segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Para quando a África (2)

"A África é o berço da humanidade [...]. Estou certo de que se Adão e Eva tivessem aparecido no Texas, ouviríamos falar disso todos os dias na CNN".


Joseph Ki-Zerbo

Como observei na última postagem, Joseph Ki-Zerbo trata de muitos assuntos fundamentais para a compreensão mais aprofundada do continente africano, na entrevista concedida a René Holenstein*.

Porém, vou abordar apenas o problema da desvalorização e da homegeneização linguísticas.

A esse respeito, o pensador burquinense tem posição definida: "para repensar o Estado, a partir da natureza plurinacional das sociedades, seria necessário, na minha opinião, regressar à alfabetização e à escolarização nas línguas maternas africanas", ainda que reconheça ser "impensável e impossível rejeitar as línguas impostas pela colonização porque, objetivamente, elas foram integradas ao nosso patrimônio cultural, elas unem povos africanos entre si e com a comunidade internacional".

Como se vê, a proposta de educação linguística de Ki-Zerbo vai ao encontro do que pensa em termos de organização em nível de Estado para os países do contimente:

"Não se pode instalar um Estado federal, na África, com cerca de trinta línguas. Mas reduzindo o seu número a três línguas principais, geralmente pode-se abranger 80% a 90% da população. Se os custos desta estratégia são muito pesados; os ganhos são incomensuráveis".


Diversos países africanos, do ponto de vista da língua oficial, são tidos como lugares nos quais a maioria da população se expressa, supostamente, em francês, inglês ou português. Mas veja o caso do Senegal: "Oitenta por cento da população senegalesa fala uolof; no entanto, não se diz que o Senegal é uolofófono, mas francófono".

Com o objetivo de promover o modelo de alfabetização que propõe, o historiador sugere a adoção de línguas-pontes:

"O haussá, o bambará e o diulá são línguas pontes, que já existem. O diulá é falado pelo menos em oito países da África Ocidental; o haussá, pelo menos em quatro ou cinco, entre os quais a Nigéria, que constitui facilmente metade da população da África Ocidental. As pontes linguísticas entre as diferentes regiões da África Ocidental ajudariam todos esses países a constituírem-se mais rapidamente".


É uma proposta que inverte a lógica da globalização. E pode representar, a meu ver, um antídoto para o perigoso cenário da novilíngua - imaginado por George Orwell - e que temo ser mais próximo da realidade do que seria desejável. Com a palavra, Ki-Zerbo:

"As línguas também dizem respeito à cultura, aos problemas da nação, à capacidade de imaginar, à criatividade. Quando falamos numa língua que não é originalmente a nossa, exprimimo-nos de forma mecânica e mimética, salvo exceções (mas governa-se para as exceções?). Não podemos mais do que imitar. Mas quando nos exprimimos na nossa língua materna, a imaginação liberta-se [...]"

* KI-ZERBO, Joseph. Para quando a África?: entrevista com René Holenstein. Rio de Janeiro: Pallas, 2009 [tradução de Carlos Aboim de Brito]

BG de Hoje

O Rush tocou no Brasil este ano, para a felicidade de muitos fãs. Mas em matéria de bandas vindas do Canadá, sempre fui mais BACHMAN-TURNER OVERDRIVE. Down Down tem o saudável groove adequado a todo bom rock'n'roll. OBS: Não dê atenção ao slideshow meio idiota, curta apenas a música.