quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O racismo brasileiro e os números


De acordo com o comunicado do IPEA intitulado Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição (disponível aqui), as pessoas negras que fazem parte da população economicamente ativa "correspondem a 60,4% dos que ganham até 1 salário mínimo e a somente 21,7% dos que ganham mais de 10 salários mínimos. Entre os ocupados brancos, esses percentuais equivalem a 39,0% e 76,2%, respectivamente". Mais: negros são maioria entre os indivíduos sem ocupação; estão em menor número entre os trabalhadores com carteira assinada; e são minoria (26,2%) entre aqueles identificados como empregadores. A fonte principal do estudo foi a Pnad/IBGE de 2006

Apresentei esses dados apenas para dizer o seguinte: há uma extensa bibliografia - reunindo trabalhos organizados e publicados tanto por órgãos governamentais, quanto pelas universidades - constatando a grande desigualdade entre raças existente no Brasil. E é prova de ignorância ou má fé não reconhecer isso.

Entretanto, ainda persiste no país a manutenção do mito da "democracia racial" e a crença mal informada de que não se discrimina especificamente a população negra (e indígena, vale acrescentar), mas sim os pobres em geral (tanto brancos como não brancos).

Comecei a refletir com maior atenção sobre tudo isso ao reler Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil*, uma reunião de diversos pequenos artigos publicados pela filósofa Sueli Carneiro, em sua quase totalidade recolhidos da coluna que a autora manteve no jornal Correio Braziliense, no início da década passada.

Em Realidade estatística, Sueli Carneiro defende que as pesquisas que demonstram a desigualdade entre raças

"cada vez mais desautorizam as ideias consagradas em nossa sociedade sobre a inexistência de um problema racial. Questionam a simplificação de que o problema do Brasil é social, e não racial. Recusam os eufemismos como o do apartheid social e, sobretudo, indicam que as políticas universalistas, historicamente implementadas, não têm sido capazes de alterar o padrão de desigualdades entre negros e brancos na sociedade".

Para corrigir injustiças é necessário a adoção de medidas que atinjam o problema diretamente, sobretudo nas áreas da educação, trabalho e segurança pública. Contudo, acrescenta a filósofa neste mesmo artigo, as políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade ficam presas, muitas vezes, num "vazio de implementação" que torna os problemas da população negra "uma abstração que jamais se consubstancia em realidade política. Constata-se a desigualdade, em alguns casos, lamenta-se. Mas parece não haver nada que se queira fazer em relação ao problema".

Noutro texto - Os negros e o Índice de Desenvolvimento Humano - Sueli Carneiro, ao comentar um estudo coordenado pelo economista Marcelo Paixão, considera que as políticas publicas voltadas para a melhoria dos indicadores sociais não podem negligenciar as desigualdades raciais fartamente demonstradas pelas pesquisas.

Esse trabalho coordenado pelo economista Marcelo Paixão utilizou os mesmos dados empregados no cálculo do IDH (expectativa de vida ao nascer, escolaridade e PIB per capita) para aplicá-los não a toda população conjuntamente, mas realizando nesta um recorte por raça. Chegou-se aos seguintes resultados

"é possível verificar que os afrodescendentes ocupam a 108ª posição no ranking proposto pelo Pnud [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento], enquanto os brancos ocupam a 49ª posição. O Brasil, obedecendo ao mesmo ranking, ocupava a 74ª posição [na época da divulgação do trabalho, no ano 2000]

Não tenho razões para acreditar que essa realidade tenha se alterado significativamente, de forma positiva, nos últimos anos.

A luta contra o racismo, todos sabemos, não é fácil. Mas um dos meios para tentar vencê-la é combatendo a desinformação. Por isso, apresentar livros, estudos e pesquisas sobre o tema é indispensável para dar consistência maior à argumentação antirracista.

Na próxima postagem, destacarei uma passagem do livro Mas não se mata cavalo?, do escritor norte-americano Horace McCoy.

* CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011

BG de Hoje

Hoje, infelizmente, não tem BG (motivo: péssima conexão com a internet)