segunda-feira, 6 de julho de 2015

Todo brasileiro deveria ouvir (e refletir sobre) a música do Emicida


O jornalista Franklin Martins, ex-comentarista do Jornal da Globo, bem como ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula (e, só por curiosidade, irmão da escritora Ana Maria Machado), publicou recentemente um trabalho de fôlego denominado Quem foi que inventou o Brasil?: a música popular conta a história. Numa participação no programa Observatório da Imprensa (TV Brasil), o jornalista reconheceu que, a partir dos anos 1990, o rap passou a ser a principal fonte das canções brasileiras com mensagem inegavelmente política, papel que fora desempenhado pela MPB (e, um pouco menos, pelo rock) em períodos anteriores.

Nesta segunda década do século XXI, talvez o principal representante desse segmento dentro da nossa música seja Leandro Roque de Oliveira, mais conhecido pelo nome artístico de Emicida. Na semana passada, o rapper lançou a faixa Boa Esperança, acompanhada do videoclipe dirigido pela cineasta Kátia Lund e pelo fotógrafo João Wainer.

O resultado é grandioso, impressionante. Trata-se de uma projeção - dessas que só são possíveis por meio do empreendimento artístico - incidindo sobre o fosso existente no país, que coloca de um lado a elite branca rica e, do outro, a classe trabalhadora negra pobre.

Boa esperança fala por si. Vamos logo à composição (videoclipe no final).

BOA ESPERANÇA
(Emicida/Vinícius Nave)

Por mais que você corra irmão
Pra sua guerra vão nem se lixar
Esse é o xis da questão
Já viu eles chorar pela cor do Orixá?
E os camburão o que são?
Negreiros a retraficar
Favela ainda é senzala, Jão
Bomba relógio prestes a estourar

O tempero do mar foi lágrima de preto
Papo reto, como esqueletos, de outro dialeto
Só desafeto, vida de inseto, imundo
Indenização? Fama de vagabundo
Nação sem teto, Angola, Ketu, Congo, Soweto
A cor de Eto'o, maioria nos gueto
Monstro sequestro, capta três, rapta
Violência se adapta, um dia ela volta pu cêis
Tipo campos de concentração, prantos em vão
Quis vida digna, estigma, indignação
O trabalho liberta, ou não
Com essa frase quase que os nazi varre os judeu? extinção
Depressão no convés
Há quanto tempo nóiz se fode e tem que rir depois
Pique jack-ass, mistério tipo Lago Ness, sério és
Tema da faculdade em que não pode por os pés
Vocês sabem, eu sei
Que até Bin Laden é Made in USA
Tempo doido onde a KKK veste Obey (é quente memo)
Pode olhar, num falei?
Nessa equação, chata, policia mata? Plow!
Médico salva? Não! Por que? Cor de ladrão
Desacato, invenção, maldosa intenção
Cabulosa inversão, jornal distorção
Meu sangue na mão dos radical cristão
Transcendental questão, não choca opinião
Silêncio e cara no chão, conhece?
Perseguição se esquece? Tanta agressão enlouquece
Vence o Datena, com luto e audiência
Cura baixa escolaridade com auto de resistência
Pois na era cyber, ceis vai ler
Os livro que roubou nosso passado igual Alzheimer, e vai ver
Que eu faço igual Burkina Faso
Nóiz quer ser dono do circo
Cansamos da vida de palhaço
É tipo Moisés e os hebreus, pés no breu
Onde o inimigo é quem decide quando ofendeu
(Cê é loco, meu?)
No veneno igual água e sódio
Vai vendo sem custódio
Aguarde cenas no próximo episódio
Cês diz que nosso pau é grande
Espera até ver nosso ódio

Por mais que você corra irmão
Pra sua guerra vão nem se lixar
Esse é o xis da questão
Já viu eles chorar pela cor do Orixá?
E os camburão o que são?
Negreiros a retraficar
Favela ainda é senzala, Jão
Bomba relógio prestes a estourar