sábado, 12 de março de 2011

Poesia: questão de tudo ou nada? (6)

Retomando a discussão do ensaio Poesia e Poema, de Octavio Paz *, incluo abaixo mais cinco excertos. Serão citados em bloco. Ao final da postagem, alinhavo algumas observações propositalmente esparsas sobre estes (para mim, ainda não é o momento de concluir nada).

3) "Todas as atividades verbais, para não abandonar o âmbito da linguagem, são susceptíveis de mudar de signo e se transformar em poemas: desde a interjeição até o discurso lógico".

4) "Por si mesma, cada criação poética é uma unidade autossuficiente. A parte é o todo. Cada poema é único, irredutível e irrepetível".

5) "A única característica comum a todos os poemas consiste em serem obras, produtos humanos, como os quadros dos pintores e as cadeiras dos carpinteiros. No entanto, os poemas são obras de um feitio muito estranho: não há entre um e outro a relação de parentesco que de modo tão palpável se verifica com os instrumentos de trabalho. Técnica e criação, utensílio e poema são realidades distintas".

6) "A chamada 'técnica poética' não é transmissível porque não é feita de receitas, mas de invenções que só servem para seu criador".


7) "Inclusive, pode-se acrescentar que não se fala a prosa, escreve-se. A linguagem falada está mais perto da poesia que da prosa; é menos reflexiva e mais natural, e daí ser mais fácil ser poeta sem o saber do que prosador. Na prosa a palavra tende a se identificar com um dos seus possíveis significados, à custa dos outros: ao pão, pão; e ao vinho, vinho. Essa operação é de caráter analítico e não se realiza sem violência, já que a palavra possui vários significados latentes, tem uma certa potencialidade de direções e sentidos. O poeta, em contrapartida, jamais atenta contra a ambiguidade do vocábulo. No poema a linguagem recupera sua originalidade primitiva, mutilada pela redução que lhe impõem a prosa e a fala cotidiana. A reconquista de sua natureza é total e afeta os valores sonoros e plásticos tanto como os valores significativos. A palavra, finalmente em liberdade, mostra todas as suas entranhas, todos os seus sentidos e alusões, como um fruto maduro ou como um foguete no momento de explodir no céu. O poeta põe em liberdade sua matéria. O prosador aprisiona-a".

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  • Mudar a disposição das frases numa bula de remédio ou numa lista de compras, por exemplo, e com isso simular um agrupamento de versos, faz do novo texto resultante um poema, se o "poeta" ou os leitores enxergarem-no como tal, uma vez que ninguém tem mais "autoridade" para dizer que não o seja. Seria isso verdade - na prática, ali, "na bucha" - dentro do "sistema literário"?
  • Num famosíssimo texto**, Mario Quintana escreveu: "Um poema como um gole d'água bebido no escuro/[...]/ Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna/[...]/Triste/Solitário/Único/Ferido de mortal beleza". Ponto para Octavio Paz: "Cada poema é único, irredutível e irrepetível" (embora eu tenha, para adequação ao que estou escrevendo, reduzido a obra de Mario Quintana)
  • Embora alguns gostem (por razões inconfessáveis?) de dizer que escrevem "por divertimento" ou porque "baixou o espírito poético", a Literatura que vale a pena ser lida, penso eu, nasce de um labor (que, geralmente, não é sinônimo de ganha-pão)
  • A "técnica poética" pode não ser transmissível. Isso não quer dizer que não exista...
  • Suponho, por suas observações (ver excerto nº 7), que o poeta mexicano atribuía superioridade - ainda que não muito grande - à poesia, em relação à prosa. E, neste momento, serei honesto: sou um péssimo leitor de poemas. Preferencialmente,  leio romances (contos, uma vez ou outra).
Termino o "papo" sobre este ensaio - mas não a série! - na próxima postagem.

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* PAZ, Octavio. Poesia e Poema. In: ______________. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 15-31 [tradução de Olga Savary]

** QUINTANA, Mario. O Poema. In: ____________. Poesias. 11 ed. São Paulo: Globo, 1997. p. 151-152 [ faz parte do livro Aprendiz de feiticeiro]

BG de Hoje

A cantora mineira MARINA MACHADO regravou essa sensacional canção de Marcos Valle, do irmão dele, Paulo Sérgio Valle e de Laudir de Oliveira: A Paraíba não é Chicago. Habilidosa junção de baião com funk.