passam por uma charneca (palavrinha bacana!), encontrando três feiticeiras que vaticinam o futuro reinado do primeiro; para o segundo, contudo, predizem que seus descendentes alcançarão a coroa, embora ele próprio não. Banquo resiste à tentação de antecipar a profecia; o outro general, por sua vez, intenciona matar o atual ocupante do trono, ainda mais com a ocasião favorável proporcionada pela visita do Rei Duncan ao castelo de Macbeth. Ao saber da pretensão do marido, sua esposa torna-se, de imediato, incentivadora e colaboradora decidida. Observemos, por exemplo, o que ela diz ao esposo quando este se mostra hesitante (cena VII, primeiro ato):

"Estava, então, ébria a esperança com que te ataviavas? Será que dormiu depois e acorda agora para contemplar, pálida e verde, o que soube contemplar tão arrogantemente? Desde este momento acreditarei tão frágil assim teu amor? Tens medo de ser o mesmo em ânimo e em obras que em desejos? Queres possuir o que estimas como ornamento da vida e viver como um covarde em tua própria estima, deixando que um ' não me atrevo ' vá atrás de um ' eu gostaria ', como o pobre gato do adágio?"

O provérbio mencionado (em latim) é Catus amat pisces, sed non vult tingere plantas, o que significaria O gato queria comer o peixe, mas não queria molhar os pés **. Ou seja, alguém precisará sujar as mãos para que a ambicionada coroa seja obtida (e a necessidade posterior de limpar as mãos forma uma inesquecível e decisiva imagem nessa peça).

Mas o ponto a discutir é outro. Durante a maior parte do texto, Lady Macbeth é intrepidamente resoluta. Mais um exemplo: "Já amamentei e conheço como é agradável amar o terno ser que em mim mama. Pois bem, no momento em que estivesse sorrindo para meu rosto, teria eu arrancado o bico de meu peito de suas gengivas sem dentes e ter-lhe-ia feito saltar o crânio, se o tivesse jurado como assim juraste [a fala dirige-se a seu marido]..." Dizia eu, contudo, que o ponto é outro: por que, "sem mais nem menos", uma personagem tão audaciosa parece arrepender-se (e até perde o juízo) após a consecução do que buscava? A resposta mais óbvia, claro, levará a uma argumentação de cunho moral. Só que desejo algo diferente disso.

Concluo na próxima postagem.

* SHAKESPEARE, William. Macbeth. São Paulo: Abril Cultural, 1981 [Tradução de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes, com notas e dados históricos de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros]

** De acordo com nota de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros

BG de Hoje

Meu interesse maior em música (rock, principalmente) fica concentrado no período que vai da metade da década de 1960 ao auge da cena grunge (que não foi bem uma "cena") no início dos anos 1990. Por isso não conheço muita coisa surgida depois dessa época (e até os dias atuais). Exceção aos White Stripes, System of a Down e QUEENS OF STONE AGE (no BG de Hoje, com God Is On The Radio, do terceiro álbum da banda, que conta com as participações de Dave Grohl e Mark Lanegan).