Mais de uma vez fiz referência, em postagens anteriores, a meu pessimismo crônico.
Não sei precisar quando comecei a dar mais atenção ao pior das coisas; só posso dizer que, desde então, não consigo mais evitar essa predisposição existencial. De vez em quando me pergunto se a minha vida poderia ser um pouquinho menos fodida se eu fosse pelo menos um pouquinho mais otimista, mas isso é assunto para outro chope.
Dias atrás li um texto de Vilmar Debona, professor de Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, discorrendo sobre o pessimismo como uma postura anticonformista. Portanto, dá pra dizer, um pessimismo esperançoso, remetendo-me àquele dístico gramsciano, muito citado por aí - pessimismo da razão/otimismo da vontade -, embora o autor esteja ancorado noutros pensadores (Schopenhauer e Horkheimer).
Meu pessimismo é o da resignação, o da desesperança e, forçoso admitir, o da covardia. Ainda assim, concordo com muito do que escreve Debona neste pequeno artigo, reproduzido na íntegra abaixo:
O OTIMISMO ATROZ DE ELON MUSK *
Vilmar Debona
“Otimismo” é substantivo do latim optimum, “o melhor”. “Pessimismo”, como substantivo de pessimus, “o pior”, nasceu na condição de mero neologismo, mas bem poderia ser assumido como um neologismo de resistência.
Na seara filosófica ou sob as mais diversas camadas culturais que acabaram por dinamizá-lo, o pessimismo resiste à afirmação do que se pretende maravilhoso, sumo, Absoluto. Foi criado para contestar as teses do “melhor dos mundos”, com o que, de partida, denuncia quem fica para trás ou não cabe nesse suposto tão atrativo mundo. Não foi cunhado para registrar lamúrias e desesperanças. Pessimismo contesta a absolutização da razão, do saber, da ciência e da técnica, ao tempo em que aponta para as vítimas que o bem permite. Em termos críticos, não tem muito a dizer do futuro, mas pode ajudar a desentranhar o mal do presente, ao tempo em que atesta a impossibilidade de compensar o mal do passado.
Em meio a tantos crápulas com superpoderes, autoafirmados como absolutos, hoje, está Elon Musk com suas máquinas. Por acaso ou não, consciente ou não sobre a etimologia, sabem como se chama o robô humanoide de Musk? Optimus! Se o mundo humano revela o pessimus, é certo que parte disso se deve a humanos autoproclamados sem limites, como Elon Musk, agora secretário da “eficiência trumpista”.
Antes de se reduzir a “metade cheia do copo”, o otimismo afirma; antes de se reduzir a “metade vazia do copo”, o pessimismo nega. O otimismo afirma e positiva; o pessimismo nega e resiste ao positivado e aos positivadores. O otimismo domina, o pessimismo pode ajudar a libertar os dominados. Nesse sentido, Donald Trump, Elon Musk, Steve Bannon e Mark Zuckerberg são exemplos flagrantes de quem encarna o otimismo opressor. Suas vítimas não são apenas imigrantes, refugiados, clandestinos deportados acorrentados, LGBTQIA+, trabalhadores empobrecidos em geral. São todos os manipulados por suas máquinas de poderes mil, realizadoras do mais avançado progresso positivo. Todas essas vítimas, crentes de serem beneficiárias, encarnam e atualizam o pessimus como peças manipuláveis.
O otimismo, em especial o de Elon Musk, supõe a liberdade como positiva e irrestrita, e oprime em nome dela; o pessimismo assume a liberdade como negativa: só existe na medida em que nega a opressão. O novo-velho otimismo oficial domina o globo desde sempre, mas acabou de assumir o poder da nação – supostamente ainda – mais poderosa. Ele busca cegamente “a justiça”, tem certeza prévia do que é justiça, de quem é digno dela, e faz triagem para aplicá-la. O pessimismo é afeito às lutas por menos injustiças.
