segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Em que consitem - ontem e ainda hoje - as "aulas de Português"? (II)


Sírio Possenti, nos artigos que escreve habitualmente para a revista Língua Portuguesa, discute, com frequência, as relações (desarmoniosas, quase sempre) entre gramatica normativa, linguística e o ensino do português. Em seu último texto - Uma imposição paralímpica* -, o professor da Unicamp afirma logo de início: "Muita gente pensa que 'regra' de gramática é conceito que tem uma só direção. Simplificando: se está no livro, tem de ser seguida (ou seja: ela começaria no livro, no manual). E acrescenta: "[Porém,] Não fica claro de onde se imagina que as regras venham".

Quase todas as publicações lançadas no Brasil tratando da gramática de nosso idioma são, invariavelmente, muito mais prescritivas do que descritivas, não escondendo o quanto ainda se prendem ao modelo beletrista - e aristocrático - desse tipo de livro, antes do advento (importantíssimo) da Linguística**. Isso pode ser percebido, por exemplo, no corpus do qual esses manuais extraem os dados para justificar os preceitos de uso da língua considerados corretos (na visão do gramático). No geral, selecionam-se trechos de obras literárias cujos autores integram o cânone nacional, em detrimento da linguagem empregada mais cotidianamente pela maioria dos falantes.

A esse respeito, o linguista Sírio Possenti escreve (admitindo, porém, tratar-se de uma simplificação):

"[...] escritores empregam regularmente certas construções, os gramáticos descobrem a regularidade e propõem uma regra (lei); mas ela passa a ser lida como se proposta pelos gramáticos, supostamente detentores de saber que os autoriza a isso; portanto, deve reger os usos futuros da língua".

Além disso, tenta-se regular (leia-se "controlar o uso dos" ) idiomas também através do que impõem segmentos e agentes taludos no jogo sociopolítico e econômico.

Como no caso dos vocábulos paralimpíada e paralímpicos. Esses termos são propriedade do Comitê Olímpico Internacional; por isso, cada comitê local teve que modificá-los. Sírio Possenti dispara: "Esses são exemplos de um segundo tipo de regra: o de que o poder não deixa escapar nada (nem mesmo a língua). É totalmente regular, seja ele mais ou menos burro".

O curioso nesse caso é que a forma paralímpico "contraria uma regra das mais sólidas do português, dessas que as gramáticas não tratam explicitamente, é verdade, mas só porque são seguidas por todos os falantes de todos os coturnos [...] 'A vogal final átona cai quando a forma seguinte começa por vogal'", observa o articulista.

Ou seja, a palavra imposta pelo Comitê, "se seguisse a regra, seria 'parolímpico' e 'parolimpíada' ".

As aulas de Português deveriam discutir, experimentar, praticar e refletir sobre os usos da língua nos diversos contextos e situações (como no caso acima mencionado), tanto na modalidade escrita quanto nas manifestações da oralidade. Entretanto, ainda se perde tempo "ensinando" aos estudantes da educação básica a diferença entre complemento nominal e adjunto adnominal, ou classificando orações subordinadas, ou decorando os nomes dos processos de formação das palavras, ou...
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* POSSENTI, Sírio. Um imposição paralímpica. Língua Portuguesa, São Paulo, ano 8, n. 84, out. 2012, p. 16-17

** É claro que, atualmente, há diversas gramáticas de viés descritivo e que registram os usos mais efetivos realizados pelos falantes (obras, na maioria das vezes, elaboradas por linguistas). Mas são exceções e ainda pouco lidas fora do ambiente acadêmico especializado.

BG de Hoje

Outro dia estava num boteco que habitualmente frequento e provoquei, sem desejar, calorosa discussão. Só porque disse que achava ALDIR BLANC um letrista melhor do que Chico Buarque. Fui chamado de tudo quanto é nome... Mas não mudei de opinião. Observe a letra cujo título é A nível de..., por exemplo. Humor acachapante, para criticar os eternos ripongas intelectualoides, que abrem restaurantes naturais, fazem artesanato, analisam (cheios de circunlóquios e afetação) o casamento "a nível de proposta" - seja ele de caráter hétero ou homoafetivo - para, afinal, darem-se conta de que os relacionamentos humanos, no fundo, são sempre a mesma merda. Associada ao violão inigualável de JOÃO BOSCO, considero essa letra um dos pontos altos da nossa música.