quarta-feira, 15 de abril de 2009

Pequenas testemunhas de grandes monstruosidades

É difícil que eu me sinta motivado para ler best-sellers no momento em que estes são lançados no mercado. Mesmo passados alguns anos de sua publicação, ainda não consigo sentir-me tentado a procurá-los. E não se trata de nenhum charminho intelectualóide: é que todo o auê criado em torno do livro faz com que as opiniões sejam tantas - e tão divergentes às vezes - que acabam "contaminando" meu próprio julgamento. Esse posicionamento não deve ser novidade para muita gente, pois sei de pelo menos meia dúzia de pessoas que age exatamente como descrevi. A propósito: brevemente, o tema best-seller será tratado aqui, inclusive com a participação direta - assim espero - de alguns amigos-blogueiros na composição do texto.

Mas como eu dizia, evito ler os mais badalados durante certo tempo, até que a "poeira" do marketing em torno da obra tenha baixado, as resenhas rasteiras dos "jornalões"  e dos semanários sejam esquecidas, e a "fissura" dos leitores já não seja tanta. Só que no caso de O menino do pijama listrado (Ed. Companhia das Letras, 2007, com tradução de Augusto Pacheco Calil) não tomei qualquer precaução. Ao acatar a sugestão de uma colega cá do trabalho, li o livro em poucas horas, durante uma noite dessas.

Pelo fato de contar com uma criança - na condição de protagonista - imersa num regime político marcado pelo horror e a violência, O menino do pijama listrado assemelha-se a filmes como O labirinto do fauno (dirigido por Guillermo del Toro) e, um pouco menos, àquele de Roberto Benigni, A vida é bela.

O ponto forte do livro é, paradoxalmente, o que pode ser visto também como seu ponto fraco: a simplicidade das construções frasais.

O subtítulo do livro é: "uma fábula". Portanto, conscientemente, o escritor imprime ao texto a mesma "leveza" característica das narrações do gênero: corre o risco de ser, contudo, taxado "superficial". Não se deve esquecer, porém, que é a visão de uma criança de 9 anos a principal orientação para os caminhos a serem percorridos pelo narrador. E, na minha opinião, Boyne soube escrever com muita delicadeza, não obstante tratar-se de um período extremamente doloroso da humanidade. Leiamos um trecho:

"Os homens soltaram uma gargalhada e apertaram a mão do pai. Ao sair, formaram juntos uma fila, como soldados de brinquedo, e os braços se projetaram para a frente na mesma saudação que o pai havia ensinado a Bruno, a palma estendida, vinda do peito em direção ao ar em frente a eles num movimento brusco, enquanto gritavam as duas palavras que Bruno fora ensinado a repetir, sempre que alguém as disesse para ele. Então os homens foram embora e o pai voltou ao escritório, no qual era Proibido Entrar em Todos os Momentos sem Exceção".

Mas O menino do pijama listrado será talvez lembrado, no futuro, pela bonita história da amizade entre Bruno e Shmuel, que, mesmo separados pela cerca e pela estupidez e brutalidade humanas, acidentalmente se encontraram e não mais se separaram, aliás, tragicamente:

"Os dois meninos olharam para baixo ao mesmo tempo e a diferença era evidente. Embora Bruno fosse pequeno para a idade, e certamente não era gordo, sua mão parecia saudável e cheia de vida. As veias não eram visíveis através da pele, os dedos não eram pouco mais do que galhos retorcidos e moribundos. A mão de Shmuel, entretanto, contava uma história muito diferente".

Eu teria um pouco mais a dizer, mas fica para outra oportunidade.