quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os "modos de dizer" na educação escolar



Uma das minhas birras com a Pedagogia tem a ver com a vagueza que caracteriza muitos dos discursos correntes na área.

NOTA: Não deixa de ser estranho que este blogueiro reclame da "vagueza discursiva" sendo ele um interessado em Filosofia! Diria, contudo, que o discurso filosófico pelo menos costuma reconhecer seu distanciamento em relação à prática mais imediata - não sei se a Pedagogia (considerada uma ciência social aplicada)  faz o mesmo.

Ao falar disso, lembrei-me de um texto publicado pela Marisa Lajolo em sua coluna na revista Carta Fundamental*, há poucos meses.

Algumas linhas após o início do texto, a autora escreve: "ultimamente venho prestando muita (muuuuita!) atenção ao vocabulário que, com maior ou menor sutileza, vem circulando no mundo da educação". Ela reconhece que algumas mudanças nesse vocabulário escaparam da sua observação mais detida. E, para minha surpresa, cita a forma de tratamento tio/tia, usada para referir-se a professores/as.

Achei surpreendente porque, pelo menos aqui em Belo Horizonte, essa forma de tratamento (que era comum até os anos 1980) foi progressivamente "combatida" nas escolas. São raros - mesmo em instituições privadas de ensino - os profissionais da educação que aceitam ser chamados de tio ou tia. Mas voltemos ao texto de Lajolo.

A autora prossegue falando sobre a mudança de sentido pela qual passam as palavras, um fenômeno idiomático inevitável. E especula sobre o porquê do professor/a ter virado tio/a. Escreve ela: "Vejamos: 'tio' e 'tia " constituem uma forma mais íntima de tratamento, mais carinhosa, menos institucional". E é a partir daí que seu artigo passa a me interessar mais de perto, pois tal tratamento revela algo prejudicial à educação.

Lajolo relata que certa vez uma educadora propôs que o lema da educação na cidade desta deveria ser "educar é um ato de amor". A proposta não foi para frente. "O principal dos argumentos contrários" - relata a autora - "era que 'educar' é muito mais do que um 'ato de amor'". Afetividade na relação professor-aluno faz muito bem. "Mas educar, mais do que (ou além de) amor, exige competência e sabedoria", afirma Marisa Lajolo. E não posso deixar de concordar com ela.

A autora fala então da sua "implicância" com certos "modos de dizer" (disseminados pelo "pedagogês", penso eu) como por exemplo: "'o estudante constrói seu próprio conhecimento' ou que 'o professor não ensina, o aluno é que constrói seu conhecimento', ou que 'o estudante é o protagonista dos processos de ensino e aprendizagem' ".

Esses "modos de dizer", segundo Lajolo (junto com o tratamento tio/tia):

"desvalorizam professores e situações de ensino e aprendizagem. A relação professor-aluno torna-se familiar demais. Esvai-se nela a autoridade do professor, sua competência se enfraquece".

A autora lembra que, de fato, houve um triste período no qual a educação escolar fora praticada com excessiva dureza. Mudanças, felizmente, ocorreram - nos métodos, no ambiente escolar, etc. Mas algo se perdeu nesse percurso.

Ao final, a autora sente que sua fala pode estar seguindo o perigoso rumo do reacionarismo, mas arrisca dizer que existe uma certa articulação entre "a informalidade do tratamento dispensado aos professores" e as "contínuas avaliações negativas da competência dos mestres, à desvalorização econômica da profissão e aos problemas da qualidade das licenciaturas".
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* LAJOLO, Marisa. Sinal dos tempos? Carta Fundamental, São Paulo, n. 52, out. 2013, p. 42-43

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Percebo claramente que a autoridade dos professores se esvai a cada dia. Esse enfraquecimento vai além do "tio/tia": passa pela ausência de uma política educacional realmente séria no país, mas também passa pela vagueza dos discursos no campo educacional. O que fazer?

BG de Hoje

Acho essa canção encantadora. Foi gravada originalmente por Carlos Dafé, mas a versão de NEGRA LI não deixou nada a dever...