sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Para que discutir? (II)

Julgo oportuno neste momento deter-me um pouco no(s) sentido(s) do termo discutir, antes de voltar ao texto de Platão. No Houaiss*, encontram-se as seguintes acepções para esse verbo:

"1. analisar questionando; levantar questões a respeito de (algo); examinar pormenorizadamente. 2. defender pontos de vista contrários sobre (algo); debater. 3. pôr em dúvida (algo); contestar. 4. conversar de maneira exaltada e apaixonada; altercar, desentender-se, brigar. 5. entrar em entendimento sobre (algo)".

Não são poucos os que fazem uso desse termo levando em conta apenas o 4º significado apontado acima. Certa vez, um amigo, com alto nível de escolaridade, irritou-se durante um papo que mantínhamos quando empreguei a palavra discutir para descrever determinada situação. Fiquei surpreso. Alegou que sempre manifesto postura beligerante nas conversas (não foram bem essas as palavras usadas na ocasião, mas o sentido era o mesmo). Certamente ele considerava discussão apenas como sinônimo de altercação.

As três primeiras acepções incluídas no verbete mencionado seriam boas descrições para o método socrático de perquirição. E são esses os sentidos que terei em mente a partir de agora. Voltemos, com isso, ao diálogo Górgias**, citado na postagem anterior.

Cálicles, um dos personagens daquele texto, em determinado momento aconselha Sócrates a colocar "a filosofia de lado" e atentar "para coisas mais importantes". E acrescenta, sem colocar panos quentes:

"Quando vejo a filosofia sendo cultivada por um rapazinho, eu o aprovo. Acho adequado e considero esse indivíduo como uma pessoa de condição livre e educada ao passo que considero o indivíduo que não a cultiva mal educado e do qual nunca se pode esperar uma ação nobre e generosa. Entretanto, quando vejo uma pessoa mais velha ainda insistindo na filosofia, sem deixá-la de lado, esse é o homem, Sócrates, que penso estar necessitando do açoitamento. Com efeito, como disse há pouco, essa pessoa, não importa quão bem dotada seja, está condenada a se tornar destituída de virilidade ao evitar os centros da cidade e os centros comerciais, nos quais, de acordo com o poeta, homens obtêm reputação e glória; deverá ocultar-se e passar o resto de sua existência murmurando num canto com três ou quatro rapazotes, sem jamais pronunciar algo bem educado, grandioso e vibrante".

No Górgias, como em vários outros de sua autoria, Platão busca demonstrar seu conceito de filosofia, ocupação tão desprezada pelo político Cálicles. A concepção platônica da filosofia passa pela desqualificação de outras atividades, como a oratória (Cálicles também era um orador) e a retórica, atividades essas às quais se dedicavam muitos sofistas (considerados não-filósofos - talvez "concorrentes"? - por Sócrates e, em decorrência, também por Platão). Dialógica, a compreensão platônica da atividade filosófica depende da capacidade de discutir. Mas qual seria a melhor condição para favorecer o ato de discutir/dialogar?

Tento responder a essa questão na próxima terça-feira, analisando melhor a fala de Cálicles reproduzida acima e retomando também o que afirmei ao final da postagem anterior, sobre o resultado frustrante das discussões em que geralmente tomamos parte.
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* DISCUTIR. In. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001

** PLATÃO. Górgias. In: _________. Diálogos II. Bauru: EDIPRO, 2007 [Tradução, textos complementares e notas de Edson Bini]

BG de Hoje

Quase todo mundo reconhece que o LED ZEPPELIN foi um dos maiores grupos de rock de todos os tempos. Mas convém não esquecer que eles também faziam blues maravilhosos, como Tea for one, que, nos primeiros segundos não "dá pinta" do que se transformará logo em seguida.