sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Freud e a felicidade (1)



Não estou bem certo, mas acho que já declarei aqui neste blog minha antipatia em relação à psicanálise. Em priscas datas, fui aluno de alguns professores, na FALE/UFMG, cuja formação contemplava o estudo da "invenção" de Sigmund Freud. Algumas aulas eram chatíssimas. Daí a birra, que, pensando bem, era mais direcionada às aulas e não à psicanálise em si. Enfim, só muitos anos mais tarde - curiosamente, era eu estudante do curso (ulteriormente abandonado) de Ciências Sociais na mesma instituição - é que fui ler o pensador austríaco pela primeira vez, graças a um colega meio capiongo. Ele me sugeriu a melhor "ordem de leitura" para alguns escritos de Freud, começando dos mais claros e bem escritos e chegando a outros, mais complexos, e me fez ver o valor daquilo tudo, O primeiro a ser lido - satisfatoriamente, é necessário que se diga - foi O mal-estar na civilização*, uma das incursões do autor na área da chamada psicologia social e sobre o qual tenho pensado muito ultimamente.

Há uma passagem no cap. II particularmente importante para esta nova série de quatro postagens iniciada aqui. Abaixo, reproduzo um trecho:

"O programa de tornar-se feliz, que o princípio do prazer no impõe, não pode ser realizado; contudo, não devemos - na verdade, não podemos - abandonar nossos esforços de aproximá-lo da consecução, de uma maneira ou de outra. Caminhos muito diiferentes podem ser tomados nessa direção, e podemos conceder prioridades quer ao aspecto positivo do objetivo, obter prazer, quer ao negativo, evitar o desprazer. Nenhum desses caminhos nos leva a tudo o que desejamos. A felicidade, no reduzido sentido em que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido do indivíduo. Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo."

Como se sabe, um dos conceitos fundamentais do pensamento freudiano é o de libido, que tem um significado bem mais amplo do que simplesmente o desejo e o ato sexual propriamente ditos (englobando-os, contudo) e refere-se mais a um impulso essencial da vida humana, a busca do prazer. Acredito que Freud, ao mencionar economia da libido, designava a "energia" empregada para a obtenção do prazer e, concomitantemente, para a fuga do desprazer. Além disso, o pensador já alertara, no início de seu ensaio, para o quanto é arriscado tentar discutir, da maneira mais rigorosa possível, um conceito como o de felicidade:

"Não é fácil lidar cientificamente com sentimentos. Pode-se tentar descrever os seus sinais fisiológicos. Onde isso não é possível [...] nada resta senão cair no conteúdo ideacional que, de forma mais imediata, está associado ao sentimento".

Para a discussão a ser proposta, interessa-nos aqui, porém, a expressão programa de tornar-se feliz - o que lança em nossa compreensão a ideia (óbvia, aliás) de que a felicidade é algo a ser construído (no meu caso, acho sinceramente que ela pode até ser comprada!). De todo modo, só volto ao tema da felicidade - valendo-me ainda de O mal-estar na civilização - na próxima postagem.
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FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Coleção Os pensadores) [tradução de José Octávio de Aguiar Abreu]