terça-feira, 27 de novembro de 2012

O direito das minorias



Poucas vezes vi um servidor público ser tão badalado quanto o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Joaquim Barbosa. Começou com sua atuação no "caso Mensalão", do qual era o relator. E culminou, na semana passada, com a cerimônia de posse na presidência do STF e que parecia, em certos momentos, um festival de tietagem em torno de uma dessas "celebridades" fabricadas pelos meios de comunicação de massa.

O ministro, hoje, além de estar à frente de um dos poderes da República, adquiriu status de símbolo para a causa da negritude e representa uma esperança em direção a um Estado mais sensibilizado, consciente e atuante em seu papel de combate ao racismo.

Há uns dez anos li um artigo escrito por Joaquim Barbosa. Obviamente, não imaginava que o articulista teria tanta projeção como hoje (para falar a verdade, era um total desconhecido para mim). Por considerar ainda válida aquela análise, comento o texto nesta postagem.

Em O uso da lei no combate ao racismo: direitos difusos e as ações civis públicas*, Barbosa escreve logo de início (como se estivesse prevendo o destaque que alcançaria nos últimos meses): " A luta por transformações sociais constitui indiscutivelmente tarefa de caráter eminentemente coletivo. Uma única pessoa, seja ela um líder político, religioso ou intelectual de grande influência, por mais influente que seja, jamais terá força suficiente para conduzir sozinho o processo de mudanças necessário à promoção da justiça social".

Após fazer "esta singela constatação", o autor afirma que, no país,

" o establishment jurídico [...] formado essencialmente por membros dos estratos conservadores da sociedade, sempre foi majoritariamente individualista, poucos dentre esses conseguindo dissimular o sentimento refratário que nutrem em relação a todo e qualquer instrumento de defesa coletiva da sociedade e de alguns segmentos".

A justiça brasileira, em sua opinião, pensa mais no indivíduo isoladamente do que em promover ações que atinjam grupos maiores de pessoas. Mas isso vem mudando, principalmente a partir da promulgação da Lei nº 7.347/85 (a Lei da Ação Civil Pública) e da Constituição de 1988, graças a qual o Ministério Público teve seus poderes ampliados (e Joaquim Barbosa, num primeiro momento, me pareceu valer-se o artigo para enaltecer a instituição; na época, ele era Procurador da República no Rio de Janeiro).

No cenário atual, reconhece-se "uma categoria intermediária de direitos, situada a meio caminho entre os direitos puramente individuais e os direitos e interesses gerais da sociedade como um todo". Barbosa, então, passa a discutir os conceitos de direito coletivo e direito difuso e como estes - sobretudo o segundo - podem ser defendidos, legitimamente, pelo MP, utilizando o instrumento jurídico da Ação Civil Pública. Os direitos daqueles pertencentes a uma mesma raça/grupo étnico estão nessa categoria.

Segundo o articulista,

"a busca de solução aos problemas de grupos étnicos minoritários interessa não só a esses grupos mas também à sociedade brasileira como um todo, ao Estado Brasileiro e, cada vez mais, às forças econômicas hegemônicas no país, que têm todo o interesse em ver integradas à sociedade de consumo as grandes massas marginalizadas da nossa sociedade, compostas majoritariamente por pessoas de descendência africana".

Outro aspecto destacado é o do acesso à justiça (geralmente interditado ao pobre no Brasil por causa dos altos custos). Diz Barbosa: " [...] imagine-se um grupo de cidadãos negros em luta contra o Estado ou contra o poderoso lobby do ensino privado lucrativo brasileiro, a fim de valer seu direito, de cunho constitucional de ver os filhos contemplados com o acesso à boa educação". Ações civis públicas, propostas pelo MP, podem ser alternativas viáveis, pois "não expõe[m] individualmente cada cidadão interessado, tampouco implica[m] gastos por parte do cidadão interessado na tutela".

Mas, nessa altura, o autor critica o sistema jurídico e o próprio MP, ao confrontar as observações que vinha fazendo com "a cruel realidade..." Ações civis públicas, "em sua maioria são elas abortadas no nascedouro, seja por decisões judiciais estapafúrdias de conteúdo meramente processual [...], seja por medidas liminares altamente contestáveis, impostas de cima para baixo pelos órgãos jurisdicionais de revisão e de cúpula do Judiciário Federal".

Para Barbosa, essa situação expõe "os vícios e as chagas perpétuas" da justiça no Brasil: "o individualismo exacerbado, o formalismo outrancier, a falta de racionalidade e de praticidade da grande maioria dos instrumentos de ação, etc." Soma-se a isso o papel ainda subalterno desempenhado pelo MP, que "como nos velhos tempos", ainda privilegia "a emissão de pareceres em casos de natureza privatística e relegando a um plano secundário a missão que a constituição lhe outorgou de defesa de direitos e interesses difusos e coletivos das grandes massas, das minorias humilhadas e sem voz na vida pública do país".

Por fim, Barbosa convoca as entidades e organizações brasileiras, dedicadas ao combate à discriminação racial, a empreender uma série de ações na tentativa de reverter o quadro acima descrito.

Como se vê, ter um negro na presidência do STF é um passo importante. Porém, ainda há muito chão pela frente quando se discute o direito das minorias no país.

* GOMES, Joaquim B. Barbosa. O uso da lei no combate ao racismo: direitos difusos e as ações civis públicas. In: GUIMARÃES, Antonio S. Alfredo; HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 389 - 409

BG de Hoje

Os B-52's fazem parte daqueles saudáveis artistas da música pop que não podem ser facilmente rotulados. Chamar o som que fazem de new wave não diz absolutamente nada. No vídeo abaixo, uma apresentação ao vivo de Mesopotamia, uma das minhas canções prediletas dessa banda de Athens.