quarta-feira, 27 de abril de 2011

Procura-se (2)


"Tenho sonhado às vezes que, quando chegar o Dia do Juízo e os grandes conquistadores, advogados e estadistas forem receber suas recompensas - suas coroas, lauréis, nomes gravados indelevelmente em mármore imperecível - , o Todo Poderoso irá se voltar para Pedro e dirá, não sem certa inveja quando nos vir chegando com nossos livros embaixo do braço: 'Veja, esses não precisam de recompensa. Não temos nada para lhes dar. Eles amaram a leitura' ".

Virginia Woolf, How should one read book

 
 
 
Peço, por gentileza, a leitura atenta deste trecho de Uma história da leitura*, de Alberto Manguel:

"Sentada diante de mim no metrô de Toronto, uma mulher está lendo a edição Penguin de Labirintos, de Borges. Eu quero chamá-la, quero acenar-lhe, sinalizar que também sou daquela religião. Ela cuja face esqueci, cujas roupas mal notei, jovem ou velha, não sei dizer, está mais próxima de mim, pelo mero ato de segurar aquele determinado livro nas mãos, do que muitas outras pessoas que vejo diariamente".

Tal sensação já foi experimentada por qualquer leitor de verdade. Não exageraria, entretanto, como faz Manguel, ao dizer que integramos uma religião. Talvez uma seita, quem sabe?...

Decidi permanecer na blogosfera porque acredito ser necessário insistir na procura desse(a) "próximo(a)".

Estou certo de que há apreciadores de Literatura espalhados por aí; desejo encontrar esses irmãos de armas. Melhor dizendo, irmãos de livros.

Iluminado pela beleza de certos versos ou fascinado pela engenhosidade de um ensaio bem escrito, não ligarei para nenhum dos "contatos" da agenda de telefones, pois sei que nenhum deles quererá compartilhar essa emoção comigo. Ao terminar um romance fabuloso, não existirá ao menos um parceiro de copo junto ao qual relembrarei certos personagens, passagens inesquecíveis, alguns felizes arrebatamentos. Com franqueza, entre parentes, colegas, amigos e conhecidos, pessoas que encontro em casa, no trabalho, nos bares, não há sequer um leitor.

Mas peço não confundir o que aqui vai escrito com a descrição lamurienta de um estado de solidão ou isolamento.

Falando sobre a invenção dos óculos, objetos a serem lembrados quando se quer contar uma história da leitura, Alberto Manguel escreveu:

"No final do século XV, os óculos já eram suficientemente conhecidos para simbolizar não somente o prestígio da leitura, mas também seus excessos. A maioria dos leitores, naquele tempo como agora, passou em algum momento pela humilhação de ouvir que sua ocupação é repreensível [...] Preguiçoso, débil, pretensioso, pedante, elitista - estes são alguns dos epítetos que acabaram associados ao intelectual distraído, ao leitor míope, ao rato de biblioteca, ao nerd. Enterrado nos livros, isolado do mundo dos fatos, do mundo de carne e osso, sentindo-se superior aos não familiarizados com as palavras preservadas entre capas poeirentas, o leitor de óculos que pretendia saber o que Deus, em sua infinita sabedoria, havia escondido, era considerado um louco, e os óculos tornaram-se emblemas da arrogância intelectual".

Talvez meus óculos e meus gestos - como manter este blog - simbolizem tudo isso. Contudo, posso e faço questão de afirmar que hoje, profundamente, sou um leitor de Literatura.

E espero que você também seja.
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* MANGUEL, Alberto. Um história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997 [ tradução de Pedro Maia Soares]

BG de Hoje

O MOTÖRHEAD, obviamente, não inventou o rock "pauleira" (como gosto de dizer, usando uma gíria bem fora de moda...). Mas ajudou a dar forma a todo o negócio. Abaixo, a clássica Love me like a reptile.