terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Poesia: questão de tudo ou nada? (12)

Quando pensei nesta extensa série de postagens sobre poesia (ver Poesia: questão de tudo ou nada? (1)), um de meus objetivos era "esclarecer qual a concepção de poesia e de fazer poético que mais me interessa e da qual me valho no momento de avaliar escritos e escritores". Pois bem, o modo como José Paulo Paes enxerga seu ofício aproxima-se - e muito - da concepção que valorizo. Por esse motivo, achei melhor hoje - e na próxima atualização - apresentar alguns dos pontos de vista e opiniões desse poeta antes de ir diretamente a seus versos.

Numa autobiografia destinada ao público juvenil (Quem, eu?: um poeta como outro qualquer*), Paes comenta um sonho que teve e no qual se desenha o ambiente familiar de sua infância em Taquaritinga (SP). O sonho serviu de base para um poema ulteriormente publicado (A casa). No entanto, ele faz questão de ressaltar:

"[Os sonhos] às vezes trazem-nos sugestões que são como que embriões de futuros poemas. Mas é a lucidez da técnica e da experiência do poeta - técnica e experiência cuja aquisição exige anos de leitura e de aplicação quase diária ao ofício de escrever - que irá desenvolver as sugestões oníricas em poemas acabados e compreensíveis. Enquanto o sonho é pessoal e só comove ou impressiona quem o sonhou, o poema tem de comover e impressionar, se não todas as pessoas que o leem, pelo menos aquelas cuja sensibilidade foi aprimorada pela leitura regular de poesia".

Há muita coisa importante no excerto acima destacado.

Primeiramente, Paes minimiza a ideia do fazer poético como uma espécie de "arrebatamento", quando o poeta é invadido pela inspiração pura e, praticamente em transe, escreve seu texto. Não nego que isso seja possível e até acontece amiúde; só não acho que os resultados, nessas circunstâncias, sejam interessantes como Literatura. José Paulo Paes defende o exercício da poesia como uma atividade regular e contínua, tanto por parte de quem escreve quanto por parte de quem lê.

Em seguida, ele nunca deixa de considerar a figura do leitor. Não tem a arrogância, nem a falsa autossuficiência daqueles que dizem "escrever apenas para si mesmos".

A esse respeito, gostaria de destacar o trecho de uma entrevista dada por Paes ao também poeta Carlos Felipe Moisés**, na década de 1980 (disponível na íntegra aqui). Falando sobre a tendência contemporânea de uma poesia mais fechada em si mesma, da qual procura se afastar, José Paulo Paes declara: "[...] De modo que eu sempre tive em mente o leitor e procurei, na medida do possível, chegar a um grau, não digo de clareza, mas de acessibilidade que pudesse atrair para a poesia o leitor não-poeta".

Anteriormente, ele já havia dito,  quando indagado: "para quem escrever?", que:

"[...] Qualquer poeta que se preze sempre aspirará a ter como leitor o não-poeta, alguém que ele possa trazer para o mundo da poesia, integrando esse mundo no espaço da vida cotidiana".

Numa época em que todo mundo minimamente interessado em Literatura se acha poeta, mas, estranhamente, pouquíssimos são leitores habituais de poesia, essas declarações são um exemplo de lucidez e integridade artísticas.

* PAES, José Paulo. Quem eu?: um poeta como outro qualquer. São Paulo: Atual, 1996

** Meia palavra inteira. Disponível em <http://www.revista.agulha.nom.br/cfmo01.html> Acesso em 20/01/2012

BG de Hoje

Segundo James Murphy, o faz-tudo do LCD SOUNDSYSTEM, o grupo encerrou as atividades. Uma pena. Exceção ao Prodigy e a alguns trabalhos do Moby, nunca antes tinha ouvido música eletrônica com tanto prazer. Um exemplo:  All I want, uma das minhas preferidas. (link para vídeo)