terça-feira, 28 de junho de 2011

Nocautes (9)



MISSA DO GALO
 - Machado de Assis

Numa palestra que, aos ser transformada em texto impresso*, pareceu-me um tanto esmaecida (e aquém do que anunciava em seus objetivos), a professora Letícia Malard apresenta - e nessa apresentação reside o mérito da conferência - avaliações bastante negativas pelas quais passou a obra de Machado de Assis, a partir do ponto de vista de alguns escritores. Quem esperaria por isso? Pode-se ver o autor de Dom Casmurro ser desancado por Sílvio Romero, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Jorge Amado... Não deixa de ser curioso encontrar opiniões tão desfavoráveis sobre aquele que é considerado o mais destacado homem de Letras da Literatura Brasileira, opiniões estas emitidas justamente por outros homens de Letras.

Na conclusão da palestra, Letícia Malard sugere "um modo de ler Machado de Assis com o espírito desarmado, sem ataques nem defesas" (o que ela não fez em seu texto, diga-se de passagem). E acrescentou - nesse caso, a meu ver, apropriadamente: "Em suas narrativas, o enredo é secundário. Ele não é o tipo de escritor que, antes de mais nada, se propõe a contar bem contada uma história".

Pode-se perceber essa característica do autor em Missa do Galo**. Lemos e relemos, sempre nos perguntando: o que, afinal de contas, está acontecendo naquelas páginas? A dúvida e a incerteza são dominantes neste conto e essa atmosfera, ao invés de decepcionar o leitor, exerce sobre ele um tremendo fascínio (pelo menos, assim acontece comigo).

Não vou aqui esmiuçar o texto. Famosíssimo, Missa do galo já foi analisado com muito mais propriedade e brilho por outros estudiosos bem mais preparados e aparelhados do que eu poderia ser. Quero apenas destacar um excerto (os grifos são todos meus):

"Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo, sem sono ou fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusasContradigo-me, atrapalho-meUma das que  ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima".

O narrador já nos havia jogado no terreno da imprecisão desde a sentença inicial do conto. E esta sensação aumenta progressivamente, pois só contamos com as impressões de quem narra (como indicam os trechos grifados). Conceição tentou seduzir o adolescente Nogueira? Na ocasião, o rapaz fora tão pudico quanto nos parece, muitos anos depois, relembrando aquela noite? Não há elementos no texto que nos permitam responder a essas perguntas. E quem se importa? O clima (para usar um termo do dia-a-dia) criado entre os dois personagens é a base sobre a qual toda a narrativa se sustenta, maravilhosamente.

Na próxima (e última) postagem da série, A confissão de Leontina, de Lygia Fagundes Telles.

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Em 1977, Osman Lins convidou outros cinco escritores (Nélida Piñon, Julieta de Godoy Ladeira, Antonio Callado, Autran Dourado e Lygia Fagundes Telles) para escrever novos contos, inspirados no texto machadiano. O resultado foi o livro Missa do galo: variações sobre o mesmo tema (Editora Summus, atualmente na 12ª edição). Recomendo também a leitura dessa obra, que, às vezes, amplia e ilumina pontos sobre os quais o olhar de Machado de Assis não se deteve.

* ASSIS, Machado de. Missa do galo. In: _______________. 50 contos. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2007. p. 433-439 [seleção, introdução e notas de John Gledson]

** MALARD, Letícia. Machado de Assis: ataque e defesa. Revista da Academia Mineira de Letras, Belo Horizonte, v. 50, p. 31-43, out./nov./dez. 2008

BG de Hoje

O sujeito sabe que o alcoolismo já está num estágio sem volta quando ele, entre outras coisas, enche a cara em plena segunda-feira e envereda pela madrugada de terça (foi o meu caso). Como justificativa (frouxa, reconheço), digo que só assim pra suportar os numerosos batráquios engolidos frequentemente na m... de escola em que atualmente trabalho. Ressaca - terrível - não tem remédio específico. Mas boa música pode ajudar. E, junto com uma bojuda caneca de café bem preto e amargo, não conheço nenhuma canção que ajude tanto a recuperar as forças quanto Pawn shop, sensacional dub gravado pelo saudoso trio SUBLIME.