sábado, 14 de maio de 2011

Poesia: questão de tudo ou nada? (9)


“Se, como diz Goethe, os gregos sonharam mais que esplendidamente o sonho da vida, é porque sonharam sonhos de poetas e não de profetas, pastores e sacerdotes”
Antonio Cicero

 No ensaio Poesia: Epos e Muthos, publicado em 1998* (e do qual retirou-se a epígrafe desta postagem), Antonio Cicero pretendeu verificar se há algum vínculo entre a Filosofia e a Poesia, campos nos quais atua.

Estabelece desde logo a diferença entre elas e indica a maneira como conduzirá sua investigação (o detalhamento de sua metodologia encontrar-se-á mais à frente no ensaio mencionado):

[...] a poesia se interessa pelo relativo, pelo particular, pelo positivo e a filosofia pelo absoluto, pelo universal, pelo negativo; a única coisa que têm em comum é a radicalidade de suas diligências. Sentado ante o computador, porém, fui seduzido por ideias de outra ordem. Dado que filosofia e poesia são palavras gregas, não resisti à tentação de dar um pulo – em pensamento – à sua pátria”.

E este pulo – para o leitor do ensaio – não me pareceu dos mais fáceis...

Cicero faz uma análise das ocorrências – não no sentido estatístico -  das palavras filosofia,  poesia e termos cognatos dentro da épica de Homero. NOTA: Algum conhecimento da língua grega seria desejável para melhor acompanhar a linha expositiva do autor  (escusa dizer que não possuo nenhum) .

Esse percurso analítico está ligado ao conceito da reapresentação do discurso, para diferenciar o “dizer” filosófico  do “dizer” poético.

Seria difícil, dadas a limitação do tamanho das postagens estabelecidas para este blog e as limitações intelectuais do próprio blogueiro, resenhar adequadamente os argumentos arrolados por Antonio Cicero; talvez o faça, em outra oportunidade. Não obstante, fica aqui a sugestão de leitura.

Para nossos objetivos mais imediatos e menos ambiciosos, será mais proveitoso, penso eu, a discussão do artigo Poesia e filosofia**, publicado na Folha de S. Paulo, jornal em que o poeta carioca foi colunista quinzenal. NOTA: Alguns textos dessa coluna, tratando de variados temas, podem ser recuperados no blog Acontecimentos, listado entre as recomendações aqui da casa.

Em Poesia e filosofia, mais uma vez, Cicero procura estabelecer a diferença essencial entre os dois discursos:

“Se o poema não quer ser um pensamento sobre objeto algum, mas quer ser um objeto do pensamento, a filosofia quer ser o pensamento da totalidade dos objetos, sem ser objeto de pensamento algum: a não ser do próprio pensamento filosófico, isto é, da filosofia mesma”.

Os poemas podem falar,

“por exemplo, sobre uma pedra que havia no meio do caminho. Mas eles não são, no fundo, feitos para falar sobre pedras ou sobre coisa alguma. Ao contrário: como os quadros, eles são feitos para que nós pensemos sobre eles, e para que pensemos a partir deles com todas as nossas faculdades, e até com nossos corpos”.

O discurso filosófico, por sua vez, tem seu valor reconhecido a partir do que consegue falar “sobre as coisas [os objetos], mesmo quando a coisa de que fala seja a própria filosofia”.

No poema, tal como diante de um quadro, serão solicitados “de nós a imaginação, a memória, o intelecto, a emoção, a cultura, a sensibilidade, talvez até o humor. Todas essas coisas brincarão umas com as outras no nosso espírito, sendo essa a “função” de toda obra de arte. E isso só acontece plenamente diante do objeto artístico que é o poema se ele permanece inalterado, tal como foi composto. Num texto filosófico, por outro lado, pode-se reproduzir o seu conteúdo em outro texto, usando outras palavras e ele não terá deixado de cumprir sua “função”.

E o que dizer da análise crítica que nasce tanto da recepção/leitura da poesia quanto da recepção/leitura da filosofia?

O articulista escreve:

“Os discursos sobre um texto poético se multiplicam justamente porque o que ele diz não pode ser separado das palavras com que diz, de modo que todas as demais palavras com as quais tentamos exprimi-lo ou explicá-lo resultam sempre insuficientes. Já os discursos – eles mesmos filosóficos – sobre um texto filosófico se multiplicam porque o que este tenciona dizer não é inteiramente expresso pelas palavras com que o diz, de modo que sempre pode e deve ser expresso e explicado melhor por outras palavras”.

Na próxima postagem, as tentativas de conceituação da poesia por Antonio Cicero e uma breve análise de um de seus poemas de que mais gosto, Canção da alma caiada.

P.S. Além dos artigos acima citados, sugiro também ao(à) leitor(a) estes outros textos de Antonio Cicero,  alguns disponíveis no blog Acontecimentos. Não estão relacionados especificamente a esta postagem, mas refletem pontos de vista e argumentos que retomarei, mais adiante, na série.

1)      A poesia escrita:
2)      O que é poesia?:
4)      As vanguardas e a tradição:
5)      O sentido da vanguarda:
6)      Ainda a vanguarda:
7)      A busca no novo:
8)      O desejo do contemporâneo:
10)   A autonomia da arte:
11)   A poesia é um segredo dos deuses?

* CICERO, Antonio. Poesia: Epos e Muthos. In: PUCHEU, Alberto (Org.). Poesia e filosofia: por poetas-filósofos em atuação no Brasil. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 51-93


 ** CICERO, Antonio. Poesia e filosofia. Folha de S. Paulo, São Paulo, 02 jun. 2007. Caderno Ilustrada, p. 11


BG de Hoje


De todas as bandas picaretas que já existiram na história do rock, o KISS, disparado, é o grupo mais bacana. Pirotecnia excessiva e "bobajadas" de figurino e cenário (nos shows e nos video-clipes), músicos de qualidade duvidosa (para dizer o mínimo) e um monte de bugigangas com a marca dos caras (de cuecas a automóveis) não os impediram de gravar uma ou outra boa canção, como Calling Dr. Love, que me lembra o início de minha adolescência.