O otimismo sorri e faz um gesto nazista. O pessimismo não se afasta para fora da possibilidade do alcance do braço em gesto nazista, não lamenta nem chora. O pessimismo denuncia o motivo do gesto, o alcance do braço e a perversidade do riso.
O otimismo justifica a dor em nome de um “futuro melhor”; o pessimismo é especialista em dores do mundo, individuais ou sociais, e gostaria de garantir que nenhuma fosse justificada. O otimismo, não por acaso, faz par perfeito com o capitalismo – em suas mais variadas formas e fases. O pessimismo, se pudesse tanto, sufocaria a sanha incontrolável dos – velhos e novos – donos do capital. Secaria seus quereres insaciáveis, esgotaria suas inesgotáveis energias positivas, privatistas e acumuladoras; gostaria de derrotá-los em praça pública.
O otimismo, grandiloquente e falsamente incondicionado, coloniza Marte e instala Starlink na Floresta Amazônica. O pessimismo, esse pessimismo anticonformista, espelha a canção de Caetano Veloso, em que “um índio descerá de uma estrela colorida”, e “pousará no coração do Hemisfério Sul, na América”. O otimismo multibilionário de Elon Musk e Jeff Bezos garantirá o futuro uniforme, liso e plano, embrulhado em plástico bolha, controlado por Big Techs. O pessimismo da resistência, esperançoso sem pretender a vitória histórica, garantirá o passado da diversidade, com “a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”.
Elon Musk, com seu otimismo infalível e como membro do governo de Donald Trump, será um ótimo secretário de Eficiência Governamental. A ineficiência, comumente identificada com o pessimismo do common sense, associada à derrota, teria de ser, hoje, a mais desejada das incapacidades. A eficiência de Elon Musk e Donald Trump impõe a liberdade estratosférica de alguns indivíduos – a deles próprios. O pessimismo dos sufocados, voz do negativo da história, continuará acusando a farsa insana ao falar em nome dos inimigos, dos perseguidos e da morte coletiva em potencial.
Foi pensando a negatividade histórica que Max Horkheimer, o fundador da Teoria Crítica, afirmou algo em uma nota de 1956 que nos choca por sua atualidade: “Os espíritos negativos, negativistas, que veem e dizem apenas o que é horrível, apenas o que não deve ser, que têm medo de nominar Deus, o que esses espíritos, afinal, desejam? Que as coisas melhorem! Os positivistas agem em Seu nome, dizem sim ao mundo e ao Criador. Unem-se – não são contra os sacros valores. Os têm sempre na ponta da língua. Assim Hitler uniu os alemães, fazendo dos judeus a vítima designada; Nasser os árabes, designando Israel ao papel de vítima” (Notizen, 1956).
O que poderemos diante dos neonazis que se unem hoje e, com seus robôs absolutamente Optimus, unem a humanidade?
O otimismo de Elon Musk e dos multipoderosos das Big Techs é atroz. O pessimismo existe para denunciar, inclusive, suas atrocidades. Atenta a essa resistência pessimista, nos anos 1980 a filósofa brasileira Olgária Matos sintetizava a ideia ao investigar o Arthur Schopenhauer de Max Horkheimer: “O que une os homens é o desconsolo e o desamparo; o que os separa são os fanatismos e as divisões políticas”.
Pessimistas de todo o mundo, uni-vos!
* Texto publicado em 18/02/2025 no (ótimo) site A terra é redonda. Acesso feito na mesma data.
BG de Hoje
Até onde sei, John Cameron Fogerty é reputado, nos EUA, como um dos grandes songwriters daquele país, em todos os tempos. Concordo plenamente. Proud Mary, Who'll Stop the Rain, Fortunate Son, Have You Ever Seen The Rain, entre outras, tem um peso importante no cancioneiro norte-americano (e mundial) e serão lembradas por anos e anos como exemplos de música popular/pop/não erudita bem feita. Aprecio todas elas, claro. Há, entretanto, uma faixa do CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL pela qual tenho grande apreço - Lodi, com sua atmosfera triste e o refrão de um verso só: "Oh, Lord, (I'm) stuck in Lodi again".