quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Freud e a felicidade (4)


Como foi mostrado na última postagem, Freud enxergava nos seres humanos "uma disposição institintiva original e auto-subsistente" para a agressão. No entanto, o sentimento de culpa, nascido da "tensão entre o severo superego e o ego" faz com que não nos esgoelemos uns aos outros a toda hora.

Vale observar que, em diversos momentos de O mal-estar na civilização*, o autor dirige-se diretamente ao leitor, como nesta passagem:

"[...] desconfio que o leitor tem a impressão de que nosso exame do sentimento de culpa quebra a estrutura deste ensaio; que ocupa espaço demais, de maneira que o resto do tema em geral, ao qual não se acha sempre estreitamente vinculado, é posto de lado. Isso pode ter prejudicado a estrutura do trabalho, mas corresponde fielmente à minha intenção de representar o sentimento de culpa como o mais importante problema no desenvolvimento da civilização, e de demonstrar que o preço que pagamos por nosso avanço em termos de civilização é uma perda de felicidade pela intensificação do sentimento de culpa".

De fato, todo o cap. VIII e parte do capítulo final são dedicados ao sentimento de culpa e ao conceito de consciência, e são os "mais propriamente psicanalíticos" de todo o ensaio. Seria adequado tratá-los aqui, mas duas razões me impedem. A primeira decorre do fato de eu não "sacar" quase nada de psicanálise, o que, certamente, poderia deformar o conjunto teórico; a segunda é que, como afirmei antes, trataria, nesta postagem, das satisfações substitutivas, satisfações essas potencialmente redutoras da infelicidade a que estão sujeitos inúmeros indivíduos. De todo modo, fica aqui a sugestão de leitura.

Observemos mais uma vez o que escreve Freud:

"A sublimação do instinto constitui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultural; é ela que torna possível às atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas ou ideológicas, o desempenho de um papel tão importante na vida civilizada".

Das satisfações substitutivas - aquelas que podem se colocar no lugar de um impulso instintivo, como por exemplo, o desejo sexual puramente genital -, entre as mais "nobres", certamente estão a criação e a fruição estéticas e, entre estas, a experiência literária -, às quais se pode chegar através de um "deslocamento da libido". Isso, contudo, não é simples:

"Não é fácil entender como pode ser possível privar de satisfação um instinto. Não se faz isso impunemente. Se a perda não for economicamente compensada, pode-se ficar certo de que sérios distúrbios decorrerão disso". ( economicamente, aqui, refere-se à organização psíquica e não ao sentido financeiro do termo)

Freud, como não podia deixar de ser, considerava a atividade do intelecto uma das formas de diminuir um pouco a nossa imensa infelicidade.
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FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Coleção Os pensadores) [tradução de José Octávio de Aguiar Abreu]