quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Nocautes (4)

FELIZ ANIVERSÁRIO - Clarice Lispector



Uma sensacional exposição das vísceras que compõem, intestinalmente, a Família. É assim - um tanto pernóstico, reconheço - que eu definiria o conto Feliz aniversário *, de Clarice Lispector.

Todas as vezes, ao falar dessa escritora, tomo o cuidado de alertar o leitor/ouvinte/interlocutor que estou longe, muito longe, de ser um "intérprete" confiável de sua obra. No jogo proposto por Clarice Lispector, a cada texto, perco-me e não me acho quase sempre (e, talvez, o lance seja esse mesmo...) Deixo a ressalva, dada a quantidade de fãs de Clarice Lispector dentro e (principalmente) fora da blogosfera.

Como acontece com todo grande escrito de Literatura, em Feliz aniversário, o que menos interessa é o enredo, a trama: o que interessa é a urdidura, a junção - às vezes, perfeita - entre matéria narrada, expressão linguística e sentido estético.

Assim sendo, eu gostaria de destacar dois trechos do conto. O primeiro:

"Tendo Zilda - a filha com quem a aniversariante morava - disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. 'Vim para não deixar de vir', dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês".

O título do conto pode gerar a expectativa de um texto alegre; porém, esta é logo pulverizada no primeiro parágrafo, No segundo, acima citado, pode-se "ver" a ausência de desejo festivo: ninguém dançará nessa casa. Reuniões de família, ainda que ocorram sob o pretexto de um aniversário, são, no fundo, ultrajantes, ofensivas.

O segundo:

"- Me dá um copo de vinho! disse.O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão. - Vovozinha, não vai lhe fazer mal? insinuou cautelosamente a neta roliça e baixinha. - Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Me dá um copo de vinho, Dorothy! ordenou. 
Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava. A festa interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos, com croquetes na mão. E olhavam impassíveis".

É a velha matriarca saindo do imobilismo e da decrepitude de seus 89 anos para lançar no rosto daquela família, covarde e hipócrita - aliás, assim são todas as famílias que se "orgulham" do que são - ,seu ressentimento, seu rancor. Mas há espaço para o humor na narrativa: "Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos, com croquetes na mão".

Na próxima semana, interrupção desta série de postagens, com a retomada de outras.

* LISPECTOR, Clarice. Laços de família. 27 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994

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NADA A VER

Olho para o rosto - de cabelo pintado - do senador Edison Lobão (PMDB-MA), atualmente Ministro de Minas e Energia, e me pergunto: o que é que esse cara entende de geração, transmissão e armazenamento de energia elétrica (ou de qualquer outra)?